Casa Branca dificilmente teria respaldo de outros países. Mas, para especialistas, discussão poderia acabar relegada a segundo plano.Uma eventual intervenção militar na Venezuela pelos Estados Unidos (EUA), ventilada em razão da ofensiva de Donald Trump sobre o Caribe, provavelmente exigiria uma violação do direito internacional, que dá as regras sobre quando um país pode agredir outro ou não.

Para especialistas, é difícil imaginar que a Casa Branca obteria o aval de outros países para um movimento que, no limite, deflagraria o primeiro conflito internacional em solo latino-americano em 30 anos.

Por via de regra, o direito internacional proíbe guerras entre países. A Carta das Nações Unidas, por exemplo, insta seus membros a resolver suas controvérsias por meios que não coloquem em risco a paz, a segurança nem a justiça. Os países devem se abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de outro Estado.

Já os julgamentos de Nurembergue consideram crime contra a paz o ato de planejar, preparar, iniciar ou realizar uma guerra ou agressão que viole garantias internacionais. Do mesmo modo, resoluções da Assembleia Geral da ONU proíbem o uso da força, da agressão, da ocupação militar ou da guerra para resolver diferenças entre nações.

Guerra ao narcotráfico

As exceções, no entanto, se dão quando houver respaldo do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ou um país se defender de um ataque prévio.

“Provavelmente este último seria o argumento utilizado (pelos EUA), mas seria muito forçado”, avalia Stefan Peters, professor de Relações Internacionais e Estudos de Paz da Universidade Universidad Justus Liebig, em Gießen, na Alemanha.

A Casa Branca deflagra as ações militares nas águas caribenhas, com apoio de Trinidad e Tobago, sob a égide de uma guerra ao narcotráfico.

“O argumento de Trump é que grupos na Venezuela são narcoterroristas e, com isso, quer legitimar juridicamente suas ações no Caribe. A pergunta, para mim, é quem respaldaria uma ação caso fosse ilegal”, questiona a cientista política Sabine Kurtenbach, presidente do Instituto Alemão para Estudos Globais e de Área (GIGA, na sigla em inglês).

Ela argumenta ainda que uma eventual entrada em território americano não seria efetivamente consequência do narcotráfico. “A Venezuela tem um papel muito pequeno no tráfico de drogas internacional. A meta seria derrubar [o presidente da Venezuela] Nicolás Maduro, muito ao estilo histórico.”

Alto risco

No caso da Venezuela, analistas afirmam que uma intervenção terrestre não parece factível, mas enxergam outras possibilidades, desde o bombardeamento de alvos do narcotráfico até uma operação para retirar Maduro do território nacional.

O tema pertence até o momento ao terreno das especulações. O último conflito internacional na América Latina foi a guerra de Cenepa, entre Peru e Equador em 1995, depois da guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido, em 1982.

Os riscos para os EUA neste caso, entretanto, seriam altos. “Entrar e ficar três dias até a rendição do presidente não funcionaria. Além do Exército e das milícias do governo, há inúmeros atores armados na Venezuela”, argumenta Kurtenbach.

Crise do direito internacional

O mundo assiste a um momento de crise do direito internacional. “Várias vezes vimos ações militares no mundo que foram realizadas violando o direito internacional,” prossegue Peters, citando como exemplo a agressão da Rússia contra a Ucrânia

Para o cientista político venezuelano Víctor Mijares, especialistas em temas militares e de segurança, uma eventual intervenção americana bem-sucedida poderia levar a discussão sobre a sua legalidade ao segundo plano. “O direito internacional se ajusta aos fatos consumados”, afirma.

Para o fundador e diretor do programa Geostrategos, da Universidade dos Andes, na Colômbia, por outro lado, “se der errado, será considerado um fracasso político e uma falta legal e moral”.

Mesmo ultrapassada ou escanteada uma discussão sobre a legalidade de uma intervenção, a incógnita permaneceria sobre a duração de um eventual conflito e a extensão dos seus efeitos sobre a população.

“Não é legítimo tirar um presidente de nenhuma forma”, completa Kurtenbach. “Transições à democracia são mais estáveis quando ocorrem sem interferência externa e por meios pacíficos.”

O Brasil vem pedindo às duas partes que mantenham a paz na América do Sul, tendo se oferecido como interlocutor entre Washington e Caracas.