Uma desceu do ônibus de retirada aos prantos. A outra tinha lágrimas nos olhos, mas também uma expressão de alívio. Svitlana Tytova e Tetiana Verjykovska chegaram da cidade de Berdiansk, ocupada pelos russos na costa do mar Negro.

A alegria que Svitlana Tytova sentiu ao chegar às terras controladas pelo governo ucraniano trouxe-lhe, imediatamente, memórias dolorosas do que viveu nos últimos meses.

“Fugimos, porque oito homens armados com rifles automáticos entraram em nossa casa”, conta esta jornalista de 52 anos, enquanto abraçava sua neta.

A alguns metros dela, Tetiana Verjykovska sorri. “Isto é liberdade!”, disse esta coreógrafa de 29 anos.

Já Tetiana Chekoy não tem tanta certeza. A psiquiatra de 45 anos atendeu milhares de ucranianos deslocados pelos primeiros combates em 2014 com os separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia.

Segundo ela, as táticas russas desde sua invasão da Ucrânia no final de fevereiro misturam intimidação psicológica e lavagem cerebral.

“Cada uma destas pessoas tem transtornos de estresse pós-traumático”, disse Chekoy.

– “Marcados psicologicamente” –

Chekoy e sua colega psiquiatra Ulyana Ilman apresentam um panorama das táticas psicológicas que o Kremlin parece estar usando para fazer os ucranianos aceitarem ser russos.

Ela conta a história de uma mulher da cidade de Vasylyvka, na região ocupada de Zaporizhzhia, que a marcou. “Os russos mandaram-na dar aulas(depois da anexação), porque era muito respeitada, e isto poderia fazer os estudantes voltarem às aulas”, conta.

A mulher “teve que dar aulas com um canhão apontado para a escola”, lembrou, acrescentando que as lições sobre a guerra deveriam seguir as diretrizes do Kremlin.

Segundo Chekoy, a escola foi decorada com bandeiras, nas quais estavam inscritos gritos de guerra dos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial. O Kremlin classifica autoridades ucranianas como nazistas e justifica sua invasão da Ucrânia como necessária para “salvar” a população russófona de um “genocídio”.

A mulher relata ainda que “os russos bloquearam todas as emissoras de televisão (ucranianas) e passaram a transmitir as suas”.

“Meus amigos me contaram que pessoas submetidas a isto por duas a três semanas mudaram sua forma de pensar”, disse. Os métodos russos de doutrinação “estão funcionando”, acrescenta.

– Famintos e “desorientados” –

Segundo as duas psiquiatras, a escassez crônica de produtos básicos e de alimentos ajudou a desgastar a resistência das pessoas.

“Há um plano de ação bem estabelecido”, disse Chekoy. “Primeiro destroem moralmente uma pessoa. E depois começam a doutrinar”.

Ambas as psiquiatras concordam em que muitas pessoas que escaparam das zonas ocupadas, em particular as crianças, pareciam famintas. As duas enfatizam o importante papel da escassez de alimentos neste país traumatizado pela fome nas décadas de 1930 e 1940, durante a época soviética.

Ilman disse que “viu crianças atacarem os alimentos” quando chegaram aos territórios controlados por Kiev.

“Algumas crianças não conseguiam parar de comer: comiam e corriam para o banho e logo voltavam e comiam de novo”, lembra Chekoy.

O que mais preocupa a ambas as mulheres são, no entanto, as marcas psicológicas.

“Muitos chegam desorientados. Fazemos perguntas, mas eles não as entendem bem”, explica.

“Alguns choram e riem ao mesmo tempo. São sinais de histeria, de estresse”.