15/04/2019 - 11:40
Nos primeiros cem dias de governo do presidente Jair Bolsonaro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) registrou só uma ocupação de terra no País. Situação bem diferente da registrada no mesmo período de 2018, quando ocorreram 43 invasões de propriedades. O discurso de Bolsonaro pela “criminalização” de movimentos tem solapado as iniciativas de ocupação de terra. Mas não é só isso.
O movimento está mais fraco também pela falta de financiamento do setor público, feito por meio de convênios, de entidades e organizações não governamentais, algo que não ocorria nos governos do PT. Neste mês, que devia ser o marco da mobilização pelo País, os sem-terra nem sequer aparecem nos relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os dados são usados pelo governo para antever protestos. As atividades dos sem-terra já estavam em ligeiro declínio de 2015 para cá, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e acabaram ainda mais esvaziadas neste primeiro trimestre.
Marcado para começar na quarta-feira, o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária terá atos limitados a marchas, comercialização de produtos agrícolas e plenárias de debates. O abrandamento é uma decisão do Movimentação Sem-Terra (MST), cuja direção nacional quer evitar conflitos com forças de segurança nos Estados e com a ala mais radical dos bolsonaristas. “Temos de esperar diminuir o tensionamento das eleições”, disse João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST. “Temos de ser cautelosos.”
A facilitação da posse de armas, uma das primeiras medidas de Bolsonaro, e a atuação de milícias armadas no campo preocupam os militantes. “A criminalização dos movimentos fez com que recuassem”, explica a coordenadora executiva nacional da CPT, Isolete Wichinieski. “Para ter uma luta mais efetiva, você precisa ter um número maior de pessoas num local e dar segurança para elas. Há em muitos lugares milícias formadas e consórcios de fazendeiros que estão se juntando contra as comunidades.”
Ela observa que a Justiça também tem sido mais rigorosa com os movimentos: “Você não pode ocupar uma terra e ficar porque ela não vai ser desapropriada, há outros mecanismos e leis”. Políticos de oposição com acesso ao MST também avaliam que a inflexão dos movimentos sociais deve-se ao atual contexto repressivo, somado à poda de recursos públicos.
A única invasão de terra registrada pelo Incra nem foi promovida pelo Movimento Sem-Terra. Em janeiro, cerca de 70 integrantes da União Nacional Camponesa (UNC) permaneceram três dias na Fazenda Novo Mundo, em Itupiranga, no sudeste paraense. No governo Bolsonaro, um grupo de mulheres ligadas ao MST chegou a entrar numa fazenda do médium João de Deus, em março, na cidade goiana de Anápolis, Goiás. A invasão não entrou nas estatísticas oficiais e foi classificado pelo movimento como um ato político em protesto ao abuso sexual, crime pelo qual o líder espiritual é acusado. Numa ação anterior, em janeiro, mulheres do movimento bloquearam uma estrada de ferro da Vale próxima a Brumadinho, Minas Gerais, onde uma barragem rompeu, matando mais de 200 pessoas.
Bolsonaro é notório opositor do MST. Na campanha, o então candidato defendeu tipificar as invasões no campo como “terrorismo” e disse que os ruralistas e latifundiários deviam reagir a bala aos invasores de terra: “Invadiu, chumbo”, afirmou. No seu governo, o Incra chegou a publicar memorando orientando unidades regionais a não receber entidades que não possuam personalidade jurídica, o que na prática representava o fim do diálogo com o MST. Diante da repercussão, a medida foi anulada um mês depois.
“O discurso do presidente na campanha não foi de repressão, mas de cumprir a lei”, afirma o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antonio Nabhan Garcia. Ele diz que o governo está determinado a não fazer vistorias de terras para reforma agrária que forem invadidas dois anos depois da desocupação, como estabeleceu uma Medida Provisória do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2000. “Não faremos reforma agrária na base do grito e da pressão.”
O secretário afirma que o governo está “atento” a atividades do Abril Vermelho e a Justiça será logo acionada em casos de invasões de prédios públicos ou destruição de bens do Estado. “Esse governo fechou as torneiras. Não tem dinheiro para ONGs e invasores de propriedades. Não tem mais dinheiro para ser jogado na lata do lixo”, diz. “Só vai ter dinheiro para quem quer trabalhar e produzir.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.