02/09/2011 - 21:00
Fazer as apostas mais arriscadas na bolsa. Operar, ao mesmo tempo, ações de primeira linha, empresas pequenas, papéis consolidados e micos sem salvação. Tudo sem ter medo das turbulências do mercado. Parece brincadeira. E é, mas uma brincadeira séria. O número de usuários dos simuladores do mercado financeiro, programas que reproduzem o ambiente dos pregões no Brasil e no Exterior, vem crescendo aceleradamente. Só a BM&FBovespa mantém cinco simuladores, que já somam mais de um milhão de usuários. O simulador oficial da bolsa, batizado de SimulAção, completou um ano de lançamento no fim de julho e já abriga 100 mil jogadores. “A bolsa e outros participantes do mercado vêm fazendo um esforço muito grande para disseminar a educação financeira”, diz José Alberto Netto Filho, professor de educação financeira da BM&FBovespa. “Quando adquirem mais informações sobre o assunto, as pessoas buscam os simuladores para testar o que aprenderam.”
A bolsa não oferece esse playground financeiro sem razão. A ideia é que, conforme os interessados ganhem intimidade com o sobe e desce das ações, a simulação passe para a realidade. “As ferramentas são boas para que o futuro investidor se familiarize com os códigos das ações e jargões de mercado”, diz o educador financeiro Mauro Calil, que alerta: “Investir é muito diferente de simular. Na hora de colocar dinheiro de verdade em jogo, as apostas mudam.” Essa diferença parece estar bem nítida entre os adeptos da simulação.Enquanto o número de participantes nos simuladores cresce sem parar, o volume de pessoas físicas cadastradas na bolsa está caindo. Até julho, havia 598,2 mil pessoas físicas cadastradas. O número é 2,1% menor do que o registrado no fim de 2010, apesar de ainda estar acima dos níveis anteriores à crise. Em 2008, havia 536,5 mil pessoas físicas cadastradas nos computadores da bolsa.
O interesse crescente e a aposta de que os participantes dos simuladores podem tornar-se investidores de verdade estimularam a corretora Renascença a lançar sua própria ferramenta. “A questão educacional é um de nossos pilares e, em nossos cursos e palestras, percebemos que as pessoas ficam com vontade de treinar o que aprendem, especialmente no home broker”, diz Eric Cardoso, gestor do home broker da corretora Renascença. A ideia do simulador é reproduzir com exatidão o home broker da empresa. A única diferença é um atraso de 15 minutos na oscilação dos preços simulados em relação às cotações reais. O simulador foi criado há três meses com um grupo-piloto, e os resultados são positivos. A fase de testes reuniu 100 participantes, dos quais 20 tornaram-se clientes reais. Lançado oficialmente no fim de agosto, o simulador da Renascença já tem 500 contas cadastradas.
“As pessoas ficam com vontade de treinar o que aprendem ” – Eric Cardoso, gestor da corretora Renascença
Um dos clientes que trocaram a simulação pela realidade foi o executivo de vendas paulista Gustavo Rodrigues de Oliveira, 23 anos. Seu dia a dia em um grande laboratório farmacêutico em nada se assemelha ao vai e vem dos mercados. “Sempre quis investir na bolsa, mas não conhecia o funcionamento do mercado e isso me deixava inseguro”, diz Oliveira. Ao experimentar o simulador da Renascença, há dois meses, ele resolveu trazer o aprendizado para a vida real. Com algumas diferenças. “No simulador eu sou um investidor muito mais arrojado, compro e vendo ações no mesmo dia, mas na prática sou mais conservador”, diz. Na hora de simular, Oliveira aposta em papéis nervosos, como OGX, e sossegados, como Souza Cruz, além de comprar Petrobras e Vale, fazendo vários negócios no mesmo dia. Na realidade, seu portfólio tem apenas Petrobras e Vale, e sua estratégia é a de um investidor de longo prazo. “Quando tiver treinado mais no simulador, pretendo ser mais arrojado ao investir”, diz ele. O ambiente virtual dos simuladores cruzou a fronteira das redes sociais há tempos.
O simulador Dosh, que funciona dentro da rede social Facebook, já conta com mais de 44 mil jogadores ativos. Um deles é o contador Cristiano Vargas Buchor, 33 anos. “Já tive aplicações na bolsa, mas desde a crise de 2008 estou com meus investimentos parados”, diz. “O jogo despertou a vontade de voltar e estou me preparando para isso”, afirma. O game que Buchor usa para praticar é patrocinado por duas corretoras, a Icap e a Ativa, que começam a ver resultados práticos. “Todos os meses, cerca de 100 pessoas transformam as contas do jogo em contas reais na corretora”, afirma Paulo Levy, diretor do home broker MyCAP, da corretora carioca. Para tornar a experiência o mais real possível, até chats entre analistas e jogadores são promovidos. “Todo início de semana, divulgamos, inclusive, uma carteira recomendada para os jogadores do Dosh”, diz Álvaro Bandeira, diretor da Ativa. “Se a bolsa estivesse num momento de alta, o número de jogadores estaria crescendo num ritmo ainda mais acelerado”, afirma Levy. “Mesmo assim, os resultados são muito bons.”
“Os simuladores não bastam para a tomada de decisões” – José Alberto Netto Filho, professor da BM&FBovespa
Treinar é válido, pois nenhum time ganha o campeonato sem rigorosos dias de prática. Mas vale lembrar que variáveis que não estão presentes no jogo podem influenciar – e muito – nos resultados finais. “Os simuladores não bastam. No mercado, o investidor tem acesso a informações fartas, relatórios e análises para ajudar nas decisões”, diz o professor Alberto Netto. Os longos períodos de queda ou as movimentações bruscas em alguns papéis ganham muito mais peso quando impactam o bolso. Oliveira, por exemplo, se empolgou com os ganhos de um dia no simulador, mas não experimentou na prática a queda de quase 10% num único pregão. Quando isso acontece, o sistema paralisa automaticamente as negociações na bolsa de valores – e provoca choro e ranger de dentes nos investidores do mundo real.