O primeiro mês de celebração do Orgulho LGBTQIA+ após a reeleição de Donald Trump escancarou o que profissionais da área de diversidade e inclusão (D&I) já percebiam no Brasil desde o começo do ano: a diminuição de investimentos e ações das empresas no combate à desigualdade e promoção da pluralidade.

A Parada do Orgulho LGBTQIA+ realizada em São Paulo (SP) contou com o menor nível de investimento e quantidade de patrocinadores desde 2018, segundo a organização, que entretanto não abriu os números. Manifestações institucionais nas redes sociais, como a tradicional troca da logo por uma versão estilizada com a bandeira de arco-íris, também ficaram mais raras.

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Estudo da consultoria to.gather com 305 empresas de diferentes portes atuantes no Brasil apontou que 10,2% relataram redução de recursos ou ações de D&I em 2024.

Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBT+, afirma que cerca de 20 empresas com negócios nos Estados Unidos retiraram seu apoio ao Fórum. A organização prefere, no entanto, não divulgar a lista ou nomes.

“São empresas com anos de trajetória, não aquelas que aderiram recentemente por pressão da onda ESG. Então é triste ver essas grandes empresas, que têm muita história ao longo dos anos com o tema de ESG e diversidade, saindo. É preocupante”, diz Bulgarelli.

A IstoÉ Dinheiro descobriu algumas empresas que deixaram o Fórum entre o segundo semestre de 2024 e o começo deste ano: Americanas, Google, Pepsico, MasterCard e Meta.

A Mastercard afirmou que “está em processo de renovação da filiação ao Fórum de Empresas e Direitos LGBT+” e “segue investindo de forma ativa em iniciativas que promovem diversidade, inclusão, representatividade e equidade no ambiente de trabalho e na sociedade”, segue a nota, que lista iniciativas de D&I da empresa como uma rede de inclusão LGBTQIAPN+ para promover “eventos, mentoria, aprendizado e espaços seguros”.

A Meta e o Google afirmaram que não irão comentar o assunto. Americanas e Pepsico não retornaram ao pedido de comentário da IstoÉ Dinheiro.

Segundo o diretor cultural e captador de recursos da Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (APOLGBT-SP), Diego Oliveira, apesar de todo ano ser um desafio captar recursos, em 2025 “ficou bem difícil com esse recuo das empresas”.

“Passou o boom do marketing e da pauta quente nas redes sociais. Também teve o Trump nos Estados Unidos com um discurso contra diversidade, então jogou as ações lá embaixo”, analisa a jornalista Maira Reis. Acostumada com cerca de cinco palestras sobre diversidade no mês do Orgulho, este ano ela não fechou nenhuma.

Fator Trump

Em uma das primeiras decisões de seu segundo mandato, Donald Trump aboliu em janeiro de 2025 as ações afirmativas em todos os órgãos públicos dos Estados Unidos. O presidente tem também combatido universidades que promovem iniciativas semelhantes.

Embora sua eleição tenha intensificado um movimento, os especialistas afirmam que o recuo na pauta da diversidade nos Estados Unidos ocorria há cerca de dois anos. “O Trump está na verdade expressando esse grupo empresarial contra a agenda ESG lá e querendo pressionar o mundo também contra a pauta”, analisa Bulgarelli.

No Brasil, os recuos ocorreram em sua maioria na empresas com negócios no exterior. Há ainda companhias como o McDonald’s que, apesar de ter encerrado seus programas de diversidade nos Estados Unidos, manteve as iniciativas no Brasil. Outras organizações ainda buscam um alinhamento com as matrizes sobre o que podem fazer.

Visão aérea de drone mostra foliões participando da parada anual do Orgulho LGBTQ+ pelos direitos, em São Paulo, Brasil.
Visão aérea de drone mostra foliões participando da Parada do Orgulho LGBT+  em São Paulo, Brasil. 22/06/2025 (Crédito:REUTERS/Jorge Silva)

“Eu tenho visto algumas empresas achando um jeito de dialogar com a matriz e dizer que aqui é diferente, voltando a fazer algumas coisas. Mas ainda tem lideranças que eu escuto e estão assustados”, relata Bulgarelli.

Diego Oliveira, da APOLGBT-SP, ouviu relatos similares na busca por patrocínios para a Parada.

“Teve parceiro que se desculpou e disse que as campanhas mudaram porque a empresa está ligada aos Estados Unidos, e agora está entendendo como que a gente pode continuar o trabalho que a gente faz aqui no Brasil”, diz.

O futuro da inclusão LGBTQIA+

Os profissionais ouvidos pela IstoÉ Dinheiro divergem sobre qual será o futuro das iniciativas de apoio a D&I no país.

“A gente vê que o investimento deve se manter da forma como está na maioria dos casos”, afirma a CEO e fundadora da to.gather, Erika Vaz.

“O impacto foi na prática baixo, só que toda a insegurança do momento levou a maioria das empresas a dar uma segurada, nem ampliar e nem reduzir mais.”

“Ainda não dá para saber o quanto as coisas estão se resolvendo, como vai ser os desdobramentos”, diz Reinaldo Bulgarelli. O executivo afirma no entanto que a adesão à pauta da diversidade é mais fácil para as empresas brasileiras, pois no país já ocorre uma institucionalização do combate à desigualdade através de medidas do poder público como as cotas raciais e para deficientes físicos no Brasil, além da Lei da Igualdade Salarial.

“Nós podemos ter uma liderança no mundo. O mundo reconhece nossos programas. Várias empresas multinacionais dizem: ‘nossos programas de diversidade são reconhecidos no mundo como referência pelos resultados que geram'”, diz Bulgarelli.

Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero (CDSG) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Brasil, a advogada Amanda Souto Baliza, que também relata encolhimento nos convites para palestras sobre diversidade neste ano, diz que os direitos conquistados no Brasil como o casamento e a retificação de nome ainda são frágeis, já que a maioria ocorreu por decisões jurisprudenciais do Judiciário, e não por uma construção do Legislativo.

“Essas indicações podem mudar nos próximos 10, 15 anos a composição de uma forma que a Suprema Corte revise esses entendimentos que foram conquistados nesses 10, 15 anos passados”, diz Souto. Ela aponta ainda que há um movimento para fortalecer pautas anti-LGBT no Parlamento, o que pode resultar em leis contra ações afirmativas.

A APOLGBT-SP decidiu, por via das dúvidas, adiantar sua busca de investimentos para o próximo ano, que deve começar já em julho. “A gente fez esse ano com menos empresas, menos aporte financeiro e ficamos com o fundo de reserva no mínimo do mínimo para segurar as contas da nossa sede na República [bairro de São Paulo]”, diz Oliveira.

“No ano que vem a gente tem medo de precisar diminuir a infraestrutura do evento. Mas como ONG, nosso objetivo principal é colocar a Parada na rua, com ou sem patrocínio, com ou sem apoio da prefeitura e de outras instituições. Nós temos que estar na Avenida Paulista”, acrescenta o diretor cultural da APOLGBT-SP.

Foliões se beijam durante a Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo, Brasil. 22/06/2025
Foliões se beijam durante a Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo, Brasil. 22/06/2025 (Crédito:REUTERS/Jorge Silva)