13/06/2022 - 8:15
Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.
+ EUA: Senadores fecham acordo por redução da violência armada
+ Na educação infantil, 55% das turmas não separam tempo para leitura de histórias para crianças
Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução das desigualdades. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.
A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.
O pernambucano Vitor Arruda, de 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70km de Recife. Tinha 15 anos e achava que deveria vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava de vestibular, não tinha esse repertório.” Acabou passando em primeiro lugar em uma universidade federal e cursou quatro graduações.
Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”
Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral.
Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”
Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Estado, o indicador nacional de qualidade, cresceu. Em 2019, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota. Estados como Ceará e Paraíba passaram a fazer o mesmo e tiveram resultados semelhantes.
O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens.
Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm.
No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.
“A cena da violência é muito masculina. O traficante oferece para o menino uma trajetória de sonho sedutora, ele se vê respeitado por mulheres, batendo de frente com o sistema”, diz o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela cultura, pelo esporte.”
Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada em 2016, quando o Ministério da Educação abriu editais para os Estados se inscreverem. O governo federal dava ajuda financeira. Mas nos últimos dois anos o governo de Jair Bolsonaro não fez mais editais.
Os currículos são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que amigos a questionam sobre o tempo de aula. “Não é só ficar sentada na sala, é dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada.”
Segundo Saad, apesar de mais gastos, com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência compensa. “Se Estados como Pernambuco, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável. O que falta é vontade política.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.