28/03/2021 - 7:30
A febre que atingiu o mercado financeiro nos Estados Unidos, o chamado “IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) do cheque em branco”, acaba de desembarcar no País. Nessa modalidade, os investidores fazem uma aposta na capacidade dos gestores em encontrar boas oportunidades de negócios. Os recursos são levantados sem que a empresa a ser listada na bolsa de valores seja definida. Apenas depois que o dinheiro entra no caixa é que os gestores por trás da oferta saem à caça de uma companhia para fazer o investimento – e é ela que se tornará, ao final, uma empresa de capital aberto.
Por ora, essas ofertas, mesmo que algumas tenham o objetivo final de investir no Brasil, estão concentradas nas bolsas norte-americanas. No entanto, o tema já está na mesa dos reguladores por aqui.
Essas empresas do cheque em branco são conhecidas como Spac, sigla para Special Purpose Acquisition Company (veículo de propósito específico de aquisição), e estão ganhando fama mundo afora. Esse mercado gira em torno de nomes reconhecidos, já que a credibilidade da gestora é que vai fazer o investidor lhe dar um “cheque em branco”. A vantagem para o investidor é entrar antes numa aposta com alto potencial de valorização, algo muito valioso em um mundo que vive o fenômeno do juro negativo. Por ter um trâmite regulatório menor, o Spac é visto como uma alternativa mais rápida do que os IPOs clássicos para as companhias com intenção de acessar o mercado de capitais.
“Esse movimento deve continuar em decorrência da liquidez global. Esses instrumentos estão conseguindo levantar capital com uma facilidade muito alta”, comenta o presidente do Morgan Stanley no Brasil, Alessandro Zema. Ele lembra que na América Latina há uma série de oportunidades para investimentos, o que abre espaço para essa novidade para a região. “Uma gestora com experiência comprovada em criação de valor consegue atrair investidores procurando investir na América Latina”, diz.
Salto
A ampla liquidez global fez esse tipo de operação dar um salto nos Estados Unidos. No ano passado, foram realizados 248 IPOs de Spacs, mais de quatro vezes que o visto um ano antes, segundo dados da SpacInsider. Esse número representou praticamente a metade de todas as aberturas de capital que ocorreram nos Estados Unidos no ano passado. Apenas nesse início de ano já foram mais 296 IPOs do cheque em branco, número que sobe toda semana, somando mais US$ 96,6 bilhões em emissões.
“Há dezenas de trilhões de dólares sentados basicamente em juros negativos, e essas transações trazem uma opção ao investidor”, comenta o corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America, Hans Lin. Tal opção ao investidor significa que, caso o patrocinador (como são chamados os gestores que fazem os IPOs das Spacs) não encontre uma empresa alvo ou o investidor não tope a empresa proposta a ser adquirida, ele terá o direito de receber o dinheiro aportado atualizado com o rendimento pago pelos treasuries, os títulos do Tesouro dos EUA. Depois do IPO do Spac, pelas regras, é dado um prazo de 24 meses para a aquisição da empresa alvo.
Com a aquisição bem-sucedida, a empresa que recebe o investimento se torna, ao final do processo, uma companhia de capital aberto. Lin, do Bofa, aponta que hoje, em todo o mundo, há mais de US$ 100 bilhões captados por Spacs em busca de empresas. O número de ofertas desse tipo partindo da América Latina tende a crescer, acrescenta o executivo.
América Latina
Com os investidores com apetite para investimentos de mais risco, a região da América Latina deverá ser alvo de ao menos R$ 16,5 bilhões (US$ 3 bilhões) de aportes vindos das empresas do “cheque em branco” neste ano. Essa é a estimativa de ofertas de Spacs dedicados à região em 2021, segundo projeção prévia do Bank of America. Como, no geral, ao final do processo, o Spac se tornará acionista minoritário com cerca de 20% das empresas investidas, com um cheque que costuma superar os US$ 200 milhões, a expectativa é que essa onda crie uma nova leva de unicórnios, como são chamadas as empresas iniciantes avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, por aqui.
Hoje, as ofertas de Spacs estão concentradas nos Estados Unidos. No entanto, diante do crescimento, o assunto já chegou aos reguladores brasileiros, que estão, com a Bolsa brasileira, analisando o assunto, apurou o Estadão. Localmente, a empresa, para se listar precisa ter o balanço auditado, por exemplo, algo que não é possível dentro de uma empresa “vazia” e que ainda vai às compras.
Enquanto isso, o ritmo de ofertas que têm o País como alvo está crescendo. A Itiquira Acquisition, comandada por Paulo Gouvêa, ex-sócio da EBX e da XP, levantou neste ano US$ 200 milhões na Bolsa americana Nasdaq para comprar uma empresa no Brasil. Segundo Gouvêa, a alta demanda dos investidores estrangeiros pelo seu Spac teve o suporte de histórias de empresas muito bem-sucedidas na Nasdaq, caso da XP s e a empresa de meios de pagamento Stone. “O Brasil tem histórias fantásticas de sucesso por lá”, comenta.
Já a Alpha Capital, cujo alvo é uma empresa de tecnologia na América Latina tem por trás os argentinos, Alec Oxenford e Rafael Steinhauser, velhos conhecidos no setor de tecnologia. Eles levantaram US$ 230 milhões em um Spac também neste ano. Oxenford foi um dos fundadores da Arremate.com e da OLX, ao passo que Steinhauser possui 35 anos de experiência corporativa no setor e foi presidente da Qualcomm Latin America.
Oxenford afirma que os Spacs na América Latina cumprirão um papel muito importante de fechar um ciclo de investimento para empresas de tecnologia. Isso porque, segundo ele, empresas menores estão sendo irrigadas pelos ventures capital, mas ainda existe uma lacuna de investimento depois que a empresa ganha porte e precisa de uma nova rodada de aportes.
“Existem mais de 20 mil empresas de tecnologia na região e grande parte surgiu nos últimos três a quatro anos”, afirma, lembrando que em 2020 as empresas do setor viveram um grande boom de crescimento com a pandemia. “Acho que estamos diante de uma verdadeira evolução acontecendo no Brasil. É um ciclo virtuoso de crescimento do setor”, diz Steinhauser.
O responsável pela área de tecnologia na América Latina, do time do banco de investimento do Bank of America, Pedro Pereira, aponta que, pelos investidores ainda desconhecerem qual a empresa que vai de fato abrir capital, as reuniões antes da oferta giram basicamente em torno da “persona” desse gestor. “O investidor quer entender a capacidade desse gestor de conseguir uma alocação em um ativo premium, a capacidade de convencer a empresa alvo do investimento e ainda gerar valor”, explica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.