14/03/2014 - 21:00
Nos últimos dois anos, Fernando Bara Melgaço, diretor-geral da rede paulista de supermercados Tenda Atacado, teve de sair a campo várias vezes para desmentir rumores de venda da empresa. Periodicamente circulavam boatos de que a companhia fundada em 2001 estaria à venda. Os potenciais compradores iam do gigante Pão de Açúcar a fundos de investimentos. No entanto, no que depender de Melgaço, além de alimentos, bebida e produtos de limpeza, a única coisa que a Tenda pretende vender são ações. A atacadista possui 20 lojas no Estado de São Paulo e três unidades em Luanda, capital angolana.
Melgaço, da Tenda: “Em um mercado concorrido, atrair clientes
depende de ganho de escala”
A meta é mais do que dobrar essa rede nos próximos quatro anos, chegando a 42 lojas em São Paulo. Para isso, serão necessários investimentos estimados em R$ 819 milhões. “Nosso foco é crescer no mercado paulista. Acreditamos que há muito potencial para isso”, diz Melgaço. Surgida a partir do desmembramento da atacadista Vila Nova, criada em 1928 pela família paulista Severeni, a Tenda faturou R$ 1,6 bilhão em 2013 e a meta é encerrar 2014 com uma receita 44% maior. A oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) configura o último estágio de uma estratégia que passa pela evolução da gestão, pelo aumento da produtividade e das margens e pela expansão física da companhia.
Segundo Melgaço, a abertura de capital deve acontecer no máximo em quatro anos e vai depender das condições de mercado. “Já contratamos a Ernst & Young para cuidar da gestão corporativa”, diz ele. Os planos de expansão também incluem a construção de um novo centro de distribuição previsto para o fim de 2015. A expansão é a única forma de a rede sobreviver em um mercado concentrado. Atualmente, o atacado brasileiro está nas mãos de gigantes internacionais. Os nomes mais famosos são Makro, da holandesa SHV, Assai, controlado pelo francês Casino, dono do Pão de Açúcar, e Atacadão, do também francês Carrefour.
“Em um mercado tão concorrido, atrair clientes depende de ações mais profissionais e ganhos de escala”, afirma Melgaço. A questão é: por que a Tenda se interessa por um mercado em que os papéis da maioria das empresas de varejo, fortemente influenciados pelas expectativas para a economia e pelo consumo, só caem (veja quadro “Nutrição para os lucros”)? Para os analistas consultados, uma ação como a da Tenda seria bem recebida no pregão. Jacques Gelman, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV-Eaesp, avalia que ela possui mais condições de ter um IPO bem-sucedido. Primeiro por ser um grupo nacional, o que ajuda na tomada de decisões e torna a gestão mais ágil.
E segundo pelo fato de a empresa tornar sua estratégia de crescimento mais transparente. “A Tenda é uma companhia bem-sucedida e respeitada no segmento de atacado de autosserviço, e um IPO em uma situação como essa faz sentido, pois eles precisam de recurso para crescer.” Diferentemente do que ocorre com as varejistas dedicadas a roupas, produtos eletrônicos e medicamentos, as empresas concentradas na cesta básica são consideradas papéis defensivos, que mantêm seus resultados com ou sem crise. “As pessoas sempre vão querer comer”, costuma dizer o bilionário Jorge Paulo Lehman ao justificar seus investimentos em fast-food.
O apreço dos investidores estende-se até a empresas americanas, como o Walmart. Maior varejista mundial e um dos principais concorrentes do Carrefour no Brasil, a multinacional tem realizado mudanças profundas em sua operação local, tendo fechado 25 lojas no quarto trimestre do ano passado. David Cheesewright, CEO mundial da companhia, informou em um comunicado na época que as medidas foram necessárias em um mercado cada vez mais competitivo como o brasileiro. “Iniciamos ações no México, no Brasil e na China para melhorar nosso desempenho operacional, e esta é uma prioridade para o ano fiscal de 2015”, disse Cheesewright.
As mudanças também passam pelo alto escalão da companhia no Brasil. No fim de 2013, Guilherme Loureiro assumiu a operação do grupo no lugar de Marcos Samaha. Com isso, os recibos de ações do grupo recuaram 5,9% na BM&FBovespa, desempenho melhor que o de outras empresas do setor. Não por acaso, as movimentações da Tenda ocorrem no momento em que o concorrente Carrefour estuda um IPO ou um novo sócio de peso no Brasil. Ao divulgar os resultados globais em Paris no início de março, George Plassat, CEO mundial do grupo, disse que a varejista pode abrir capital em 2015 no Brasil, com o objetivo de financiar o seu crescimento.
Sociedade: na montagem, Diniz (à esq.) e Plassat, do Carrefour: rumores de associação no ar
“Tudo é possível, contanto que consigamos manter o controle da filial brasileira”, afirmou o executivo durante teleconferência de resultados. Essa entrada significaria uma mudança no Carrefour por aqui. Hoje, o País representa 14,5% da receita do grupo, que faturou € 84,3 bilhões em 2013. Abrir capital ou vender uma participação minoritária pode ser uma forma de enfrentar o Pão de Açúcar, que representa 40% do faturamento mundial de seu controlador, o conterrâneo Casino, e é o único representante do varejo com um desempenho positivo na bolsa. “Há 20 anos, o Carrefour tem sido bem-sucedido nos hipermercados, mas não se ajustou à nova realidade do mercado brasileiro e não conseguiu encontrar seu caminho com lojas menores e supermercados de bairro”, diz Gelman.
Na quinta-feira 13, a agência Reuters informou que Abilio Diniz, ex-controlador do Pão de Açúcar, poderia investir até R$ 5 bilhões no Carrefour. “Ele ainda quer fazer o jogo global do varejo”, disse à DINHEIRO uma fonte que acompanha o assunto. O namoro com o Carrefour, é bom lembrar, foi um dos motivos que azedaram a sociedade de Diniz com os franceses do Casino, ainda nos tempos do Pão de Açúcar. Procurado, o Carrefour não se pronunciou. Por meio de sua assessoria, Diniz negou “veementemente” o boato e informou que não há nenhuma negociação em curso. É hora de comprar? O momento não tem sido fácil para as redes de supermercados no Brasil.
“Lojas que eram excelentes estão tendo dificuldade para manter o padrão de qualidade”, diz Regina Blessa, consultora do Instituto de Estudos em Varejo. Fechar lojas, abrir capital ou vender parte do negócio são alternativas para lidar com uma competição mais acirrada. Frederico Vontobel, diretor da gaúcha Vokin Investimentos, diz que novos IPOs de varejistas são bem-vindos, mas os grupos interessados na bolsa devem tomar cuidado com o preço que pedirem. “A faixa indicativa dos IPOs no Brasil tem sido elevada e acaba não se sustentando.” Em dezembro, o mercado reclamou dos valores da oferta secundária de units da Via Varejo que captou R$ 2,8 bilhões. O valor inicial era R$ 33,60, mas cada unit foi vendida a R$ 23. Como faz no supermercado, o investidor também compara preços no pregão.