Uma tentativa de última hora para superar meses de bloqueio político na Irlanda do Norte, em consequência das disposições especiais aplicadas a esta nação britânica após o Brexit, fracassou nesta quinta-feira (27), tornando inevitável a convocação de novas eleições.

O Parlamento regional se reuniu em Belfast ao meio-dia, em busca de um acordo, rejeitado de cara pelo líder do partido unionista DUP, Jeffrey Donaldson.

“Não consideramos que tenha havido avanço suficiente”, afirmou.

O Acordo de Paz da Sexta-feira Santa, que em 1998 pôs fim a três décadas de um sangrento conflito entre unionistas protestantes e republicanos católicos – com cerca de 3.500 mortos -, impôs que ambos os lados compartilhem o poder nas instituições autônomas regionais.

O republicano Sinn Fein – ex-braço político do IRA – ganhou as legislativas regionais de maio, um feito sem precedentes nesta nação de 1,9 milhão de habitantes, onde os católicos superam pela primeira vez os protestantes.

Foi, no entanto, incapaz de formar governo. O DUP – uma legenda ultraconservadora apegada à coroa britânica – se nega a participar do Parlamento regional em protesto pelos acordos pós-Brexit aplicados na Irlanda do Norte.

Os partidos norte-irlandeses têm até meia-noite para encontrar uma solução. Se não encontrarem, o governo central terá de convocar novas legislativas regionais.

“Instamos (o DUP) a voltar à Assembleia, porque o povo da Irlanda do Norte merece um Executivo local eleito e que funcione”, insistiu nesta quinta-feira um porta-voz de Downing Street.

– Protocolo pós-Brexit –

A questão do protocolo pós-Brexit está “longe de ser resolvida”, afirmou Donaldson.

Os unionistas pedem a revogação do acordo negociado entre Londres e Bruxelas no marco do Brexit, que mantém a Irlanda do Norte, de fato, dentro da união aduaneira europeia e seu mercado único.

Seu objetivo – um dos maiores obstáculos da difícil negociação da saída britânica da União Europeia (UE), tornada efetiva desde 2021 – era evitar um retorno de uma fronteira física com a vizinha República da Irlanda, país-membro da UE.

Tal fronteira seria inaceitável para os católicos republicanos, que militam por uma reunificação da ilha.

Tentando proteger o mercado único, as novas disposições estabelecem, porém, controles aduaneiros dos produtos que chegam à Irlanda do Norte procedentes do restante do Reino Unido.

Isto, além de provocar problemas de abastecimento para os comércios norte-irlandeses, constitui, segundo os unionistas, uma ameaça para o pertencimento do país à região.

Com uma crescente população católica e a pragmática vantagem comercial de pertencer a UE, os habitantes da Irlanda do Norte são cada vez mais favoráveis à convocação de um referendo sobre o futuro da nação.

– “Solução negociada” com a UE –

“Poderíamos nomear um presidente, um primeiro-ministro, um vice-primeiro-ministro e um novo Executivo que pudesse atuar imediatamente para colocar dinheiro no bolso das pessoas” em um momento de crescente crise pelo custo de vida, declarou ao Parlamento regional a dirigente norte-irlandesa do Sinn Fein, Michelle O’Neill.

“Mas o DUP continua negando o resultado das eleições de maio”, afirmou.

Este bloqueio político preocupa Londres e Dublin e foi objeto de um telefonema, na quarta-feira (26), entre o novo primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, e seu homólogo irlandês, Micheal Martin.

Ambos destacaram “a urgente necessidade de um Executivo que funcione na Irlanda do Norte”, segundo um comunicado divulgado por Downing Street.

Para contentar o DUP, o governo britânico quer renegociar completamente o protocolo com Bruxelas, que aceita fazer apenas “ajustes”.

No Executivo anterior, houve ameaça de sair unilateralmente do acordo, provocando a ira da UE.

Ontem, Sunak assegurou à presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, que prefere uma “solução negociada”.