26/11/2021 - 5:48
Com uma cratera cheia de água turquesa, colunas de vapor, enxofre e água lamacenta com cheiro de ovo podre, o vulcão Krafla é uma das maravilhas naturais da Islândia.
Nessa cratera do nordeste da ilha, uma aliança internacional quer perfurar dois quilômetros de profundidade, diretamente no interior do vulcão, para criar o primeiro observatório subterrâneo de magma do mundo, um projeto digno de Júlio Verne e que também tem intenções energéticas.
Lançado em 2014 e com a primeira perfuração programada para 2024, o projeto de US$ 100 milhões é liderado por cientistas e engenheiros de 38 institutos de pesquisa e empresas em onze países.
Nomeado de “Krafla Magma Testbed” (KMT), o projeto pretende chegar a um poço cheio de lava. Ao contrário da lava de superfície, a rocha em fusão a quilômetros de profundidade permanece um terreno desconhecido.
“Não existe observatório desse tipo e nunca observamos magma subterrâneo além de três encontros fortuitos em perfurações” no Havaí, Quênia e Islândia, explica Paolo Papale, do Instituto Nacional Italiano de Geofísica e Vulcanologia ligado ao projeto.
O projeto visa também avançar na exploração da energia geotérmica, bem como na previsão de erupções vulcânicas e seus riscos.
“Saber onde está o magma é vital para um bom preparo”, diz Papale. “Sem isso, ficamos quase a cegas”.
A primeira fase da perfuração, que deve custar US$ 25 milhões, envolve vários trechos de exploração ao redor e abaixo do magma. Seu início está previsto para 2024.
O buraco permanecerá aberto e permitirá alcançar o magma e obter amostras.
– Potencial energético –
A ideia nasceu de um acidente. Em 2009, para desenvolver as capacidades da usina geotérmica instalada em Krafla desde 1977, perfurou-se um poço de magma a 900ºC a uma profundidade de 2,1 quilômetros.
A fumaça subiu à superfície, a lava subiu vários metros dentro do duto, o material de perfuração foi danificado. Felizmente, ninguém saiu ferido e os vulcanologistas passaram a ter uma câmara magmática estimada em 500 milhões de metros cúbicos ao seu alcance.
“Esta descoberta tem potencial para ser um grande avanço em nossa capacidade de entender muitas coisas diferentes”, como a origem dos continentes, a dinâmica dos vulcões ou sistemas geotérmicos, diz Papale.
O acidente também parece promissor para a Landsvirkjun, a empresa nacional de eletricidade que opera o local.
Quilômetros abaixo do solo, a rocha atinge temperaturas tão extremas que os fluidos encontrados são chamados de “supercríticos”, ou seja, de comportamento intermediário entre o estado líquido e o gasoso.
A energia produzida é cinco a dez vezes mais importante do que em poços convencionais. No acidente de 2009, o vapor subindo à superfície estava a 450ºC, algo nunca visto antes.
Dois desses poços seriam suficientes para atingir a potência de 60 megawatts que a usina gera atualmente com 18 poços convencionais.
“Graças a este projeto, queremos desenvolver uma nova tecnologia para ser capaz de perfurar mais profundamente e explorar essa energia”, afirma Vordís Eiríksdóttir, diretora executiva da exploração geotérmica da Landsvirkjun.
A perfuração em um ambiente tão extremo é um desafio técnico: os materiais devem ser adaptados para resistir à corrosão gerada pelo vapor muito quente.
A possibilidade de a operação causar uma erupção vulcânica é uma “preocupação natural” para John Eichelberger, professor emérito de geologia e geofísica da Universidade do Alasca, mas equivale, segundo ele, a “espetar uma agulha em um elefante”.
“Uma dúzia de buracos atingiu o magma em três lugares diferentes (no mundo) e nada de sério aconteceu”, diz ele.