Ministro das Relações Exteriores russo havia dito nesta semana que Hitler pode ter tido “sangue judeu” e que Israel apoiava um “regime neonazista em Kiev”. Primeiro-ministro israelense conversou com Putin por telefone.O presidente russo, Vladimir Putin, pediu desculpas pelas observações feitas por seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, que alegou que Adolf Hitler pode ter tido “sangue judeu”, disse Israel nesta quinta-feira (05/05).

Os comentários de Lavrov provocaram indignação em Israel, que vem tentando manter seus laços com a Rússia após a invasão da Ucrânia.

“O primeiro-ministro aceitou as desculpas do presidente Putin pelos comentários de Lavrov e agradeceu-lhe por esclarecer sua atitude em relação ao povo judeu e à memória do Holocausto”, disse o gabinete do premiê israelense, Naftali Bennett, em um comunicado.

Um resumo divulgado pelo Kremlin sobre o telefonema, realizado no dia em que Israel marca os 74 anos da criação do Estado judaico, não fez nenhuma menção a um pedido de desculpas de Putin. No entanto, observou que os líderes discutiram a “memória histórica” do Holocausto.

O que Lavrov disse

Na segunda-feira, Lavrov mencionou em entrevista a uma emissora italiana uma velha teoria conspiratória desacreditada de que Adolf Hitler tinha “sangue judeu”. A fala provocou indignação e levou Israel a convocar o embaixador russo no país para “esclarecimentos”.

Um dos instrumentos da máquina de propaganda do Kremlin para justificar a guerra de agressão contra a Ucrânia tem sido pintar o país vizinho como uma nação dominada por “nazistas” e que as tropas teriam apenas a intenção de “desnazificar” a região. No entanto, a acusação entra em choque com o fato de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é judeu, e que pesquisas mostram que os ucranianos são mais tolerantes em relação aos judeus que os próprios russos.

Em entrevista à Mediaset, divulgada no domingo, Lavrov tentou rebater o argumento sobre o presidente ucraniano de “que tipo de nazismo eles podem ter, se ele mesmo é judeu?”.

“Posso estar enganado, mas Hitler também tinha sangue judeu. Então, isso não quer dizer nada. O sábio povo judeu diz que os antissemitas mais ferrenhos são, via de regra, judeus”, argumentou o ministro russo. A teoria conspiratória de que Hitler teria “sangue judeu” já foi descartada décadas atrás e não é levada a sério por historiadores e biógrafos do ditador nazista.

Qual foi a reação de Israel

A fala provocou reação imediata do ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid. “As observações do ministro das Relações Exteriores Lavrov são tanto uma declaração imperdoável e ultrajante, quanto um terrível erro histórico. Os judeus não se assassinaram a si mesmos no Holocausto. O nível mais baixo de racismo contra os judeus é acusar a eles próprios de antissemitismo”, afirmou.

Lapid ainda exigiu um pedido de desculpas, aconselhando Lavrov a consultar um livro de história: “Os ucranianos não são nazistas. Só os nazistas foram nazistas. Só eles puseram em prática o extermínio sistemático dos judeus.” E completou: “Quem matou meu avô não foram judeus, mas sim nazistas.”

O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, também afirmou que o comentário de Lavrov era uma “mentira”.

O memorial do Holocausto em Israel, Yad Vashem, classificou as declarações de Lavrov como “absurdas, delirantes, perigosas e dignas de condenação”: “Lavrov está propagando a inversão do Holocausto, transformando as vítimas em criminosos, com base na promoção da alegação totalmente infundada de que Hitler seria de descendência judaica.”

“Igualmente sério é chamar os ucranianos, em geral, e o presidente Zelenski, em particular, de nazistas. Isso, entre outras coisas, é uma completa distorção da história e uma afronta às vítimas do nazismo”, declarou a instituição.

A tréplica de Lavrov

Nesta terça, Lavror redobrou sua acusação e disse que os comentários de Lapid eram “anti-históricos” e “explicam em grande medida por que o atual governo israelense apoia o regime neonazista em Kiev”. “Infelizmente, a história conhece exemplos trágicos de cooperação judaica com os nazistas”, declarou em um comunicado.

No texto, Lavrov reiterou que as origens judaicas de Zelenski não impediam que a Ucrânia fosse governada por neonazistas. “O antissemitismo na vida cotidiana e na política não parou e, ao contrário, é alimentado [na Ucrânia]”, disse.

“A Ucrânia, diga-se de passagem, não é a única neste caso”, afirmou, citando o presidente da Letônia, Egils Levits, que “também tem raízes judaicas e também dá cobertura à reabilitação da Waffen SS em seu país”, acrescentou.

Tentativa de equilíbrio

Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, Tel Aviv tem procurado manter um equilíbrio delicado entre os dois lados. Essa postura se deve, em parte, à dependência de Israel em relação aos russos para coordenar a segurança no Oriente Médio.

Moscou mantém presença militar na Síria, onde Tel Aviv continuamente bombardeia alvos suspeitos de pertencerem às Forças Armadas do Irã. Israel e Rússia coordenam suas ações na Síria para evitar entrarem em conflito, e Bennett tem buscado atuar como um mediador entre Moscou e Kiev na guerra na Ucrânia.

bl (AFP, AP)