Alguns dos principais conselheiros do líder iraniano morreram nos ataques israelenses, o que deixa o regime em posição vulnerável. Trump diz saber onde o aiatolá se “esconde”, mas diz que “por ora” ele não será morto.O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, vem se tornando uma figura cada vez mais solitária, em meio à escalada do conflito de suas forças contra Israel.

Aos 86 anos, ele vê alguns de seus principais conselheiros militares e de segurança serem mortos por ataques aéreos israelenses. Tamanho desfalque pode aumentar o risco de erros estratégicos.

Vários comandantes militares de alto escalão foram mortos desde o inicio dos ataques israelenses ao Irã na última sexta-feira, incluindo os principais conselheiros de Khamenei da Guarda Revolucionária, força militar de elite do Irã e pilar fundamental de sustentação do regime.

Entre os mortos até agora estão Hossein Salami, comandante-geral da Guarda Revolucionária; Mohammad Bagheri, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; Amir Ali Hajizadeh, chefe do programa aeroespacial iraniano e responsável pelo programa de mísseis balísticos do Irã; Mohammad Kazemi, chefe de espionagem; Esmail Qaʾani, comandante da brigada Quds, unidade da Guarda Revolucionária responsável por missões no exterior; e Gholam Ali Rashid, vice-comandante das Forças Armadas; e, mais recentemente, o general da Guarda Revolucionária Ali Shadmani, que havia acabado de ser nomeado para substituir Rashid.

A morte de Shadmani foi anunciada pelo exército israelense. O Irã não reconheceu imediatamente a morte do militar.

Além disso, Khamenei também perdeu vários cientistas experientes envolvidos no programa nuclear de Teerã.

Some-se isso ao anúncio da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) nesta terça-feira (17/06) de que os ataques israelenses tiveram “impactos diretos” na planta de enriquecimento de urânio de Natanz, atingindo salas subterrâneas com centrífugas.

O Irã corre um risco “extremamente perigoso” agora de errar em questões de defesa e estabilidade interna, na avaliação de uma fonte de Teerã citada pela agência de notícias Reuters que participa regularmente de reuniões com o líder supremo.

Além dela, a Reuters ouviu outras duas pessoas que participam ou já participaram de reuniões com Khamenei sobre questões importantes, além de mais duas pessoas próximas a autoridades que comparecem regularmente a esses encontros.

O círculo de poder do aiatolá

Os conselheiros mortos nos ataques faziam parte do círculo próximo de Khamenei, formado por entre 15 e 20 homens, entre comandantes da Guarda Revolucionária, clérigos e políticos.

O grupo se reúne em ocasiões especiais, antes de tomadas de decisões importantes. Os membros são caracterizados por uma lealdade inabalável ao aiatolá e à ideologia da República Islâmica, disseram as fontes.

No sistema de governo do Irã, o aiatolá é, além de líder religioso, comandante supremo das Forças Armadas com poder de declarar guerra e nomear ou demitir figuras importantes, incluindo comandantes militares e juízes. É dele a palavra final sobre assuntos importantes, embora Khamenei aprecie conselhos, ouça atentamente pontos de vista divergentes e busque com frequência informações adicionais de seus conselheiros.

Preso antes da Revolução Islâmica de 1979 que instaurou o atual regime dos aiatolás, e mutilado por um ataque a bomba antes de se tornar líder em 1989, ele é totalmente comprometido com a manutenção do sistema islâmico de governo e profundamente cético em relação ao Ocidente.

“Duas coisas podem ser ditas sobre Khamenei: ele é extremamente teimoso, mas também extremamente cauteloso. Ele é muito cauteloso. É por isso que ele está no poder há tanto tempo”, afirma à Reuters Alex Vatanka, diretor do Programa do Irã no think tank Instituto do Oriente Médio, em Washington.

“Khamenei está muito bem posicionado para fazer a análise básica de custo-benefício que, fundamentalmente, aborda uma questão mais importante do que qualquer outra: a sobrevivência do regime.”

Os amplos poderes de Khamenei

O foco na sobrevivência do regime tem sido repetidamente posto à prova, como nas ocasiões em que Khamenei mobilizou a Guarda Revolucionária e a milícia Basij, espécie de polícia da moralidade de Teerã, para reprimir protestos nacionais em 1999, 2009 e 2022.

Embora as forças de segurança sempre tenham conseguido resistir aos manifestantes e reafirmar o poder estatal, anos de sanções ocidentais provocaram uma miséria econômica generalizada que, segundo analistas, pode, em última análise, ameaçar a instabilidade interna.

Os riscos dificilmente poderiam ser maiores para Khamenei, que enfrenta uma escalada no conflito com Israel.

As fontes ouvidas pela Reuters enfatizaram que outros membros do grupo que não foram alvo de ataques israelenses ainda são importantes e influentes, incluindo os principais assessores em questões políticas, econômicas e diplomáticas.

Segundo elas, Khamenei aciona esses conselheiros para lidar com questões à medida que elas surgem, estendendo seu alcance diretamente a uma ampla gama de instituições que abrangem os domínios militar, de segurança, cultural, político e econômico.

Ao operar dessa forma, inclusive junto aos órgãos subordinados ao presidente eleito, o gabinete de Khamenei frequentemente se envolve não apenas nas principais questões de Estado, mas também na execução de iniciativas menores.

Os homens de confiança de Khamenei

Um desses conselheiros seria Mojtaba, um dos filhos do próprio Khamenei. Apontado por alguns como um potencial sucessor de seu pai, o clérigo de médio escalão teria construído laços estreitos com a Guarda Revolucionária, assegurando maior influência sobre o aparato político e de segurança do Irã.

Já Ali Asghar Hejazi, vice-assistente de assuntos de segurança política do gabinete de Khamenei, esteve envolvido em decisões de segurança sensíveis e é frequentemente descrito como o mais poderoso membro da inteligência do Irã.

O chefe de gabinete de Khamenei, Mohammad Golpayegani, assim como os ex-ministros das Relações Exteriores Ali Akbar Velayati e Kamal Kharazi, e o ex-presidente do Parlamento Ali Larijani, continuam sendo pessoas de confiança em temas de diplomacia e de política interna, assim como a questão nuclear.

Aiatolá cada vez mais isolado

A perda dos comandantes da Guarda Revolucionária, no entanto, dizimou os escalões mais altos de uma organização militar que Khamenei colocou no centro do poder desde que se tornou líder supremo em 1989, com papel fundamental em termos de segurança interna e de estratégia regional.

Enquanto a cadeia de comando do Exército regular passa pelo Ministério da Defesa sob o presidente eleito, a Guarda responde pessoalmente a Khamenei, garantindo o melhor equipamento militar para suas forças terrestre, aérea e marítima, e conferindo a seus comandantes um importante papel no Estado.

Enquanto enfrenta um dos momentos mais perigosos da história da República Islâmica, Khamenei se vê ainda mais isolado pelas perdas recentes de outros conselheiros importantes na região, com a coalizão do chamado “Eixo da Resistência” do Irã sendo massacrada por Israel.

O chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que era pessoalmente próximo do líder iraniano, foi morto por um ataque aéreo israelense em setembro do ano passado.

Os houthis também vêm sendo combatidos, inclusive com ataques promovidos pelas Forças Armadas dos EUA, bem como o grupo palestino Hamas, que domina a Faixa de Gaza.

Outro aliado chave de Khamenei, o ditador sírio Bashar al-Assad, foi derrubado do cargo em dezembro passado.

Trump: aiatolá não será assassinado “por enquanto”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressionou Khamenei nesta terça-feira (17/06) a renunciar, dizendo que os EUA sabem exatamente onde ele estaria “escondido” e que ele não seria assassinado “por enquanto”.

“Sabemos exatamente onde o chamado ‘líder supremo’ está escondido. Ele é um alvo fácil, mas está seguro lá – não vamos matá-lo, pelo menos não por enquanto”, disse Trump em uma publicação no Truth Social. “Mas não queremos mísseis disparados contra civis ou soldados americanos. Nossa paciência está se esgotando.”

Trump disse que queria um “fim real” para o conflito, não apenas uma trégua, e uma “rendição completa” do Irã. “Não estou buscando um cessar-fogo, estamos buscando algo melhor do que um cessar-fogo”, disse após interromper sua participação na cúpula do G7 no Canadá.

A fala veio no mesmo dia em que o ministro israelense da Defesa, Israel Katz, disse que Khamenei poderia ter o mesmo destino do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein, deposto por uma invasão americana e enforcado em 2006.

Um dia antes, o premiê israelense Benjamin Netanyahu já havia sinalizado que não descartava assassinar o líder supremo, argumentado que isso poria fim ao conflito.

Os ataques contra o Irã foram deflagrados por Israel sob a justificativa de impedir que a República Islâmica desenvolva armas nucleares – pretensão que o Irã nega ter. Teerã, que é signatário do Tratado Internacional de Não Proliferação, que veta armas nucleares, alega desenvolver a tecnologia somente para fins civis.

Israel, que não é signatária desse tratado, é o único país do Oriente Médio que, acredita-se, dispõe de tais armas – algo que Tel Aviv não nega nem confirma.

Antes de ser bombardeado por Israel, porém, o Irã foi censurado pela AIEA, órgão de fiscalização nuclear da ONU, por descumprir obrigações previstas no tratado pela primeira vez em 20 anos.

Os ataques israelenses mataram pelo menos 224 pessoas e feriram mais de 1.200 no Irã. As mortes incluem comandantes militares de alto escalão e cientistas nucleares.

Em Israel, ao menos 24 pessoas foram mortas e 592 ficaram feridas nos ataques iranianos.

rc/ra (AFP, Reuters, ots)