Entre os mortos está o conhecido correspondente Anas al-Sharif. Israel admite ataque proposital e diz que repórter “era membro do Hamas”, o que foi negado pela rede de TV. Organizações de imprensa repudiam mortes.Um conhecido jornalista da emissora de televisão Al Jazeera foi morto juntamente com quatro colegas em um ataque israelense neste domingo (10/08) na Faixa de Gaza. A ação militar direcionada, admitida por Israel, foi condenada por organizações de jornalistas e grupos de direitos humanos.

Os militares israelenses confirmaram ter alvejado e matado Anas al-Sharif, alegando que ele liderava uma célula do Hamas e estava envolvido em ataques contra Israel.

A Al Jazeera rejeitou a alegação. Antes de morrer, Sharif também havia rejeitado acusações de Israel de que ele tinha ligações com o Hamas, grupo fundamentalista considerado uma organização terrorista pela União Europeia (UE), Alemanha, Estados Unidos (EUA) e outros.

ONGs que repudiaram o ataque afirmaram que Sharif se tornou um alvo por causa de suas reportagens na linha de frente da guerra em Gaza e que a alegações de Israel carecem de provas.

“Tentativa de silenciar vozes”

Sharif, de 28 anos, estava entre um grupo de quatro jornalistas da rede catari Al Jazeera e um assistente que morreram em um ataque direcionado contra uma tenda em que estavam perto do Hospital Al-Shifa, no leste da Cidade de Gaza, segundo informações das autoridades de Gaza e da rede Al Jazeera. Um funcionário do hospital disse que o ataque matou outras duas pessoas e danificou a entrada do setor de emergências do complexo hospitalar.

Chamando Sharif de “um dos jornalistas mais corajosos de Gaza”, a Al Jazeera afirmou que o ataque foi uma “tentativa desesperada de silenciar vozes em antecipação à ocupação de Gaza”.

Os outros jornalistas mortos foram Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal, informou a Al Jazeera.

Prêmio Pulitzer

Sharif fazia parte de uma equipe da Reuters que, em 2024, ganhou o Prêmio Pulitzer na categoria Fotografia de Breaking News pela cobertura da guerra entre Israel e o Hamas.

Os militares israelenses afirmaram em um comunicado que Sharif era o chefe de uma célula do Hamas e “responsável por promover ataques com foguetes contra civis israelenses e tropas das Forças de Defesa de Israel (FDI)”, citando informações de inteligência e documentos encontrados em Gaza.

Israel acusa jornalista de ser “terrorista”

Em uma publicação nas redes sociais, as Forças de Defesa de Israel (FDI) justificaram o ataque contra Sharif afirmando que ele era”um terrorista”.

“Atingido: O terrorista do Hamas Anas Al-Sharif, que se passou por jornalista da Al Jazeera. Al-Sharif era o líder de uma célula terrorista do Hamas e promoveu ataques com foguetes contra civis israelenses e tropas das FDI. Informações de inteligência e documentos de Gaza, incluindo listas de membros, listas de treinamento de terroristas e registros de salários, comprovam que ele era um agente do Hamas integrado à Al Jazeera. Um crachá de imprensa não é um escudo para o terrorismo”, diz a publicação.

Grupos de jornalistas criticam ataque

Um grupo de liberdade de imprensa e representantes das Nações Unidas alertaram anteriormente que a vida de Sharif estava em perigo devido às suas reportagens de Gaza. A relatora especial da ONU, Irene Khan, afirmou no mês passado que as alegações de Israel contra ele eram infundadas.

A Al Jazeera afirmou que Sharif havia deixado uma mensagem nas redes sociais para ser publicada em caso de sua morte, que dizia: “nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou deturpação, na esperança que Deus seria testemunha por aqueles que permaneceram em silêncio”.

Em outubro passado, os militares israelenses identificaram Sharif como um dos seis jornalistas de Gaza que, segundo alegaram, eram membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, citando documentos que, segundo eles, mostravam listas de pessoas que concluíram cursos de treinamento e salários.

“A Al Jazeera rejeita categoricamente a descrição das forças de ocupação israelenses de nossos jornalistas como terroristas e denuncia o uso de evidências fabricadas”, afirmou a rede em uma declaração na época.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que em julho instou a comunidade internacional a proteger Sharif, afirmou em comunicado que Israel não apresentou nenhuma evidência para respaldar suas alegações contra ele.

“O padrão israelense de rotular jornalistas como militantes sem fornecer evidências confiáveis levanta sérias questões sobre sua intenção e respeito à liberdade de imprensa”, disse Sara Qudah, diretora do CPJ para o Oriente Médio e Norte da África.

De acordo com o CPJ, 186 jornalistas foram mortos desde o início da ofensiva militar de Israel em Gaza.

Em julho, três grandes agências internacionais de notícias — Reuters, AP e AFP — emitiram uma declaração conjunta expressando “profunda preocupação” com seus jornalistas na Faixa de Gaza, apontando que eles estão cada vez mais incapazes de alimentar a si mesmos e suas famílias.

Última postagem minutos antes de morrer

Sharif, cuja conta no X contava com mais de 500 mil seguidores, publicou na plataforma minutos antes de sua morte que Israel vinha bombardeando intensamente a Cidade de Gaza por mais de duas horas.

O grupo militante palestino Hamas, que controla Gaza, afirmou que o assassinato pode sinalizar o início de uma ofensiva israelense. “O assassinato de jornalistas e a intimidação daqueles que permanecem abrem caminho para um grande crime que a ocupação planeja cometer na Cidade de Gaza”, afirmou o Hamas em um comunicado.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que lançaria uma nova ofensiva para desmantelar os redutos do Hamas em Gaza, onde a crise de fome se agrava após 22 meses de guerra.

“Anas al-Sharif e seus colegas estavam entre as últimas vozes restantes em Gaza a transmitir a trágica realidade ao mundo”, afirmou a Al Jazeera.

A assessoria de imprensa do governo de Gaza, administrada pelo Hamas, informou que 237 jornalistas foram mortos desde o início da guerra em 7 de outubro de 2023. O CPJ afirmou que pelo menos 186 jornalistas foram mortos no conflito de Gaza.

Relação conflituosa

Em 2024, Israel baniu o funcionamento da Al Jazeera no país, alegando que sua cobertura representava uma ameaça à segurança nacional.

À época, a proibição veio na esteira de uma lei aprovada em abril pelo Knesset, o Parlamento de Israel, que autorizou o fechamento de emissoras estrangeiras que ameacem a segurança nacional diante da guerra que o país trava contra o Hamas na Faixa de Gaza. No mesmo ano, militares invadiram e fecharam uma sucursal da emissora na Cisjordânia ocupada.

A emissora catari foi fundada em 1996 e se destacou internacionalmente pela sua cobertura também crítica do mundo árabe. Israel, por sua vez, tem uma relação tensa com a organização de mídia, cuja cobertura da guerra em Gaza tem focado especialmente no lado dos palestinos.

Israel costuma acusar o canal de atuar em parceria com o Hamas e fazer propaganda do grupo radical islâmico.

Na última década, A Arábia Saudita e a Jordânia também chegaram a fechar redações locais do canal. O sinal da emissora também já foi bloqueado nos Emirados Árabes Unidos, no Egito, na Síria e no Bahrein.

Um dos poucos veículos de imprensa que seguiu funcionando em Gaza após o início do conflito, em 7 de outubro de 2023 – quando o Hamas perpetrou uma ofensiva terrorista contra Israel –, a Al Jazeera transmitiu imagens e vídeos de bombardeios aéreos mortais e hospitais lotados sob fogo israelense.

Em janeiro de 2024, a emissora já havia acusado as forças de Israel de matarem deliberadamente dois dos seus jornalistas em Gaza. Em 2022, o canal também acusou tropas israelenses de assassinarem a jornalista palestina-americana Shireen Abu Akleh.

md (Reuters, AP)