09/03/2005 - 7:00
Figura de luxo no universo de rapapés do século XIX, o mordomo era o fiel escudeiro que nada deixava faltar à nata das sociedades. Hoje, eles aparecem apenas em novelas, nos filmes de época e em raras residências que preservam a tradição ? mesmo entre as famílias milionárias, no Brasil e no exterior. Mas há, sim, um renascimento dessa turma. Eles brotam nos hotéis de luxo como arma para atrair clientes numa guerra em que já não basta oferecer spa, travesseiros de pluma e outros mimos. O que eles fazem? Os garbosos funcionários, homens e mulheres, arrumam o armário, passam roupa, pregam botão e engraxam sapatos. Em alguns casos, acompanham a cotação do dólar, fazem pesquisa na internet e checam a previsão do tempo. ?Cada suíte é atendida por um mordomo particular?, diz Cássio Faria, que comanda uma equipe de dez criados no Grand Hyatt São Paulo. ?Desse modo, cada um deles já sabe o nome, as preferências e as necessidades dos hóspedes, podendo até se antecipar aos pedidos.?
As necessidades, cabe ressaltar, vão longe. Na suíte presidencial do Hyatt paulistano, o hóspede pode decidir oferecer um jantar a convidados. O mordomo coordena uma equipe de garçons ? um para cada convidado ? que serve a refeição em cluche de prata, aquela peça arredondada que vai em cima dos pratos. De prontidão 24 horas por dia, os mordomos estão sempre alertas para os caprichos. ?Numa madrugada tivemos que procurar fruta do conde?, diz Juliana Reis, mordomo do Hyatt. ?Tivemos que vasculhar toda a cidade, mas achamos.? Além de cuidar do mundo exterior à suíte, também se responsabilizam, por exemplo, pela preparação do banho, com direito a um menu de vinte sabonetes, escovas, esponjas e toalhas felpudas king size. Nomes como Carly Fiorina, ex-presidente da HP, e o cantor Ricky Martin já usaram o serviço, disponível nas suítes diplomata e presidencial, com diárias de até R$ 10 mil por dia.
Impressionar com pessoas e não com infra-estrutura é uma tendência hoteleira. O Radisson, também em São Paulo, decidiu bagunçar as convenções e pôs mulheres para exercer a função de capitão porteiro, atividade normalmente feita por homens fardados, com luvas brancas e quepe. De cima do salto agulha, com unhas bem feitas e cabelo impecável, as capitãs estão preparadas para o trabalho braçal. Ainda que não seja a intenção ferir o orgulho masculino, elas fazem questão de descarregar o carro e levar as bagagens até a recepção. Já que a ordem é mimar, também fica a cargo delas delicadezas como deixar bilhetes e docinhos ? sempre com a seriedade adequada à função. Elas ainda firmam pactos de fidelidade, conquistando o hóspede pela confiança. ?Muitas vezes tenho que dar uma de cupido, facilitando encontros românticos a pedido do hóspede, sem que a outra parte perceba a intenção?, diz Francine Andrade, a faz-tudo do Radisson. Mas atenção: a mordomia cobra caro. Em alguns hotéis de luxo, manda a educação oferecer gorjetas que podem chegar a US$ 500.
Existem até cursos para desenvolver os profissionais dessa nova atividade. A primeira equipe de mordomos do Sheraton de Porto Alegre (diárias a partir de R$ 389, 30% mais cara que a de apartamentos sem o criado) foi treinada por um profissional, Roberto Otálora, que aprendeu o metiê com valetes do Palácio de Buckingham, em Londres. ?O curso ensina regras de etiqueta, protocolo e cerimonial, como acender corretamente um cigarro, como se vestir e se portar diante de autoridades ou membros da nobreza?, diz Otálora. Na prática, isso significa que não há espaço para mau humor nem má vontade. Os fregueses agradecem.