14/11/2013 - 6:30
DINHEIRO ? Uma das preocupações de Itaipu é a preservação dos cursos de água na Bacia do Rio Paraná. Qual é a função dessa política na estratégia de gestão da empresa?
JORGE SAMEK ? A água é nossa matéria-prima. E como tal devemos cuidar para que esteja sempre em boas condições. Na década de 1970, ainda estudante, assisti a uma palestra de especialistas que alegavam que, em 30 anos, Itaipu não produziria mais energia por conta do assoreamento dos rios. Também falavam na ocorrência de terremotos. As previsões catastróficas não se confirmaram. Trata-se de uma pressão desmedida e que acaba nos colocando como inimigos do meio ambiente.
DINHEIRO ? Mas o sr. não acha que esse sinal de alerta ajudou a empresa a se manter na trilha da sustentabilidade?
SAMEK ? Concordo. Itaipu é um exemplo nessa área. E isso é resultado de um longo aprendizado. Durante sua construção, o Estado do Paraná vivia o ápice da destruição de suas matas e da prática equivocada da produção agrícola e pecuária. Desde que assumi a presidência de Itaipu, venho buscando implantar programas de parcerias envolvendo o poder público e os produtores rurais.
DINHEIRO ? O fato de a empresa pagar royalties aos Estados e municípios facilita o diálogo?
SAMEK ? Pagamos royalties em grande quantidade para 16 municípios, sendo 15 no Paraná e um em Mato Grosso do Sul, além do Estado do Paraná. No total, já foram pagos R$ 4,5 bilhões. E tem de ser desse jeito mesmo. É preciso pagar pelos prejuízos causados a um grupo de pessoas por uma obra que vai beneficiar todo o País. A construção de uma usina hidrelétrica de grande porte é uma operação complexa que mexe com a vida e a história de inúmeras pessoas.
DINHEIRO ? O sr. acredita que essa visão, recheada com um viés social, é que faltou no debate das obras da Usina de Belo Monte e de outras que estão sendo construídas na Amazônia?
SAMEK ? Não posso falar sobre o caso específico dessas obras. O que posso assegurar é que o setor e o governo como um todo têm evoluído na direção correta de forma fantástica. O debate envolve o Movimento dos Atingidos por Barragens, prefeitos e ambientalistas. Um exemplo que sempre gosto de citar é o caso da Usina Hidrelétrica de Salto de Caxias, no Paraná. Todos os reassentados receberam vantagens extraordinárias para deixarem suas propriedades, ganharam casas melhores em um bairro dotado de escolas, infraestrutura produtiva e outras benfeitorias.
DINHEIRO ? Por que esse diálogo não foi visto no caso de Belo Monte, por exemplo?
SAMEK ? Aquele mesmo pessoal que fez previsões catastróficas sobre Itaipu, na década de 1970, continua com o mesmo discurso, em relação a Belo Monte. Até minha neta me cobrou uma posição dizendo que ?o cara que fez Avatar (James Cameron) disse que não precisa construir a usina?. Eu, como engenheiro, não me meto em cinema nem dou palpite nessa área, ao contrário desse cidadão que vem aqui no Brasil falar do que não entende.
Parque eólico em Caetité (BA), parado por falta de linhas de transmissão
DINHEIRO ? Mas as megausinas não representariam um risco ao frágil equilíbrio de diversos ecossistemas?
SAMEK ? Não acredito. Para atendermos os 200 milhões de brasileiros, com todos os reservatórios das usinas hidrelétricas, todos os açudes e barragens para irrigação, ocupamos apenas 0,4% do território brasileiro. Isso mostra que o impacto de uma usina como Itaipu ou Belo Monte pode ser absorvido com tranquilidade em um território do tamanho do brasileiro. Vamos precisar de energia e teremos de lançar mão do que for mais fácil e mais barato.
DINHEIRO ? Mas a hidrelétrica de Balbina, próxima a Manaus, é apontada como um projeto que deixou sequelas na natureza e não gerou a energia esperada. Isso não mostra que atuar na região é mais difícil?
SAMEK ? Eu, pessoalmente, tinha críticas a Balbina e aproveitei a viagem à região para conhecer melhor o projeto. De fato, o reservatório é maior que o de Itaipu, mas é muito raso e metade daquela região já ficava debaixo da água antes mesmo da usina. A água que movimenta as turbinas de Itaipu antes de chegar a Foz do Iguaçu já passou por 16 outras usinas. Essa é a verdadeira energia renovável. O Brasil foi privilegiado pela quantidade de rios. A hidreletricidade é a vocação do Brasil.
DINHEIRO ? O sr. defende a unificação da legislação nessa área para que os bons exemplos virem referência?
SAMEK ? Veja bem, não conheço nem um município sequer onde tenha sido instalada uma usina e no qual a população desaprove o empreendimento. Os benefícios são inúmeros e incluem o aumento da arrecadação, além do acesso à água de melhor qualidade e a possibilidade de dinamização da agricultura por meio da irrigação. O problema maior é durante a construção. Os atingidos não podem ser apenas indenizados pelo valor da terra, pois eles não querem vender. Tem de existir compensações que justifiquem o estorvo criado para eles. Hoje, existem diretrizes do governo federal neste sentido. No passado, não era assim. Não havia diálogo. Uma ex-ministra (Marina Silva, nota da redação) disse, em entrevista, que Tucuruí causaria a remoção de 100 mil pessoas. Isso é conversa fiada, um terrorismo, uma sacanagem contra o Brasil. As remoções serão mínimas e atingirão as pessoas que moram em situação precária, em palafitas, e que receberão casas melhores. Isso causa um estrago imenso, pois passa a ser uma verdade encampada pelos jovens.
DINHEIRO ? Mas não falta um canal efetivo de diálogo?
SAMEK ? Sem dúvida. Mas você já tentou conversar com fanáticos? Eles não aceitam nenhuma argumentação contrária. A Letícia Sabatela (atriz e uma das líderes da campanha contra Belo Monte) é filha de um engenheiro que trabalhou em Itaipu. Ela morou na região e viu
os benefícios da Usina para a população.
O diretor Cameron, durante ato contra Belo Monte
DINHEIRO ? Muitos ecologistas dizem que bastaria trocar as turbinas das usinas existentes por equipamentos melhores para garantir nossa autossuficiência em energia elétrica. O sr. concorda?
SAMEK ? Esse argumento só é válido para empreendimentos menores e que estão defasados tecnologicamente. Do ponto de vista tecnológico, o que se pode fazer é um aproveitamento maior das usinas como a de Tucuruí, onde, entre dezembro e abril, chove o equivalente a dois lagos de Itaipu. Esse potencial poderia ser aproveitado com a instalação de mais uma casa de força. Como o sistema de geração e transmissão é interligado, o adicional de energia seria enviado para outros pontos do País, reduzindo, por exemplo, a necessidade de acionamento de termelétricas, que são mais caras, além de permitir que economizemos água em outros locais.
DINHEIRO ? Essa mesma lógica não poderia ser usada no caso das usinas eólicas e solar, especialmente no Nordeste?
SAMEK ? Sem dúvida. Mas o que ninguém pode fazer é apostar todas as suas fichas em um sistema de grande porte baseado em usinas eólicas. Essas empresas quando nascem já vêm filiadas à CUT, à Força Sindical e a todas as demais centrais sindicais. Se houver greve de vento, vai parar mesmo. O mesmo vale para a opção solar. Elas servem para economizar a água de reservatórios das grandes hidrelétricas. Encaro a modalidade eólica e a solar como opções importantes para substituir as termelétricas. O pessoal da Chesf está planejando a instalação de torres eólicas dentro do lago de Sobradinho, para operar durante a época de seca.
DINHEIRO ? Isso significa que não existe um preconceito das geradoras em relação às usinas eólicas?
SAMEK ? Muito ao contrário. Essa fonte energética é importante para o Brasil. Mas não podemos perder de vista que uma hidrelétrica tem uma vida útil de 200 anos. Veja o caso de Itaipu. Em fevereiro de 2023, terminaremos de pagar a última parcela do empréstimo para sua construção. Hoje, o serviço da dívida equivale a 64% do custo da empresa. Com isso, Itaipu vai continuar por quase 200 anos sendo uma espécie da casa da moeda para o País. As únicas obrigações serão manutenção, operação, pagamento de royalties e modernização da usina. Por conta disso, o governo terá duas opções para usar os US$ 2,4 bilhões que sobrarão no caixa da empresa: ou baixa a tarifa ou utiliza os recursos para financiar projetos em áreas estratégicas como educação, ciência e tecnologia. O melhor seria que o dinheiro não entrasse no caixa único do governo para que não fosse gasto com as bobajadas de sempre. Além disso, quando a energia é muito barata, ela é desperdiçada.
DINHEIRO ? O sr. é um dos grandes incentivadores do veículo elétrico, tendo, inclusive, feito um acordo com a Renault para montar o Twizy. Em um governo que tem olhos para o pré-sal e o etanol, isso não lhe cria embaraços?
SAMEK ? Assim como acontece no campo energético, o Brasil não pode ficar atrasado na questão da mobilidade. Esse mercado cresce a uma velocidade espantosa. A Renault vendeu 120 mil carros elétricos neste ano. Já existem empresas que produzem veículos com autonomia de 500 quilômetros e baterias que duram dez anos. Esse investimento tem relação com o desejo de nosso sócio, o governo do Paraguai, de reduzir as importações de petróleo, o maior gasto de seu balanço de pagamentos.
DINHEIRO ? Mas isso não desvirtua a função de Itaipu?
SAMEK ? Pode estar certo que jamais seremos uma montadora de veículos. Isso não cabe no tratado de construção e gestão da usina. O que estamos fazendo é usar nossa expertise em tecnologia nas áreas de energia e da computação, nas quais somos reconhecidos mundialmente.