10/06/2025 - 10:18
Consulta visava diminuir de 10 para 5 anos tempo necessário para a naturalização de quem mora na Itália. Fracasso do referendo é considerado uma vitória do governo de Meloni, que defendeu o boicote.Um referendo realizado na Itália sobre uma proposta de flexibilização das regras de cidadania e o fortalecimento das leis trabalhistas fracassou nesta segunda-feira (09/06) devido à baixa participação dos eleitores. Apenas pouco mais dos 30% eleitores foram às urnas, muito abaixo dos 50% mais um necessários para tornar o voto vinculativo.
A proposta de referendo, desencadeada por uma campanha popular apoiada pela legenda de centro-esquerda Partido Democrático (PD), visava reduzir o tempo necessário para obter a cidadania italiana. Atualmente, quem deseja solicitar a cidadania italiana por naturalização precisa residir no país por, no mínimo, 10 anos antes de entrar com o processo.
O referendo propôs reduzir esse prazo para a naturalização para cinco anos morando no país, o que beneficiaria cerca de 2,5 milhões de estrangeiros que vivem na Itália e deixaria o país em pé de igualdade com a Alemanha e a França.
Em um país que sofre com um declínio acentuado na taxa de natalidade, alguns economistas acreditam que atrair mais estrangeiros seria vital para impulsionar uma economia em crise. Entidades de direitos humanos fizeram campanha pelo voto a favor da mudança no intuito de promover a integração de trabalhadores migrantes.
Os defensores da proposta afirmaram que as reformas também permitiriam um acesso mais rápido dessa camada da população aos direitos civis e políticos, como o direito ao voto, a elegibilidade para empregos públicos e a liberdade de circulação dentro da União Europeia (UE).
Ao final da apuração, o “sim” à proposta para flexibilizar as regras de cidadania obteve 65,49% dos votos, contra 34,51% para o “não”. Os números finais do comparecimento às urnas foram de 30,59%, o que corresponde a pouco mais de 14 milhões de eleitores.
O referendo incluía ainda quatro outras questões que visavam reverter liberalizações do mercado de trabalho introduzidas há uma década, no intuito de aumentar a proteção aos trabalhadores demitidos e ampliar as regras de responsabilidade por acidentes de trabalho para empresas que dependem de funcionários contratados ou subcontratados.
Vitória de Meloni
O fraco comparecimento às urnas for considerado uma vitória do governo ultradireitista liderado pela premiê Georgia Meloni, que instou os eleitores a boicotarem a votação. A primeira-ministra, cujo partido de ultradireita Irmãos da Itália priorizou o combate à imigração irregular, afirmou ser “absolutamente contra” a proposta. O boicote às urnas foi defendido por vários membros dos partidos que compõem a coalizão de governo.
O resultado é um duro golpe para a coalizão de partidos de oposição de centro-esquerda liderada pelo PD, grupos da sociedade civil e para a Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL), o principal sindicato trabalhista do país, que estiveram por trás da realização do referendo.
Maurizio Landini, secretário-geral da CGIL criticou o baixo comparecimento como um sinal de uma “evidente crise democrática e de participação” na Itália. “Nosso objetivo era atingir o quórum, é claro que não o alcançamos. Hoje não é um dia de vitória”, afirmou. Ele, porém, destacou o fato de que milhões de italianos foram votar e disse que esse era “um número inicial” para continuar lutando por mudanças.
Ativistas e partidos de oposição denunciaram a falta de debate público sobre as questões do referendo e acusaram a coalizão governista de tentar reduzir o interesse em temas sensíveis que afetam diretamente imigrantes e trabalhadores. Em maio, a agência reguladora das comunicações na Itália, a AGCOM, apresentou uma queixa contra a emissora estatal RAI e outras emissoras denunciando a falta de cobertura adequada e equilibrada sobre a votação.
Pesquisas de opinião publicadas em meados de maio mostraram que apenas 46% dos italianos estavam cientes das questões que motivavam o referendo.
Mudanças na lei de cidadania
A Itália endureceu recentemente a lei que concede o direito à cidadania aos descendentes de italianos nascidos no exterior. A medida impacta diretamente os descendentes que moram no Brasil. O objetivo, segundo o governo italiano, é conter a “comercialização” do passaporte italiano e o aumento de solicitações, vindas principalmente da América do Sul – para onde milhões de italianos emigraram nos séculos 19 e 20.
A Itália concede sua nacionalidade seguindo, entre outros, o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue), ou seja, por descendência ou filiação, o que levou muitos estrangeiros, descendentes de antigos emigrantes italianos, a reivindicá-la.
Pelas regras anteriores, qualquer pessoa que conseguisse provar que tinha um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália foi criado, podia solicitar a cidadania. Dessa forma, não havia limite de gerações para solicitar cidadania por sangue.
Mas a nova lei mudou esta orientação ao estipular que os descendentes de italianos nascidos no exterior só receberão a cidadania automática por duas gerações: ou seja, se pelo menos um dos pais ou avós tinha exclusivamente a cidadania italiana no momento do falecimento. Ou seja, não tinha dupla nacionalidade.
Na prática, isso significa que mesmo os italianos natos que adquiriram uma segunda cidadania em vida – como a brasileira – não poderão transmitir o direito à aos seus descendentes.
A exceção se aplica quando o pai ou a mãe do descendente tiver residido legalmente na Itália por, no mínimo, dois anos consecutivos antes do nascimento do filho, mesmo se possuírem dupla cidadania.