Segmento cresce 5% entre 2022 e 2021 e atinge R$ 322 bilhões. Insurtechs contribuem para inovação e lançamento de produtos.

Para Andrea Crisanaz, o italiano que comanda a operação da seguradora Generali no Brasil, as crises, sejam financeiras, ou de saúde, “criam a necessidade de proteção nas pessoas e isso impulsiona também o mercado de seguros”. Isso ajuda a entende o crescimento de 5% do setor no ano passado, com arrecadação de R$ 322 bilhões (2022) contra R$ 306 bilhões (2021), segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). As consequências da pandemia trouxeram um comprensível aumento na contratação dos seguros e também da sinistralidade. Mas parte do impulso desse mercado veio também do avanço da tecnologia. Ganharam espaço as insurtechs, assim como os sandbox regulatórios ­— ambientes em que não há necessidade de obedecer a todos os marcos legais para testar inovações. Isso facilita a criação de um ecossistema para que as startups prosperem e desenvolvam produtos como microsseguros, contratados sem a intermediação de corretores. “Novas tecnologias têm impulsionado o mercado e contribuído para um crescimento constante”, afirmou Crisanaz nesta entrevista.

DINHEIRO – Qual os impactos das insurtechs e do movimento de digitalização do mercado de seguros?
ANDREA CRISANAZ – Somos uma seguradora e a tecnologia faz parte de nossa vida tanto quanto na de cidadãos ou das empresas. A digitalização é parte fundamental de todo negócio. Daqui um tempo a seguradora que não for também uma empresa de tecnologia ficará para trás.

O usuário final já se habitou a essa nova realidade?
Efetivamente os usuários já estão acostumados ao serviço on-line. É mais rápido, oferece atendimento remoto, por chatbots e autosserviço. Isso não significa que o elemento humano vá desaparecer, mas a qualidade e a quantidade dos serviços irão se ampliar infinitamente. Nesse cenário, estamos investindo em tecnologia, tanto em sistemas de atenção a clientes quanto em força de vendas e chatbots. Assim como estamos investindo na utilização de automação e inteligência artificial na parte de sinistros.

Como funciona essa automação e de que forma entra a inteligência artificial?
Utilizamos robôs para fazer RPAs [processo de automação robótica] e para fazer tarefas que são mais simples e repetitivas, deixando para as pessoas os elementos mais decisivos e estratégicos, como a análise de dados, que é muito importante para uma seguradora. Tradicionalmente as empresas do setor analisavam os dados para ver a propensão ao sinistro, a avaliação de riscos, mas agora a análise de dados é muito importante para vislumbrar a propensão de compra dos clientes. Temos feito também algo muito interessante com inteligência artificial para os seguros judiciais junto a um parceiro analisando toda a base de dados referente a um certo tipo de sinistralidade para entender quais são as tendências.

Melhorar a previsibilidade e o risco é importante para as seguradoras, mas a digitalização já traz resultados?
Evidentemente uma seguradora sempre tem que inovar para entender as necessidades dos clientes e tentar antecipá-las. A tecnologia é parte fundamental disso e temos também que acompanhar as inovações que vêm de outros segmentos. Um exemplo é o Pix. Lançamos uma cobertura para correntistas do nosso parceiro Agibank para protegê-los contra transações não autorizadas, incluindo o Pix. Trata-se de uma grande novidade do sistema financeiro e aproveitamos para proteger essa nova tecnologia contra o mau uso. Também temos a parceria com a Systemsat, que é referência em rastreamento veicular. Nela criamos uma nova modalidade de seguro de responsabilidade civil para garantir a indenização de veículos que não foram localizados pelo serviço de rastreamento. É outro exemplo de como as seguradoras e a tecnologia podem andar juntos, identificando as tendências e utilizando as inovações a seu favor.

“Por mais que o novo cliente seja mais digital, há coisas que ainda vão requerer a interação humana, o que nunca vai ser, nem deve ser substituído” (Crédito:Istock)

Como vocês desenvolvem essas inovações? Elas são internas ou terceirizadas?
A gente trabalha muito com parcerias. Varejistas, instituições financeiras, bancos, instituições de telecomunicações e até com insurtechs. Já viramos uma empresa de tecnologia que faz seguros. E estamos investindo ainda mais nessas parcerias. Nos nos próximos três ou quatro anos pretendemos investir algo como R$ 50 milhões a R$ 60 milhões em tecnologia. Mas nossa perspectiva é que, mesmo com os investimentos e a tentativa de prever essas necessidades, sempre haverá exigências novas, tanto pela parte regulatória, quanto pelos clientes.

O que você enxerga como principais diferenças das seguradoras tradicionais para as insurtechs e qual o nível de competitividade entre elas?
A insurtech nasce sim muito mais ágil e digital. Mas não vejo um cenário onde elas tomem conta do mercado. Tanto que muitas trabalham inclusive em parceria com as seguradoras tradicionais, não em modo de competição. Mas nós [empresas tradicionais] não podemos ficar para trás, estamos trabalhando em produtos como aplicativos para celular, junto a parceiros, o que nos ajudará a ter soluções muito mais digitais e que permitam contratações mais rápidas pelos clientes e um atendimento de sinistro em menos tempo.

Mais colaboração que competição?
Sim. Vejo um cenário onde haverá menos competitividade em si e uma maior colaboração das insurtechs com as empresas tradicionais, para oferecer um produto mais completo para os clientes digitais nativos, com toda a qualidade de um seguro como o nosso. A realidade, de um futuro próximo, é que todas as operações de baixa complexidade sejam feitas digitalmente e nisso as insurtechs com certeza estão na frente.

Como você vê o mercado brasileiro de seguros hoje?
Temos muitas seguradoras boas no mercado. Empresas que têm muita força e vejo também que ainda temos muito espaço para crescer. Mas é claro que as insurtechs vão crescer a uma taxa superior á das seguradoras tradicionais. Nós ainda temos muito o que aprender com essas novas empresas e também muito o que ensinar.

Como vocês enxergam os novos modelos trabalhados em sandbox regulatórios e quais vocês pretendem agregar para a Generali?
Agregamos um novo modelo para seguro de automóveis, no ano passado, através de uma aliança com uma das empresas que atua em um desses sandbox regulatórios. O resultado foi um produto baseado em aplicativo e que no futuro pode virar um dispositivo dentro do automóvel. Ele tem como objetivo verificar mais de perto os riscos, como a pessoa dirige e adequar o serviço, preços e planos com base nisso.

“Temos muitas seguradoras boas no mercado. Empresas que têm muita força e vejo também que ainda temos muito espaço para crescer” (Crédito:Istock)

Que outras novidades podem ser incorporadas ao segmento de seguros?
Os fitbits, ou wearables de saúde, no futuro também poderão ser utilizados em seguros de saúde, para também ter uma ideia melhor dos riscos. Temos desenvolvido parcerias com empresas de novas tecnologias não só no Brasil, mas no mundo. Não temos uma sandbox em especial para ficar de olho, mas queremos observar de maneira mais ampla como essas empresas atuam e propor parcerias que conversem com nossos interesses específicos para a Generali.

Vocês têm notado uma mudança de comportamento dos clientes nos últimos anos, observando as novas gerações e as antigas?
O cliente novo gosta de fazer tudo no celular, com agilidade e facilidade, sem a necessidade de resolver algo pessoalmente. Mas há coisas da nossa atividade que ainda vão requerer a presença física das pessoas e interação humana, o que nunca será, nem deve ser substituído.

Que outros hábitos do consumidor a Generali identificou?
O novo consumidor tem muito mais facilidade em mudar e a procurar soluções específicas para seus problemas. A tendência pode vir a ser de mais seguros com canais mais diretos de venda.

O corretor vai perder espaço?
Isso não significa que o corretor não vai ser parte importante desse processo. Por exemplo, na Itália: a Generali implementou na companhia um canal de venda direta já em 1994, uma época na qual a internet ainda não era massiva. Então, através dos agentes de telemarketing, nós ainda vendemos 3 milhões de apólices anualmente. Isso significa que ainda há clientes que preferem essa relação pessoal com a gente.