26/09/2019 - 10:04
Figura do “não” à guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, o ex-presidente Jacques Chirac, que faleceu nesta quinta-feira aos 86 anos, será lembrado como um político fundamental da direita francesa, popular apesar dos reveses judiciais e amante da boa vida.
Chirac foi presidente por 12 anos (o chefe de Estado mais longevo no cargo depois de seu antecessor socialista, François Mitterrand), duas vezes primeiro-ministro, três vezes prefeito de Paris, criador e líder de partido e ministro em diversas oportunidades. Sua morte encerra um capítulo da história da direita francesa e da V República.
Líder dos críticos da invasão americana de 2003 ao Iraque governado por Saddam Hussein, Chirac entra para a história como o presidente que enfrentou os Estados Unidos, mas também como o primeiro ex-chefe de Estado francês com a desonra de uma condenação judicial.
Em 2011 foi condenado por um caso de empregos fantasmas quando prefeito de Paris (1977-95). Chirac não compareceu ao tribunal por motivos de saúde, o que evitou a humilhação de ouvir a sentença diante das câmeras.
Alto, magro, e amante da boa vida, sua popularidade aumentou depois que deixou a presidência, apesar de ter adotado a discrição nos últimos anos de vida, com poucas a breves aparições públicas. Uma pesquisa de abril de 2015 mostrou que os franceses o consideravam o presidente “mais simpático”, muito à frente de Mitterrand e de Charles de Gaulle.
Chirac sabia como falar na ONU e em eventos com multidões, nos quais ele se orgulhava de um suposto recorde de aperto de mãos.
Para seus amigos e inimigos era um político carismático, hábil e versátil. Seu balanço político, no entanto, provoca menos consenso e menos entusiasmo.
Ele foi o político que autorizou os últimos testes nucleares franceses no Pacífico sul, decisão criticada pelas organizações de defesa do meio ambiente.
Chamado de “supermentiroso” por um programa de humor na TV, no qual sua marionete era apresentada algumas vezes em uma banheira repleta de dinheiro roubado, Chirac também foi o presidente que dissolveu a Assembleia Nacional (Câmara Baixa) em 1997, uma decisão que provocou o retorno da esquerda ao poder e rendeu muitas críticas em seu próprio campo conservador.
Nascido em 29 de novembro de 1932 em Paris, filho único de uma família burguesa, Chirac foi simpatizante do comunismo na juventude, que teve como pano de fundo a Guerra Fria nos anos 1950. Assinou o Apelo de Estocolmo pró-URSS contra a bomba atômica. Mas depois passou um ano nos Estados Unidos e se instalou definitivamente na direita.
Ao retornar à França, Chirac concluiu a trajetória clássica de estudos da elite francesa na prestigiosa Escola Nacional de Administração (ENA) e se casou com uma aristocrata, Bernadette Chaudron de Courcel, com quem teve duas filhas, uma delas já falecida.
No fim da década de 1950 cumpriu o serviço militar na Argélia, onde participou nas operações militares contra os independentistas, o que rendeu uma medalha de honra.
Aos 34 anos foi eleito deputado por Corrèze (centro). Em 1967 passou a integrar um dos últimos governos do general De Gaulle. Como secretário do Estado para o Trabalho, negociou com os sindicatos aumentos salariais durante os distúrbios de maio de 1968. A lenda diz que comparecia armado às reuniões com o sindicato CGT.
– Taxa contra a pobreza com Lula –
Em 1974, aos 41 anos, se tornou o primeiro-ministro de seu grande rival na direita, o presidente Valéry Giscard d’Estaing, pró-Europa e liberal, que permitiu pouca margem de manobra para governar. Chirac renunciou ao cargo em agosto de 1976.
Adepto de um “trabalhismo à francesa”, chamava Giscard e seus simpatizantes de “partido do exterior”. Herdeiro autoproclamado do general De Gaulle, Chirac fundou o próprio partido, Reunião Pela República (RPR), venceu a prefeitura de Paris em 1977 e disputou a presidência pela primeira vez em 1981.
Convertido ao liberalismo dos anos Thatcher e Reagan, Jacques Chirac voltou a ser primeiro-ministro em 1986 em um governo de “coabitação” com o presidente socialista François Mitterrand, que o derrotou com grande folga nas eleições de 1988.
Depois de um ano deprimido, Jacques Chirac voltou à batalha política e foi eleito presidente em 1995.
Em 2002 foi reeleito no segundo turno com mais de 80% dos votos, contra o líder da extrema-direita Jean-Marie Le Pen.
Durante seu segundo mandato, Chirac defendeu com o então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva uma taxa sobre as passagens de avião com objetivo de ajudar a combater as doenças em 80 países da África e Ásia. A “taxa Chirac” foi instaurada em 2006.
O fim de sua presidência foi marcado ainda pelo “não” francês ao referendo sobre o projeto de Constituição europeia, em maio de 2005, o que o enfraqueceu politicamente e favoreceu o avanço de um de seus ministros, Nicolas Sarkozy, eleito presidente em 2007 e com que Chirac teve grandes divergências. Tantas que em 2011 anunciou que votaria no candidato socialista François Hollande na disputa para a presidência.
Depois de sofrer um AVC em 2005, sua saúde entrou em declínio com “perda de memória” e “ausências”, o que o afastou a vida pública.