No comando de um escritório de investimentos em Miami, economista alerta que o potencial do Brasil é proporcional aos desafios que se agigantam no horizonte.

Considerado um dos maiores conhecedores da economia latino-americana, o mexicano Jaime Valdivia lidera a criação de um escritório da Galapagos Capital em Miami, na Flórida, dedicado a investimentos na região. À frente das estratégias de expansão de uma gestora brasileira com R$ 5,1 bilhões sob custódia e 9 mil clientes, Valdivia enxerga boas oportunidades para o País no cenário de turbulência global, mas alerta para a necessidade de o governo contribuir com o Banco Central na luta contra a alta generalizada dos preços. “O combate à inflação não é um trabalho unicamente do BC. Precisa ser um trabalho em parceria com o programa fiscal do País”, afirmou o economista à DINHEIRO. “Se o governo federal não atacar os problemas de gastos ostensivos não há o que o Banco Central possa fazer sozinho.”

DINHEIRO — Depois da pandemia, a economia global passou a conviver com guerra, inflação, alta de juros e aumento acentuado dos déficits fiscais em todo o mundo. Tudo isso será pior para a América Latina?
JAIME VALDIVIA — A economia global está numa situação muito desafiadora, enfraquecida por pressões inflacionárias muito enraizadas e em um cenário de desaceleração. Nesse ambiente, a América Latina está em uma posição relativamente favorável porque os bancos centrais agiram de forma antecipada na pandemia e se comportam oportunamente para conter os estragos causados pelo vírus à economia. Os BCs defenderam a região como se faz na guerra.

Isso também ocorreu no Brasil?
Sim. O BC brasileiro percebeu que a inflação estava saindo de controle e deu início a um ciclo de alta, que deve levar a Selic para um nível de 13,75% ao ano até dezembro. Ou seja, o Brasil está perto do final do ciclo, à frente de outros bancos centrais da região, como o do Chile, o da Colômbia e o do México. A questão monetária tem sido conduzida com muita disciplina pelos bancos centrais. Outro fator é o perfil exportador dos países da região. A alta das commodities vai ajudar no ingresso de dólares e na atração de investimentos, fatores que vão contribuir para a queda do dólar. É por isso que, desde o começo do ano, o real está entre as moedas com melhor desempenho frente ao dólar.

O que temos agora é uma inflação de oferta, não de demanda, correto?
No passado, a retomada inflacionária no Brasil foi consequência das preocupações que os analistas de mercado tinham sobre a situação fiscal do País. Entre elas os precatórios, mais gastos com programas sociais e incerteza política. Tudo isso levou o dólar para quase R$ 6. Mas hoje há novos fatores que amplificam as dificuldades. Como o aumento das matérias-primas para exportação, alta dos preços da energia e dos combustíveis. É uma inflação de demanda e de oferta.

“Se o governo não atacar e resolver os problemas dos gastos ostensivos, não tem como o Campos Neto [presidente do BC] resolver a inflação sozinho” (Crédito:Ueslei Marcelino)
Não há outro remédio, com menos efeitos colaterais, do que subir juros e elevar o custo do dinheiro?
O trabalho do Banco Central é estabilizar o barco financeiro. Aumentar as taxas de juros significa evitar que as expectativas de inflação se mantenham muito altas. Se a inflação não caiu ainda, vai cair com juros nesse patamar. Esse é o propósito principal do BC. Com o dólar em queda, o câmbio se tornou um aliado do BC no combate à inflação. Se o Brasil ficasse inerte com a disparada dos preços, as expectativas iriam piorar. Hoje o mercado já olha para preços mais controlados em 2023.

O ciclo de dólar em queda e juros em alta deve durar quanto tempo?
Bastante tempo. Tudo vai depender do ritmo do aperto monetário definido pelo Fed [Federal Reserve, o BC americano], que tende a elevar sua taxa de juro pelo menos a 4% nos próximos anos. Ao final de 2022, os juros americanos devem estar perto de 2,5%. Vai ter que subir porque, com a inflação alta, juros de 2,5% é praticamente neutro.

Então, a Selic no Brasil está longe de ser neutra…
Exatamente. Se o Brasil deixar a taxa básica de juro entre 12% e 14% ao ano, com uma inflação entre 5% e 6%, a taxa real pode ter uma diferença espetacular de 9%. Isso explica muito a fortaleza do real nos últimos meses.

Juro alto por muito tempo pode gerar estagnação ou recessão?
Importante essa questão. Não acredito que temos agora uma resposta, porque a economia global este ano tem uma desaceleração paulatina como consequência de ausência de estímulos fiscais. Mas ver isso não é o trabalho do Banco Central. Ele precisa evitar que a inflação se enraíze. O desafio dos mercados hoje é decifrar o caminho que os bancos centrais do mundo todo vão seguir. E não acho que eles vão criar recessão e mais inflação.

O BC tem errado nos últimos anos?
É difícil julgar, mas tenho observado os bancos centrais pelos últimos dez anos. Na América Latina e nos Estados Unidos, é muito difícil dizer com certeza que cometemos erros no passado, porque as decisões são baseadas em informações do momento. O que posso garantir é que a Selic em 2%, como estava no começo de 2021, é uma taxa muito baixa para uma economia com as características do Brasil. Mas o BC percebeu isso e reagiu rapidamente. Estão reparando o erro e subindo a taxa de retorno a um ritmo bastante rápido.

O erro foi baixar os juros?
Sim. Não só no Brasil, os bancos centrais erraram ao achar que a inflação era um fenômeno temporário, passageiro. O diagnóstico foi incorreto. No México, no Chile, no Brasil e em muitos outros lugares se acreditava que no final de 2021 tudo estaria normalizado. Erraram.

Isso foi pela pandemia?
A pandemia não foi a única culpada. O combate à inflação não é só trabalho dos banco centrais. Precisa ser em parceria com o programa fiscal do País. Se o governo não atacar os problemas de gasto ostensivo não há o que o BC possa fazer sozinho. No Brasil, a desordem fiscal e monetária precisa ser resolvida com reformas administrativa, tributária e fiscal. Lançar medidas aleatórias, baixar impostos em ano de eleição não funciona.

Por onde começar?
O Brasil precisa ter um plano fiscal. Os últimos planos de controle das despesas públicas, como o teto de gastos, estão desacreditados. O próximo governo tem que resgatar o compromisso fiscal. Vai buscar o superávit primário ou não? Hoje não temos ideia de qual é o plano fiscal. Se é que existe algum. Não temos ouvido de nenhum dos possíveis candidatos que o Brasil vai retomar a estabilização fiscal e como o governo pretende ajudar o Banco Central no combate à inflação. À medida que as propostas ficarem mais claras, o trabalho do Banco Central vai ficar muito mais fácil. Agora está muito complicado.

O Banco Central, sob a direção de Roberto Campos Neto, serve a uma agenda eleitoral?
Não dá para afirmar isso. O que está mais do que claro é que nos últimos dois anos os bancos centrais em todo o mundo adotaram posturas de muito estímulo, em um ambiente de pandemia. Alguns podem considerar isso positivo, outros podem associar a propósitos eleitorais. Por enquanto, não há uma definição clara se existe por parte do BC uma reação monetária ou se há alguma contaminação política. O Banco Central precisa ficar longe da disputa eleitoral e concentrar todos os esforços para deixar a inflação mais baixa.

“A pobreza no Brasil e em outros países da América Latina vai aumentar muito, mas um governo não pode só decidir pelo que é popular” (Crédito:Raimundo Pacco/AFP)

E como fica o mundo depois desse maremoto econômico?
Sem nenhuma dúvida a pobreza na América Latina e em outros países do mundo vai aumentar muito. O choque de custos dos últimos meses foi em alimentos, em gás de cozinha e em eletricidade. São elementos muito sensíveis para qualquer população de baixa renda. A inflação consome uma proporção muito maior do orçamento das famílias mais pobres. Isso sem considerar aumento dos gastos com moradia. Por isso, é importante que as autoridades procurem baixar a inflação o mais rapidamente possível.

As políticas de auxílio do governo amortecem o impacto da inflação entre os mais pobres?
Sim, mas as transferências de renda precisam ser mais focalizadas. O governo brasileiro não tem condições de preservar uma política fiscal aceitável com a expansão de gastos sociais. O próximo governo vai ter um desafio muito importante com a inflação ainda elevada, com a economia crescendo pouco e com o aumento da pobreza. O governo não pode decidir só aquilo que considera popular.

Qual a responsabilidade da guerra na Ucrânia nesse cenário?
Há um impacto pontual nos combustíveis e nos alimentos, mas não tem caráter permanente. Ao contrário, pode ser uma chance para o País. Nos próximos cinco anos, só cinco países têm capacidade de aumentar a produção de petróleo: Arábia Saudita, Brasil, Emirados Árabes, Estados Unidos e Rússia. Com a Rússia fora, o Brasil tem que expandir a fatia no mercado global de petróleo. Os preços podem deixar de subir, mas não vão recuar tão cedo.

O Brasil pode tirar mais algum proveito econômico da guerra?
Muitos investidores que colocavam dinheiro na Rússia estão trazendo para o Brasil. Os investidores tendem a procurar um lugar para aplicar seus recursos a juros altos. Nisso, o Brasil é forte. Aqui não há controle de capital e há um Banco Central teoricamente independente. Isso é muito importante. As condições que o Brasil tem hoje são favoráveis.

Mas o agravamento da situação fiscal no Brasil não preocupa os investidores?
Sim, mas neste momento os juros altos compensam. A pergunta é se o próximo governo vai aproveitar essa conjuntura para fazer as reformas que precisam ser feitas.