Os caminhões levaram os últimos contêineres do porto para o depósito da Novartis Consumer Health, em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, na semana passada. O lote veio da cidade de Querétaro, no México, saiu do porto de Altamira, cruzou o oceano por dez dias até o destino. Abertas as portas, estava lá a preciosa e delicada carga de potinhos com papas, sopinhas e sucos para bebês. A operação foi o começo do desembarque no País da multinacional Gerber, controlada pelo laboratório Novartis. A rota terá tráfego permanente. A líder de produtos de nutrição infantil dos Estados Unidos, presente em 72 países e com faturamento de US$ 1 bilhão, inaugurou há poucas semanas a divisão Brasil em sua fábrica mexicana, uma das seis que possui espalhadas pelo mundo.

 

Agora, quer abocanhar o mercado brasileiro, onde a Nestlé reinava sozinha nas prateleiras dos supermercados até o mês passado. A nutrição infantil movimenta no País R$ 60 milhões anuais, mas o valor deve saltar para R$ 180 milhões no ano que vem e crescer progressivamente nos próximos cinco anos, calcula Armando Dile, diretor-geral da Gerber. ?O potencial deste segmento no Brasil é enorme?, diz Dile. ?O País concentra 28% dos nascimentos de toda a América Latina.?

A guerra pelo paladar infantil está apenas no início. A concorrente Nestlé reagiu imediatamente à presença da Gerber. Nos últimos dias, chegou a tirar seus produtos das prateleiras de supermercados e pontos de venda para remodelar toda a linha: lançou novas opções de embalagem, com quantidades distintas dos potes tradicionais, ampliou a linha de sucos, abrindo o leque de sabores no cardápio do bebê, e reviu a receita de seus cereais para melhor se adaptar ao gosto da garotada. Com toda a movimentação, espera-se para o caso dos potinhos uma guerra semelhante à das fraldas descartáveis, registrada em meados da década de 90. Em 1995, as vendas das fraldas representavam R$ 241 milhões. Quatro anos depois, o montante dos negócios já era de R$ 743 milhões, boom provocado pela entrada de novos fornecedores onde reinava absoluta a Johnson. ?Com a concorrência no setor de alimentos, a divulgação dos produtos e de seus benefícios é maior?, conta Ana Paula Alfredo, gerente de marketing da Gerber. Ela aposta em mudança de comportamento das mamães. ?Os potinhos deixarão de ser um produto de conveniência, adquirido por impulso, para ser um produto incorporado à rotina da dona de casa, por causa de suas qualidades.? Campanha publicitária da Gerber, orçada em R$ 3 milhões, terá início na segunda-feira, 23, com exibição de comerciais na tevê.

 

?A entrada de competidores qualificados em mercados em que atuamos é positiva para o desenvolvimento do setor?, avalia a direção da Nestlé. ?O mercado brasileiro, após a reorganização da economia, apresenta um potencial de crescimento muito intenso.? A Nestlé aposta na sua condição de uma das maiores indústrias alimentícias do mundo para resistir à ofensiva da Gerber. A multinacional suíça, presidida no Brasil por Ricardo Gonçalves, está no segmento de nutrição infantil desde 1971 e tem fábrica em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. É de lá que saem os caminhões com os novos frascos de papas e sopinhas. São duas novas faixas de tamanho (115 gramas e 120 gramas e 170 gramas e 175 gramas), que se juntam às tradicionais. ?O objetivo das novas embalagens é corrigir a percepção das mães de que os potinhos da Gerber, menores, seriam mais baratos?, explica um alto executivo da Nestlé, que preferiu se manter anônimo.

Tropical. A estratégia traçada pelo comando da Gerber é de conquistar de 10% a 15% do mercado brasileiro até o fim deste ano. A empresa tomou o cuidado de tropicalizar papas e sopas vendidas com sucesso nos Estados Unidos. Macarrão e carnes são elaborados com o tempero de cebola em pó e sal para as crianças brasileiras. As sobremesas ganharam o açúcar. Mas o principal trunfo a ser explorado na disputa com a Nestlé é a novidade da Gerber de ter seus produtos oferecidos, em todo o mundo, para três fases distintas do crescimento do bebê. ?Este é o nosso diferencial em relação à concorrência?, avalia Armando Dile. ?Temos produtos em quantidade e textura adequadas a cada fase. Por isso, a concorrência está reformulando as suas embalagens?, garante. A Nestlé preferiu não rebater as declarações do diretor. Mas, nesta disputa acirrada, é lembrado que a Gerber já esteve no Brasil na década de 70, enfrentou dificuldades financeiras e foi embora. Tudo verdade. ?Mas há uma grande diferença: naquela década, a Gerber era uma empresa familiar e hoje faz parte de um grupo fortíssimo?, diz Dile. A Novartis, cujo faturamento anual é de US$ 23 bilhões, comprou a empresa norte-americana em 1997. ?A Gerber volta ao Brasil para fica?”, anuncia. Os números justificam: nascem no País 3,8 milhões de crianças por ano, mas o consumo nacional é de seis potinhos por criança/ano. Muito pequeno. Na Venezuela, onde são registrados 600 mil nascimentos, o consumo é de 16 dúzias de potinhos por criança. Há, pelo visto, muito espaço para crescer. Apenas em um ponto Nestlé e Gerber concordam: antes dos seis meses de idade, o melhor alimento para a criança é o leite materno. Esta é reserva de mercado natural. Inexpugnável.