15/11/2025 - 13:00
Eleito o Melhor Chef do Mundo em 2024 e 2025 pelo The Best Chef Awards, o dinamarquês Rasmus Munk desembarcou no Brasil pela primeira vez ao final de outubro para um esperado evento anual de gastronomia latino-americano, o Mesa São Paulo. Palestrante no encontro, o cozinheiro dinamarquês evidenciou sua postura audaciosa, a qual lhe rendeu o título. Ali anunciou que prepara um evento para 2027, no mínimo, curioso.
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Antes dos detalhes, contudo, vale entender o perfil do chef. Munk fundou o Alchemist, em Copenhague, capital de seu país de origem, um restaurante premiado com duas Estrelas Michelin. O estabelecimento une alta gastronomia à arte contemporânea, e divide cada refeição em até 50 “atos” – ele combina elementos comestíveis a sons, luzes, vídeos e intervenções sensoriais. O objetivo? Criar uma experiência, uma “cozinha holística”, que transforma a comida em arte – e a arte em objeto de debate ambiental e antropológico.
Na lista dos exemplos de irreverência na cozinha, o chef destaca o “Tongue Kiss” — “beijo de língua”, em tradução do inglês —, prato servido em uma peça de silicone que imita a língua humana. “A única maneira de comê-lo é, na verdade, ‘beijando-o de língua’. É um bom quebra-gelo para a maioria dos clientes”, brincou o chef.
“Conheço pessoas que se lembram de uma visita [ao Alchemist] cinco anos depois. Eles ainda se lembram da maioria dos pratos porque talvez tenham sido apresentados de uma maneira inusitada”
Se há dez anos, quando abriu o primeiro Alchemist, ou pouco mais, o melhor chef do mundo se inspirava em texturas e produtos sazonais para executar sua cozinha, atualmente, o ponto de partida é outro. Entram elementos de debate como o plástico no oceano e a doação de órgãos e sangue, que se tornaram inspirações para a criação dos pratos do Alchemist.
O chef costuma ser questionado sobre as escolhas. “Críticos perguntam: ‘Por que precisamos ter todas essas narrativas? Por que precisamos comunicar sobre coisas como plástico nos oceanos e a fome no mundo? Por que um chef deveria fazer isso? Por que um restaurante deveria fazer isso? Mas eu acho interessante, quando olhamos para o mundo da arte, [e] em todos os outros campos artísticos, é bastante normal esperarmos que o artista tenha uma ideia, uma narrativa, algo que ressoe com o espectador. E, neste caso, o cliente é o espectador no restaurante”, pontuou Rasmus Munk, durante a palestra que fez em São Paulo por ocasião do Mesa.
Neste caso, diante de um dos temas em debate (o volume de plástico nos oceanos), o espectador chega a provar um pouco do que o peixe prova – mas no caso do humano da vez, em versão comestível, claro.

A vanguarda culinária sustentável do chef inclui pratos como o “bacalhau com microplásticos”, criado após a divulgação de relatórios que apontam grandes quantidades de contaminação por microplásticos no estômago de peixes pescados no norte da Europa. A criação leva mandíbula de bacalhau grelhada com tutano defumado e ‘plástico comestível’ feito da pele do peixe que dá nome ao prato.
Há, ainda, o “Eight Layers of Life” (“oito camadas de vida”, em português), com sabores como folhas de cerejeira, azeitonas pretas e sal marinho. O prato contém sangue de veado fermentado e simboliza que um doador de órgãos pode salvar, potencialmente, oito vidas.
O interesse de Rasmus Munk por ultrapassar fronteiras físicas e conceituais levou o Alchemist a mirar o espaço. Para 2027, o chef planeja uma experiência gastronômica na estratosfera: uma viagem em uma cápsula pressurizada elevada por um balão de hidrogênio, com duração de seis horas. A espaçonave ascenderá a cerca de 30 quilômetros acima do nível do mar.
Os itens do cardápio serão preparados, em sua maioria, na cozinha do navio de onde a espaçonave decolará. O jantar custará US$ 495 mil, ou cerca de R$ 2,6 milhões na cotação atual, e terá lucro direcionado ao Space Prize, uma instituição que incentiva jovens mulheres a seguirem carreiras no setor aeropespacial.
A pesquisa gerada pela iniciativa já inspira soluções aplicadas na Terra. Um exemplo é o “Space Bread” (“pão do espaço”), desenvolvido a partir de um molho de soja aerado e liofilizado, cuja textura crocante se desfaz na boca. Criada para superar as restrições da alimentação em gravidade zero, a tecnologia já foi usada num hospital infantil em Copenhague, onde crianças em tratamento de câncer, com feridas na garganta, puderam sentir a crocância sem desconforto.
Os cozinheiros cientistas
As iniciativas ligadas à sustentabilidade de Munk se expandem para além da cozinha do Alchemist: no SCORA, centro de inovação fundado pelo chef, cientistas e cozinheiros trabalham juntos em soluções que unem tecnologia e natureza. As criações incluem proteínas feitas a partir de dióxido de carbono (CO2), chocolates elaborados com grãos de cervejaria e pratos que repensam o uso de resíduos alimentares.
Já em um outro projeto, o Junk Food, o dinamarquês distribui milhares de refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade em seu país de origem, além de desenvolver ações em hospitais infantis.
Comunicação pela comida: a trajetória do chef
Nascido em 1991 em Randers, na Dinamarca, Rasmus Munk começou a carreira na gastronomia aos 22 anos. Após concluir os estudos e passar por diferentes cozinhas, assumiu o comando do restaurante TreeTop, na cidade portuária dinamarquesa Vejle, onde iniciou uma pesquisa sobre comida como forma de comunicação — processo que mais tarde se tornaria a essência de seu trabalho. Em 2015, Munk abriu o primeiro Alchemist, que ficou conhecido por adotar uma abordagem experimental no serviço e na gastronomia. Dois anos depois, interrompeu as atividades para repensar o conceito da casa e inaugurou a nova versão do restaurante em 2019, trazendo uma imersão artística e científica à experiência gastronômica.
