Nos últimos 20 anos, o Banco do Japão (BOJ) apresentou uma série de medidas não convencionais de política monetária para combater a deflação prolongada do país. Isso inclui a política de taxa de juros zero em 1999, a política de flexibilização quantitativa (QE) em 2001, a política de expansão monetária quantitativa e qualitativa (QQE) em 2013 que dobrou a base monetária e a política de taxa de juros negativa (NIRP) em 2016. Desde então a autoridade monetária introduziu a meta de inflação de 2%, manteve a expansão quantitativa e qualitativa da moeda (QQE), fixou a taxa de juros básica em -0.1% e introduziu o controle da curva de juros, garantindo que o rendimento do título de dez anos ficasse constante em 0%. O longo período de deflação parece ter ficado no passado.

Não é pouco. O principal problema do Japão desde o final dos anos 90 é a deflação — que ocorre sempre que há uma queda nos preços e faz com que a variação do seu índice se torne negativa. Em termos agregados trata-se de um problema tão grave quanto o da inflação. Isso porque a deflação gera estagnação econômica. De um lado os consumidores postergam consumo, já que amanhã os preços serão menores do que os de hoje. De outro, os produtores adiam a produção de bens e serviços, pois não há demanda e porque os custos tendem a cair com o tempo. A economia fica presa num equilíbrio nefasto. O Japão vivenciou tal situação por mais de 20 anos. Quando da crise financeira de 2008, o então presidente do Fed Ben Bernanke explicou que não havia nada pior do que deflação pois não havia políticas capazes de tirar os países da espiral deflacionária.

De modo análogo à política de ‘quantitative easing’ implementada nos EUA entre 2009 e 2014, o Japão iniciou sua versão do QE (conhecida como ‘Abenomics’ em alusão ao primeiro-ministro da época Shinzu Abe) em final de 2012, que passou a ser chamada flexibilização monetária qualitativa e quantitativa em 2013. A semelhança entre tal política daquela adotada nos EUA, na zona do Euro e na Inglaterra é que em todos os casos a adoção do QE terminou por extinguir a ideia de que a política monetária deixava de ser eficaz quando a taxa básica de juros atingisse zero.

Essas experiências de expansão monetária, via compras massivas de títulos públicos, permitiram a redução das taxas de juros longas. Assim, puderam destravar o crédito e as atividades produtivas. Mas há diferenças entre o Japão e os demais países. A principal é o tamanho de sua política de QQE. De fato, as compras de títulos públicos já levaram a dívida pública do país a atingir 400% do PIB enquanto o balancete do banco central chegou a 100% do PIB. Apenas a título de comparação vale lembrar que igual política nos EUA levou o balancete do Fed a atingir 40% do PIB. Isso mostra que o Japão foi o país que mais gastou com tal estratégia.

A atual política monetária possui duas vertentes. A primeira é a administração da curva de juros, no qual o banco central mantém em torno de 0% as taxas dos títulos de dez anos e a fixação da taxa básica de juros em -0,1%. A segunda vertente é um compromisso de ‘inflation overshooting’, em que o BOJ se compromete a ampliar a base monetária até que a inflação em 12 meses fique acima da meta de 2%. A taxa nominal negativa não funcionou de forma suave como planejado. Houve desintermediação financeira e menores lucros dos bancos. No entanto, com a fixação da taxa básica em -0,1% houve um impacto na estrutura inteira da curva de juros. De uma inclinação horizontal, que denotava a estagnação econômica, a curva passou a mostrar inclinação positiva. Ou seja, a taxa negativa foi fundamental para sinalizar à sociedade que o governo estava promovendo o gasto.

Assim, as expectativas inflacionárias aumentaram e promoveram uma queda na taxa de juros de real. O aumento da confiança dos investidores pode ser medido pelo índice Nikkei225 que aumentou cerca de 28% no ano até hoje. A inflação em 12 meses atingiu 3,3% em junho e a política monetária de expansão quantitativa pode estar próxima ao fim e a caminho da normalização. Os anos da expansão quantitativa também levaram a uma desvalorização grande do iene. Isso estimulou as exportações e melhorou a posição em conta corrente, hoje superavitária em 1,9% do PIB. A expectativa é crescer 1,5% este ano e 2% em 2024. Não há dúvidas de que o final da deflação é fator decisivo para esse conjunto de mudanças positivas na economia japonesa.

Vitoria Saddi, PhD em economia pela University of Southern California, é estrategista da SM futures. Atuou como economista-chefe da Roudini Global, do Ctibank, da Queluz Asset e do Salomon Brothers