Recordes de visitantes provocam descontentamento entre população. Um problema é a ignorância e desacato dos costumes locais; o outro é que todos querem ver as mesmas atrações, na mesma época.Para o Japão, 2024 foi um ano de recordes turísticos, e o país antecipa um novo pico. Contudo, enquanto o setor de viagens e o governo comemoram essa bonança pós-pandemia, há descontentamento entre a população local, cuja vida é perturbada pelos montes de turistas concentrando-se nas principais destinações.

Em 2024 o Japão recebeu 36,9 milhões de turistas, 47,1% a mais do que no ano anterior, superando até os 31,9 milhões de 2019, antes que a pandemia de covid-19 interrompesse a euforia do setor.

Agora, nas cidades da “rota dourada” – Tóquio, Kyoto e Osaka –, cresce a ira dos residentes contra os visitantes que, além de superlotar o transporte público, não respeitam os costumes fundamentais à sociedade japonesa: muitos estariam jogando lixo, fumando e bebendo nas ruas, e prejudicando a paz dos bairros residenciais com festas noite adentro em imóveis alugados.

Como contornar a avalanche turística

A mídia japonesa tem destacado uma série de incidentes especialmente chocantes. Como o do turista americano preso por vandalizar o portão de madeira do histórico santuário Meiji Jingu, de Tóquio. Ou a influenciadora chilena que se filmou fazendo flexões no portão torii sagrado de um templo xintoísta. Outro estrangeiro foi flagrado em vídeo chutando um dos famosos cervos da cidade de Nara.

Kyoto, com seus célebres palácios imperiais, templos, santuários e o bairro das gueixas Gion, é um dos principais focos da invasão. “Os problemas são causados sobretudo pela concentração de turistas nas atrações principais, em certas épocas do ano e em certas horas do dia”, explica Toshinori Tsuchihashi, diretor geral de turismo da cidade.

“As concentrações tendem a acontecer durante a temporada das cerejeiras em flor e quando as folhas estão mudando de cor, em agosto, causando congestionamentos nas estradas circundantes e ônibus municipais, assim como problemas de etiqueta.”

Visando “alcançar um equilíbrio harmonioso entre as vidas de cidadãos e turistas”, promovendo maior compreensão e respeito, a municipalidade introduziu o Código de Conduta de Turismo em Kyoto. Criaram-se, ainda, diversas iniciativas paralelas, a fim de distribuir a carga pela cidade.

Ônibus expressos agora transportam os turistas entre os locais mais populares, evitando que superlotem os transportes públicos; novos sites e aplicativos divulgam informações em diversos idiomas.

Aprendendo com outros focos turísticos

Outras cidades japonesas adotaram abordagens em parte controvertidas. A prefeitura de Himeji – onde se localiza o Castelo da Garça Branca, Patrimônio Mundial da Unesco – está considerando encarecer consideravelmente seus ingressos, mas só para turistas estrangeiros.

O analista de marketing turístico Ashley Harvey lembra que diversas cidades pelo mundo estão buscando uma solução para o turismo excessivo, mas que o Japão precisa aprender com outras experiências.

“Estamos vendo excesso de turismo em Londres, Barcelona, Veneza, Kyoto. Isso é um problema há muitos anos, e difícil de resolver, por ser impulsionado pelo mercado. A gente pode empurrar e influenciar segmentos do mercado, para começar a mitigar o problema, mas, fundamentalmente, todo mundo que vai ao Japão quer visitar Tóquio, mesmo que seja a terceira ou quarta vez.”

A meta deveria ser explorar áreas mais rurais, cujos locais turísticos estão implorando por uma fatia da grande torta, e onde os viajantes provavelmente vivenciariam um Japão mais autêntico, sem ter que se acotovelar entres hordas de outros turistas.

“O problema do superturismo em umas poucas cidades é o resultado do superturismo em 90% do resto do mundo”, constata Harvey. “O governo estabeleceu uma meta de 60 milhões de ingressos até o fim da década – uma cifra que disparou os alarmes em alguns meios. O Japão certamente é capaz de abrigar 60 milhões de visitantes por ano – mas não Kyoto sozinha.”

Para além do Monte Fuji e das cerejeiras em flor

Segundo o analista turístico, atuante no país há mais de 15 anos, o setor japonês tem apostado em ícones geográficos e sazonais, das cerejeiras em flor ao Monte Fuji, em vez de incentivar os turistas a explorarem essas mesmas atrações em locais diferentes.

Além disso, o país teria desperdiçado a oportunidade de desenvolver estratégias nesse sentido durante a inatividade forçada pela covid-19. Mas estaria agora percebendo o que é necessário, afirma Harvey.

“Não é um problema que possa ser resolvido com uma coisa, ele exige raciocínio conjunto, envolvendo todas as partes interessadas, para garantir que o Japão lucre o máximo possível com o turismo. Não tenho o menor problema com um imposto turístico, por exemplo, contanto que as verbas arrecadadas revertam para prover uma melhor infraestrutura, treinamento de guias, e assim por diante.”