O empresário Joesley Batista, presidente da holding de investimentos J&F e do conselho de administração da JBS, tinha vontade de ser alguém na vida desde pequeno. Essa ideia fixa estava em sua cabeça durante a adolescência, vivida em Brasília. Tanto que aos 12 anos, ao contrário de muitos garotos de sua idade, ele resolveu se virar. E não foi na pequena casa de carnes de seu pai, José Batista Sobrinho, fundada em Anápolis, interior de Goiás, em 1953, que deu origem ao frigorífico JBS, o maior produtor de proteína animal do mundo. Batista foi à luta usando seus conhecimentos de informática. 

 

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Joesley Batista, presidente da holding de investimento J&F e do conselho

de administração da JBS. Atualmente, suas empresas empregam

mais de 200 mil pessoas ao redor do globo: “Quando comecei

a trabalhar, sabia de cor o nome e os ramais de todos os funcionários”

 

Trabalhou em uma loja de sapatos, de computador, em uma autopeças e em um hotel. Chegou, inclusive, a montar sua própria escola. Aos 16 anos, Zé Mineiro, como é conhecido seu pai, o levou para trabalhar na empresa da família. Foi ser gerente de um frigorífico com 130 fun-cionários. “Quando comecei a trabalhar, sabia de cor o nome e os ramais de todos os funcionários”, afirma Batista. Hoje, aos 41 anos, seria impossível para Batista conhecer e chamar pelo nome todos os seus empregados. Ao lado de seus irmãos, Wesley Batista, presidente do JBS, e José Batista Júnior, que deixou a empresa para seguir carreira política, ele criou um dos maiores grupos empresariais do Brasil, cuja receita deve chegar a R$ 110 bilhões em 2013, de acordo com estimativas do mercado. 

 

São mais de 200 mil funcionários ao redor do globo e presença em mais de dez países. A JBS é a estrela mais reluzente desse rebanho empresarial da família Batista. Mas, nos últimos cinco anos, eles diversificaram os ramos de atuação. Hoje, são donos de empresas nos setores de celulose (Eldorado Brasil), lácteos (Vigor), higiene e beleza (Flora), financeiro (Banco Original), mídia (Canal Rural), confinamento de gado nos Estados Unidos e Austrália (Oklahoma) e criação de gado (Floresta Agropecuária). A construção desse império empresarial se acelerou na última década. Em 2004, a receita líquida da JBS foi de R$ 3,5 bilhões. 

 

Nove anos depois, ela se multiplicou por quase 30 vezes e deve chegar a R$ 100 bilhões, de acordo com estimativas do mercado. Em 2014, a previsão é superar R$ 120 bilhões. Poucas empresas no Brasil conseguiram alcançar a marca centenária em seu faturamento. Além da JBS, apenas Petrobras e Vale chegaram lá. Nenhuma delas na velocidade da companhia da família Batista, que conseguiu essa façanha graças a uma agressiva estratégia de aquisições, financiada em parte com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desde 2005, os Batista adquiriram mais de uma dúzia de empresas ao redor do globo, como o rival Bertin, incorporado em 2009, as americanas Swift, em 2007, e Pilgrim’s Pride, em 2009. 

 

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Prato cheio: Wesley Batista (ao centro) e Joesley (no canto direito) anunciam a compra

da seara, do marfrig, em junho. Com o negócio, a JBS entra para o clube de empresas

que faturam mais de R$ 100 bilhões

 

No total, gastaram algo em torno de US$ 14 bilhões em dinheiro, ações ou assumindo dívidas. Neste ano, foi a vez da Seara, do concorrente Marfrig, em um negócio de quase R$ 6 bilhões, o maior deste ano. Com a transação, a JBS, que já era a maior companhia do mundo no abate de bovinos, consolidou sua liderança global em frangos. De quebra, tornou-se a segunda maior empresa de alimentos processados do Brasil. No varejo, vai brigar com a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão. Por essas razões, Joesley Batista foi eleito o EMPREENDEDOR DO ANO 2013 da revista DINHEIRO. “Seria muita pretensão achar que vamos ameaçar a BRF”, diz Batista. 

 

“Mas nos consideramos capazes de construir uma empresa eficiente, de baixo custo, orientada a resultados e a produzir riqueza.” Ao longo de sua trajetória empresarial, Batista tem comprado empresas com problemas financeiros e as recuperado. Quer saber como ele consegue isso? “Gostamos do simples e adoramos detalhes e gente que gosta de aprender”, afirma Batista. Dito assim, parece até simplório. Engana-se quem pensa dessa forma. Em um setor cujas margens de lucro são baixas – em 2012, a JBS faturou R$ 75,6 bilhões, mas teve ganhos de apenas R$ 718,9 milhões –, as coisas que não parecem importantes são as que fazem diferença. 

 

“Joesley tem grande atenção aos detalhes”, diz Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e presidente do conselho consultivo da J&F. Essa é uma lição que ele aprendeu com o pai. Em 2007, quando o patriarca da família visitou uma fábrica comprada nos Estados Unidos, ficou escandalizado pela forma como os funcionários desossavam as carnes, deixando muitos pedaços grudados ao osso. Não bastasse isso, eles ainda cortavam de forma errada o couro. A preocupação de Zé Mineiro fazia todo sentido: pode sobrar até um quilo de carne em um boi mal desossado. Faça as contas. 

 

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Família batista: (da esq. para a dir.) os irmãos Joesley, Junior e Wesley começaram a trabalhar jovens no frigorífico

de seu pai, José Batista Sobrinho (à dir. na segundo foto). Mas não começaram de baixo. Foram direto

para a linha de frente administrar os negócios

 

Diariamente, a JBS abate 95 mil cabeças. No caso de aves, são 12,5 milhões. Cada grama recuperado pode fazer uma diferença enorme no resultado final. Por esse motivo, focar no detalhe é quase um mantra corporativo para quem trabalha nas empresas da J&F. A integração da Seara é um exemplo dessa obstinação. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra da Seara, em setembro deste ano. A JBS, no entanto, já estava, antes do aval do Cade, montando a equipe, sob o comando de Gilberto Tomazoni, que assumiu a recém-criada JBS Foods. 

 

Pelo menos 20 diretores da BRF foram contratados para a nova operação do clã Batista, que é uma subsidiária integral da JBS. “O resultado da Seara está abaixo da média do setor”, diz Tomazoni. “Neste momento, não estamos focados em ganhar participação de mercado, mas sim em melhorar a rentabilidade.” A missão de Tomazoni, acompanhada de perto pelos irmãos Wesley e Joesley, é reduzir o número de marcas que compõem o portfólio da JBS Foods. Atualmente, são 29. Ao longo de 2014, muitas vão desaparecer. “Muitas delas estão conflitando”, afirma o executivo. Um exemplo são a Seara e a Rezende, que competem pelo mesmo consumidor. 

 

Os processos vão ser todos revistos. As sinergias estimadas são de R$ 1,2 bilhão, em 2014. A maior parte desse ganho virá da área industrial, que deve representar metade dos ganhos. “Nosso principal desafio é executar esse plano”, diz Tomazoni, executivo com mais de 30 anos de experiência na Sadia e com passagem pela Bunge. Tomazoni é um exemplo de como os Batista contratam seus principais executivos. Nada de headhunters ou longos processos de admissão. É o que Batista chama de o jeito simples de fazer as coisas. “Tínhamos um relacionamento de mais de 30 anos”, afirma Tomazoni. 

 

O que importa, na maioria das vezes, é uma conversa franca com o candidato. Foi assim com José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado Celulose. Ele, que foi presidente da Braskem e da ex-ETH (hoje Odebrechet Agroindustrial), ambas da Odebrecht, conhecia Joesley de eventos setoriais e de reuniões com investidores. Foi convidado para conhecer a fábrica de celulose que estava sendo construída em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. “O projeto era ambicioso e me atraiu desde o início”, diz Grubisich. “O Joesley faz as coisas de um jeito diferente, mas obtém resultado.”

 

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O colecionador de frases

 

O empresário Joesley Batista não tem superstição, hobby e não torce para nenhum time de futebol. Leitor voraz de biografias de empresários ou de histórias de empresas, Batista tem, ao menos, uma mania: é um colecionador de frases. Em sua mesa, na sede da J&F, em São Paulo, ele conta com um caderno simples no qual anota ideias e pensamentos “sobre governança e filosofia de vida”, segundo sua própria definição. Até meados de novembro deste ano, havia 345 frases anotadas. A última delas é quase um ensinamento bíblico: “Primeiro dê, depois receba.” Batista anda com papéis em branco no bolso para anotar as suas reflexões – e depois passá-las ao caderno. “Elas só servem para mim”, diz Batista, enquanto folheia o caderno a pedido da DINHEIRO. 

 

À primeira vista, pode-se pensar que se trata de filosofia barata, retirada de livros de gurus de gestão. Na verdade, com uma leitura atenta pode-se entender como funciona a cabeça de Batista e a maneira como ele gosta de conduzir os negócios e se relacionar com seus funcionários. Quer um exemplo? “Não faça coisas para mostrar números. Faça coisas para ganhar dinheiro” é uma delas. Outra anotação indica a forma como as empresas da holding J&F buscam ganhar dinheiro. “O lucro vem da ineficiência do sistema e dos concorrentes.” Simples, não? Na visão de Batista, em mercados muito eficientes, como os Estados Unidos, é difícil ter lucro. “Existem empresas que compram bem, vendem bem, produzem bem e os produtos são bons”, afirma. “Como é que eu vou concorrer com esse sujeito?” 

 

Na hora de contratar as pessoas, Batista segue sua intuição: “Na dúvida, não contrate.” Caso seja admitido, o novo funcionário saberá como o novo chefe lhe dará as broncas. “Elogie em público e corrija em particular”, ensina uma das anotações. Em outras, ele mostra humildade: “Se errar, peça desculpas” e “Nunca minta”. Até a fórmula da felicidade está expressa em seu bloco: “A felicidade é igual à realidade sobre expectativa.” A anotação mais curiosa diz respeito à gestão. Escreveu ele: “Tocar uma empresa é a habilidade de administrar.” A explicação: “Tocar uma empresa é como tocar piano, violão e gaita. Se me derem um violão, não sei tocar. Se derem uma empresa para um músico, ele também não saberá o que fazer.”

 

 

“Desde cedo tinha vontade de ser alguém na vida”

 

O empresário Joesley Batista, presidente da J&F e presidente do conselho de administração da JBS, falou com a DINHEIRO sobre o seu estilo de gestão:

 

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O sr. começou a trabalhar muito cedo. Já tinha desde essa época uma veia empreendedora?

Era muito menino, quando fui programador de computador dos meus 12 aos 16 anos. Trabalhei em uma loja de sapatos, de computador, uma autopeças e um hotel. Depois montei uma escola de computador. Desde cedo tinha vontade de ser alguém na vida. Tinha vontade de me virar. Depois entrei na empresa do meu pai (José Batista Sobrinho) e larguei daquilo. 

 

O que o sr. foi fazer lá?

Todos os filhos começaram muito cedo na empresa. Eu, por exemplo, tinha de 16 a 17 anos. O primeiro emprego foi como gerente de uma fábrica, com 130 funcionários. Oito meses depois, com 17 anos, o meu pai comprou outro frigorífico e fui ser diretor geral do frigorífico. Mas isso foi a história minha e dos meus irmãos, o Wesley (Batista) e o Junior (José Batista Junior). Nós tivemos a oportunidade desde cedo de administrar o negócio. É uma coisa não usual. Normalmente, o sujeito começa como office-boy e carregando papel. Meu pai teve a ousadia e audácia de dar a oportunidade para os filhos de forma a que nós realmente fôssemos responsáveis pelo negócio. Isso faz diferença.

 

O que o sr. aprendeu começando bem cedo administrando um negócio?

Nós aprendemos no serviço e com erros e acertos. Nossa escola foi o dia a dia, foi a necessidade de fazer aquilo dar certo. 

 

Como o sr. e seus irmãos dividem as funções?

Lá no início, o Junior era o mais velho e era o presidente da empresa. Ele sempre teve um viés mais político e conciliador. O Wesley sempre se dedicou aos frigoríficos e à parte operacional. Eu sempre me envolvi com a área financeira. Em termos gerais, sempre fui o sujeito ligado às questões da porta para fora, como os clientes e o mercado. O Wesley ficava da porta para dentro, com os produtores, fazendeiros, as fábricas e o gerenciamento diário.

 

O frigorífico JBS é a empresa mais internacionalizada do Brasil. Quando vocês começaram a comprar empresas lá fora nem inglês sabiam falar direito. Como conseguiram?

Lógico que falar a língua é fundamental para se comunicar. Mas o que importa é ter humildade para perguntar e aprender. Entre dizer que sabe e dizer que não sabe, prefiro dizer que não sei. Isso me ajudou muito. Em frente aos desafios, é preciso ter atitude e reagir. Dentro desse contexto, falar ou não inglês é menos relevante. A realidade é que os princípios fundamentais são todos iguais, independentemente da língua, do país e da cultura: todo cliente gosta de ser bem tratado e de um bom serviço; todo comprador quer um desconto; e todo vendedor quer vender.

 

Mas como era negociar? 

Um princípio importante é que trabalhamos sob demanda. Quando fomos demandados, aprendemos. Não falávamos inglês porque não precisávamos. O dia em que precisou, contratei uma professora e aprendi. Sob demanda e em um ambiente desafiador, o ser humano cresce rapidamente.

 

Quais são as características do estilo de gestão dos Batista?

Começamos de baixo e pequeno. Então, a nossa luta dentro da empresa é a busca pelo simples. Acreditamos também muito em controles. E, como toda empresa, a solução passa por pessoas. Em resumo, gostamos do simples e adoramos detalhes e gente que gosta de aprender. Como é que um sujeito que não estudou administra uma empresa desse tamanho? A fórmula não é complicada. É só ter humildade de perguntar e de dizer que não sabe. E de fazer a pergunta, por mais estúpida que pareça ser. Se você não está entendendo, pergunta. É curioso como as pessoas têm vontade de ensinar. 

 

O que é ser simples para você? 

Se você quer saber como está o mercado, um jeito complicado é contratar uma pesquisa. O simples é pegar o carro e visitar o supermercado. O jeito simples é ir na fonte. Para montar uma equipe, tem uma forma complicada, que é criar longos processos de admissão. O simples é entrevistar as pessoas. Não tenho nada contra pesquisas e headhunters, mas procuro não terceirizar uma função que é minha.

 

O sr. falou em controles. Quais os mais importantes?

O nosso primeiro controle é o caixa. Administramos a empresa pela contabilidade. Parece óbvio, mas não é. Conheço pessoas que criam 200 controles e, quando perguntamos qual é o caixa, eles não sabem responder. No final do dia, o que interessa é o caixa. Às vezes, é até engraçado. Compramos muitas empresas e são apresentações sem fim. Só tenho vontade de ver a contabilidade. Aquilo fala muito mais do que todos os outros slides.

 

Por que a JBS comprou a Seara?

Começamos a investir no frango e nos suínos nos Estados Unidos, o que nos deu uma complementaridade. A Seara foi uma oportunidade de se fazer o mesmo no Brasil. 

 

A BRF ganha um concorrente de peso com a Seara nas mãos da JBS?

Francamente, não pensamos assim. Mas o fato é que nos tornamos a segunda maior operadora no ramo de frangos e suínos do Brasil. Estamos chegando agora. Seria muita pretensão achar que vamos ameaçar a BRF. Mas nos consideramos capazes de construir uma empresa eficiente e de baixo custo, orientada a resultados e a produzir riqueza. 

 

Qual o modelo da J&F: comprar empresas com dificuldades financeiras, recuperá-las e depois vendê-las?

É isso mesmo, menos a parte de vender. O que temos feito, ao longo dos anos, é comprar empresas nas quais acreditamos que somos capazes de produzir melhores resultados através da melhoria do gerenciamento, dos controles, dos processos e do fortalecimento da equipe. 

 

O sr. tem planos de abrir o capital da J&F?

Quero abrir o capital, mas não sei quando. Achei que podia ser em 2014. Mas será um ano político. Talvez seja mais para 2015 e 2016. Ela vai abrir capital quando o mercado reconhecer o valor dela como um eficiente veículo de investir no agronegócio brasileiro e na internacionalização da proteína. 

 

O sr. quer ser o Warren Buffett brasileiro?

O que eu disse certa vez é que quero construir a J&F como uma empresa de investimentos que não existe no Brasil. Mas há algumas nos EUA, como a do Warren Buffett. Eu não quero ser o Warren Buffet. Não o conheço. Acho que ele é um cara legal, mas não quero ser ele. Ele tem 80 anos e eu estou com 41. Talvez ele queira ser eu. Queria, na verdade, ter o conhecimento dele, com a minha idade.

 

O que o sr. faz nas horas vagas?

Eu trabalho. Mas acho que não dá trabalho. No final do expediente, as pessoas perguntam se estou cansado. Digo que não, pois trabalhei o dia inteiro. Estaria cansado se tivesse jogado uma partida de futebol.