17/06/2011 - 21:00
Nelson Rodrigues escreveu certa vez, ao assistir a seu amado Fluminense perder para o Botafogo de Mané Garrincha, que tudo parava quando o camisa 7 entrava em campo. Na quarta-feira 15, a Câmara dos Deputados teve seu dia de Garrincha e driblou várias vezes a Lei de Licitações para garantir que as obras para a Copa e para a Olimpíada não se atrasem. O poderoso ataque do governo rompeu a zaga da oposição e aprovou a Medida Provisória (MP) 527, que cria o Regime Diferenciado de Contrata-ções, válido teoricamente só para esses eventos.
As mudanças representam um jogo perigoso nas contas públicas. Elas dispensam vários dos requisitos formais e legais da Lei de Licitações – como a necessidade de divulgar e aprovar um projeto básico da obra antes de sua contratação – que garantem o bom uso do dinheiro público. Além disso, a decisão garante que preços e custos serão mantidos em sigilo. Os números serão enviados aos organismos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União (TCU), só quando o governo quiser.
Mesmo assim, o TCU será proibido de divulgar essas informações à sociedade. Assim, obras como a do estádio Itaquerão, do Corinthians, projetado para ser construído na zona leste da capital paulista, poderão ser consideradas prioritárias e dispensadas da fiscalização da torcida.
A jogada dos nobres deputados permite que os gastos cresçam sem medo de contra-ataque. O regime especial inclui critérios subjetivos como “eficiência” e “retorno econômico” nas decisões. Em maio, o Ministério Público Federal trilou o apito e divulgou uma nota informando que as cláusulas eram “intoleravelmente abertas” e violavam princípios da Constituição, como o da moralidade administrativa.
Vale lembrar que o histórico financeiro dos eventos esportivos no Brasil está longe da primeira divisão. Em 2007, o Rio de Janeiro hospedou os Jogos Paname-ricanos. A princípio, os gastos do governo foram estimados em R$ 390 milhões. O relatório final do TCU, divulgado em setembro de 2008, mostrou que essa cifra foi inflada em quase dez vezes, para R$ 3,3 bilhões. Orlando Silva, que a já ocupava o ministério do Esporte, disse que os gastos eram necessários, pois o nome do Brasil estava em jogo.
Na semana passada, o deputado Cândido Vacarez-za (PT-SP), líder do governo na Câmara, defendeu a decisão para garantir que as obras fiquem prontas a tempo. “Pior seria não ter Copa”, disse Vacarezza, candidamente. A mudança representa um gol contra em um jogo que o Brasil vem perdendo de virada, o controle dos gastos públicos. Uma política de contenção pode não contar com o aplauso imediato da torcida, mas deve ser poupada do antijogo do Congresso.
Apesar de o superávit primário – que inclui os gastos do governo federal sem considerar os juros da dívida – permanecer acima das metas previstas para o ano até maio, o resultado vem piorando mês a mês. Apesar da criatividade nos dribles e da elegância nas fintas contábeis do Ministério da Fazenda, o resultado do jogo não muda: quando o governo gasta muito, a inflação sobe e obriga a zaga do Banco Central a partir para o ataque, elevando os juros.