Com raras exceções, a joalheria não se rende às ondas da modernidade, que eventualmente chacoalham o universo do design de objetos. O mundo da ourivesaria, em geral, representa um mercado mais conservador, mais clássico. No entanto, uma ideia que surgiu no início dos anos 2000, em Copenhague, a capital da Dinamarca, com a grife Pandora, vem se infiltrando em joalherias brasileiras e no crescente mercado da joia sob medida, a chamada “jewel couture”. É o conceito da peça reversível, que se monta ou desmonta conforme a ocasião.

A Pandora lançou a linha de “charms” colecionáveis, que são pingentes em ouro ou prata, decorados com pedras preciosas, como diamantes, rubis e safiras. “O sucesso foi imediato, tanto que já existem marcas que se espelham em nosso conceito”, afirma Daniel Besadón, CEO da empresa para a América Latina. “Viramos tendência.” No Brasil, a tradicional joalheria Natan e a Cocoon são grifes que também acreditam no conceito. Atualmente, a Pandora fatura cerca de US$ 1,3 bilhão, vendendo, em cerca de 55 países, seus charms dedicados ao Dias das Mães, Dia dos Namorados e Natal, produzidas em cinco fábricas na Tailândia. 

 

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Besadón, CEO para a América Latina da Pandora: ”Nosso conceito de pingentes reversíveis virou tendência mundial”

 

Apesar desses números encorpados para o exclusivo mercado de joia, a ideia trabalhada pela Pandora é a da peça sob medida. “A consumidora chega a uma loja nossa e monta o seu brinco ou a sua pulseira com as peças que apresentamos a ela”, diz Besadón. “Isso significa que terá uma peça única que ela mesma inventou.” Cada bracelete com fio de ouro da joalheria dinamarquesa pode custar até R$ 40 mil (vai variar de acordo com o número e o tipo de charms escolhidos pela consumidora).  

 

Segundo o executivo, todas as peças são feitas manualmente. “Cada charm é produzido em 20 passos”, diz Besadón, espanhol nascido em Madri. Ou seja, o princípio básico do artesanato da joia é mantido pela Pandora. No Brasil, a empresa conta com quatro lojas  próprias (três em São Paulo e uma no Rio de Janeiro) e, até o fim do semestre, abrirá unidades em Curitiba e em Brasília.  

 

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Brincando de ourives: passo a passo (da esq. para a dir.), uma pulseira com peças da Pandora vai se configurando.

A consumidora tem a sensação de ser a designer da joia

 

A ideia de manufaturar uma joia, a partir da necessidade da consumidora ou da ocasião na qual o objeto será usado, também tem sido usada por algumas designers brasileiras, como a capixaba Emar Batalha. “Quase todos os meus brincos são flex e se transformam em peças com mais ou menos elementos”, diz Emar. Ela explica que, em todas as suas coleções, suas pulseiras podem virar colares e, seus braceletes flexíveis, adornos para cabelo. 

 

Para Emar, a joia reversível é extremamente prática e, por isso, as mulheres têm se rendido a essa nova modalidade da ourivesaria. Isso porque muitas clientes, quando viajam, não querem levar várias joias, seja por comodidade, seja por segurança. “Levam na mala um brinco e vários apliques para ele”, afirma ela, que confecciona peças em ouro, diamante e pedras preciosas e semipreciosas. “Assim podem brilhar cada dia com uma peça diferente.”

 

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Tradição que se rende à inovação: brinco da grife carioca Natan, em prata e diamante brown.

“Temos investido em joias reversíveis em toda coleção”, afirma Roberta Limmer, diretora comercial da joalheria  

 

Outra adepta da tendência, a grife paulistana Cocoon nasceu há nove meses como um resgate do conceito do jewel couture, muito comum antigamente, com os joalheiros das casas reais e das cortes. A boa demanda por joias reversíveis fez com que incluísse essa modalidade em seu portfólio. As peças podem custar entre R$ 5 mil e R$ 50 mil e são feitas a partir do briefing das clientes. “Atendemos uma noiva que queria um brinco com um pingente de pérola, um material tradicional para a ocasião. Mas que fosse removível, para que ela pudesse usá-lo em outro momento”, conta Andréa Colli, uma das sócias e designers da Cocoon. 

 

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Brinco 3 em 1: peças da capixaba Emar Batalha, em ouro e diamante, se juntam para formar,

a cada vez, um brinco diferente. Total (com as três peças) R$ 17,8 mil

 

Esse “outro momento”, explica a designer, pode ser um coquetel, uma festa mais informal ou mesmo uma balada numa casa noturna da moda. Sua grife  recentemente produziu um brinco com um pingente solitário de diamante, que podia ser sacado e trocado por um pingente de ônix. “Mesmo esse novo pingente foi feito em dupla face. Quer dizer, usamos uma lapidação de um lado, que chamamos de cabochão, totalmente lisa, e outra facetada, mais sofisticada”, afirma Andréa. Dessa maneira, a cliente ficou com três opções para usar uma mesma peça. 

 

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Luxo versátil: criação da paulistana Cocoon, em ouro, diamante e esmeralda, que pode ser usada de duas maneiras (R$ 44,7 mil)

 

Nomes mais tradicionais da joalheria brasileira também resolveram aderir ao conceito de peças reversíveis. Roberta Limmer, diretora comercial da rede carioca Natan, que há cerca de 60 anos produz peças em metais e pedras preciosas, afirma que 15% do faturamento da empresa vem de pedidos de joias sob medida. “E muitas clientes buscam peças reversíveis, que se transformam em outras mais discretas ou mais exuberantes”, diz Roberta. A cada coleção, a grife produz peças que tenham essa particularidade. É o caso do brinco Bromélia, em prata (o material, nobre na Europa, principalmente nos países latinos, ocupa um lugar de destaque no mercado de joias reversíveis), que leva um diamante brown no centro e é adornado por uma cascata, removível.