Praticante de tênis e apaixonado por futebol (em especial pelo Corinthians), lutou pelo desenvolvimento dos dois esportes. Na área cultural, emprestou seu prestígio para iniciativas como reavivar o Teatro Municipal de São Paulo. Era também um dos únicos empresários a transitar livremente por entidades com filosofias díspares como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Dos bastidores, chegou a influenciar governos por pelo menos 30 anos com suas idéias. Todas essas eram facetas do eclético José Ermírio de Moraes Filho. Sua mais importante e indelével marca, porém, foi a trajetória cumprida como empresário. O filho mais velho do ex-senador pernambucano José Ermírio de Moraes ? fundador no começo do século passado da Votorantim ? ajudou a transformar o grupo num dos maiores e mais tradicionais conglomerados privados do Brasil. No dia 12 de setembro, às 13h15, falhou o coração do homem acostumado às emoções do esporte, da ópera, dos embates políticos e dos negócios. Em decorrência de um câncer na garganta que o abatia há mais de dois anos, José Ermírio não resistiu. Uma falência múltipla de órgãos o tirou de cena aos 74 anos.

O paulista e engenheiro metalúrgico formado pela Colorado School of Mines ocupava desde 1993 a presidência do conselho de administração. Nos 20 anos anteriores, como presidente do grupo, deu continuidade à obra iniciada pelo pai, gerindo os negócios e a família com destreza incomum. Reservado, era considerado por membros da família como a alma da Votorantim, enquanto o irmão Antonio Ermírio de Moraes dava ao mercado o rosto da empresa. Juntos, a levaram à posição invejável de uma das maiores companhias privadas do mundo. Estendendo-se por áreas diversas como cimento, mineração, siderurgia, energia, agronegócios (suco de laranja), financeira e celulose e papel, faturou no ano passado R$ 7,6 bilhões. ?Era um campeão da indústria nacional e a prova viva de que o empresário brasileiro tem competência e dinamismo para construir grandes grupos industriais?, elogiou o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva. No ambiente familiar, José Ermírio apresentava a mesma habilidade. Não deve ter sido fácil. O clã, encabeçado pelos quatro irmãos ? além dele e Antonio, Ermírio Pereira de Moraes e Maria Helena de Moraes Scripilliti (representada na empresa pelo marido Clóvis Scripilliti) ?, é numeroso: são mais de 20 herdeiros. Para evitar os conflitos naturais numa eventual disputa pela sucessão, a família sempre primou pela discrição. Os mais jovens fazem raras aparições em eventos sociais, abominam gestos de ostentação de riqueza e seguem a mesma disciplina rigorosa de trabalho dos pais.

Apesar do golpe da doença, José Ermírio cumpria rigorosamente sua rotina na empresa. Descrito por amigos como um trabalhador compulsivo, chegava ao escritório às 8 horas e só saía de lá depois das 19 horas. O ritmo começou a ser reduzido em 2001, quando o corpo deu sinais de cansaço. Mesmo nas crises mais graves, fez questão de permanecer no Brasil e receber cuidados médicos em São Paulo. Presidente durante 12 anos da Fundação Antonio Prudente, ligada ao Hospital do Câncer, confidenciou a amigos que ?poderia muito bem se tratar no Brasil?. Recusou-se a viajar aos Estados Unidos sequer para uma eventual consulta. Embora debilitado, o empresário conseguiu concluir o processo de sucessão da Votorantim. Desde o início da década de 90, ele e os irmãos vinham estudando a melhor forma de realizar a transição no comando. Há três semanas, a reestruturação foi formalmente anunciada. Com o novo modelo, criou-se uma nova holding, a Hejoassu, que abriga os principais herdeiros da Votorantim (hoje, os três irmãos Ermírio de Moraes). Dois outros conselhos foram instituídos. O primeiro, de gestão, composto por dois representantes de cada ramo familiar e dirigido por Carlos Ermírio de Moraes (filho de Antonio), debate as questões estratégicas. O outro é formado por 13 membros da família e se volta à discussão das questões familiares. A gestão da companhia está sendo executada a partir de três grupos principais de negócios: o de cimento, papel, celulose e metais; o de novos negócios e o de vanguarda. Dois filhos de José Ermírio participam das diretorias da empresa. A eles o empresário confiou a missão de ajudar a triplicar a Votorantim em dez anos e fortalecer a sua internacionalização.