A transformação digital colocou o ato da compra na palma da mão do consumidor: com um celular, a compra é feita de um lado para o outro do planeta. Para José Isaac Peres, fundador e presidente de um dos maiores grupos de shopping centers do País, o Multiplan, porém, mesmo com todo o avanço tecnológico, o shopping não vai acabar. “Faltam nos aplicativos a energia que existe nas lojas físicas”, afirma. Segundo ele, compra é impulso e emoção, algo que depende do contato entre as pessoas.

Há 45 anos no comando do grupo que reúne 19 shoppings espalhados pelo País, cujas vendas somaram R$ 15,5 bilhões no ano passado, Peres compara os shoppings às velhas praças e boulevards, nos quais as pessoas iam para ver e serem vistas. O contato humano, diz, é o grande diferencial do varejo. E o maior espetáculo dos shoppings são as pessoas, não as lojas.

Mesmo assim, o grupo está investindo numa plataforma digital que reúne um aplicativo de compras e um serviço de entregas em domicílio das vendas online para os shoppings da rede. Nesse projeto, ainda em fase de teste no maior empreendimento do grupo, o BarraShopping, no Rio, já foram investidos mais de R$ 100 milhões. Os resultados, porém, ainda são tímidos, e concentrados em alimentação.

A justificativa do empresário para bancar a aposta digital é facilitar a vida do consumidor, que terá mais informações sobre os produtos e mais opções de compra. Para os lojistas, diz ele, a plataforma digital pode ampliar as vendas.

Peres afirma não perder o sono por causa do avanço digital e que, pessoalmente, não é dependente de tecnologia. “Acabei de comprar um telefone Motorola que só fala, porque tenho saudade do tempo que eu podia falar”, diz.

Quanto à investida da Amazon, a gigante online que anunciou recentemente frete grátis para os assinantes do serviço Prime, o empresário é taxativo. “A Amazon é um gigante de papel. É uma empresa que vale US$ 1 trilhão e tem um lucro inferior a 1% do capital. Isso vai até quando?” A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a transformação digital no varejo?

Não vivemos no mundo digital, mas no mundo real. O mundo real é o mundo das pessoas, das coisas. Quando a tecnologia começou avançar, havia uma questão polêmica: ela acabaria com o comércio tradicional? Começamos a investir em tecnologia por outras razões. Na minha visão, as pessoas vão ao shopping porque precisam de contato. Os shoppings, na verdade, substituem os antigos boulevards e praças. A insegurança também foi outro fator. As famílias procuram mais segurança no shopping.

Por que, então, o grupo começou a investir em tecnologia nos shoppings?

O mundo digital é um facilitador de decisões. Leva a informação e te permite tomar uma decisão. Pode ser uma alavanca para os lojistas venderem mais. Nesse sentido, há cinco anos estamos trabalhando em uma plataforma digital para dar ao lojista um novo canal de distribuição. Essa plataforma digital vai dar ao consumidor o poder de escolha. Ou seja: se o cliente quer uma bolsa preta, essa plataforma vai te dar as bolsas que têm nas lojas dos nossos shoppings e os preços. Isso facilita a escolha e economiza tempo.

Mas não existe um certo conflito?

Sim, porque a compra é uma fonte de prazer. As pessoas gostam de ver o produto que compram, de experimentar. A compra no mundo digital é muito sem emoção. O comércio sempre foi uma grande fonte de emoção. Tanto é que as pessoas viajam para os principais centros, como Nova York, Paris, Londres, e vão às compras. Se as pessoas que viajam não pudessem comprar nada, metade não viajaria. É da natureza do ser humano e não fui eu quem disse isso, foi Aristóteles, três mil anos atrás: o homem é essencialmente um animal gregário. Mas as pessoas têm a ilusão de que, com o celular, elas têm 150 amigos e a sensação de que não estão sozinhas. Mas elas estão em casa sozinhas.

Como o varejo se insere no cenário?

As questões de contato humano predominam no nosso negócio. O shopping é um grande ponto de encontro, é o lugar de a gente ver e ser visto.

A digitalização do varejo acaba com o shopping?

Não, porque você não vai acabar com o homem. O maior espetáculo do shopping são as pessoas, não as lojas. O shopping pode ser fantástico, mas sem pessoas, perde-se o interesse em comprar.

Diante desse novo cenário, como o Grupo Multiplan opera os shoppings?

Nossa estratégia é dar prazer às pessoas. Se você me perguntar se o meu negócio é imobiliário ou é varejo, honestamente hoje não olho só para isso. O principal é que as pessoas venham ao shopping pelo prazer de estar aqui. Sempre coloquei nos meus shoppings diversão para criança, pista de patinação no gelo, cinema, centros médicos, etc. Nos nossos shoppings, sempre o varejo respondeu por 45% das operações e o entretenimento por 55%. Quase 50 anos atrás, quando comecei no setor, os americanos colocavam o cinema fora do shopping porque diziam que quem vai ao cinema não vai ao shopping. Era tudo muito máquina registradora. Agora, temos notícias de que os Estados Unidos estão copiando a gente. Eles inverteram as posições das participações de entretenimento e varejo.

A digitalização provocou a mudança?

Não, isso já era uma tendência, independentemente da digitalização.

Como está a digitalização dos shoppings do grupo?

Lançamos em agosto um aplicativo com o objetivo de prestar serviço aos nossos clientes, facilitar a vida deles. Eles podem fazer compras nas lojas e receber em casa e consultar outras funcionalidades também. O varejista, por sua vez, aluga uma loja e nós entregamos para ele uma outra loja virtual por meio do nosso aplicativo, que será gratuito. Também compramos uma participação numa empresa de entregas, a Delivery Center. A entrega será feita em até uma hora. Por enquanto, o aplicativo e as entregas estão em fase de teste no BarraShopping (RJ), que é o nosso maior shopping. Operando bem lá, nós vamos replicar rapidamente esse modelo para todos os shoppings. Agora vou falar com toda a franqueza: estamos testando isso, mas as pessoas preferem ir ao shopping, porque o shopping é um programa, é um prazer.

Quanto foi investido no projeto digital?

Muitos milhões, mais de R$ 100 milhões nesse negócio. E continuamos investindo. A cada ano, isso nos custa de R$ 30 milhões a R$ 40 milhões.

A venda digital atrapalha o faturamento do shopping?

Há lojistas que tentam burlar o contrato que têm com o shopping transformando as lojas em ponto de entrega de mercadorias. Ele vende no digital e não quer registrar como uma venda feita no shopping. Algumas lojas usam o shopping como vitrine, fazem a venda fora e não pagam o porcentual sobre vendas. Isso é uma fraude, e evidentemente o lojista pode perder a loja se isso ficar provado.

Como vê o avanço da Amazon?

A Amazon vai avançando porque a capitalização dela parece que é infinita. É uma empresa que vale US$ 1 trilhão e tem um lucro inferior a 1% do capital. Isso vai até quando?

O sr. acha que ela não se sustenta?

Algumas empresas (de tecnologia) sim, como Google e Apple, por exemplo, que são altamente lucrativas. Mas, no caso da Amazon, a relação custo/benefício do investidor hoje é menos de 1%. É um gigante de papel. Um dia as pessoas vão perceber que estão investindo na Amazon, mas lucro ela não dá. Um dia o investidor vai cair na real e perceber que está investindo numa empresa que, quando der lucro, ele pode ter morrido.

O sr. perde o sono por causa do avanço da tecnologia?

Não. Acho que a tecnologia é uma droga. A abstinência do celular hoje cria ansiedade, insegurança, tal qual uma droga faz. Mas essa droga chamada tecnologia ou celular, que é muito boa para determinadas finalidades, cria dependência.

O sr. se vê dependente da tecnologia digital?

Eu acabei de comprar um telefone Motorola que só fala, porque tenho saudade do tempo que eu podia falar. Você pode imaginar quantas mensagens de texto que eu recebo por dia, é uma barbaridade.

O sr. defende modos antigos, quando a tecnologia não predominava?

Não, defendo a tecnologia tremendamente. Quando começou a revolução tecnológica na medicina, sabia que ela daria um salto milenar. Hoje temos experimentos que indicam que já nasceu a criança que vai viver 180 anos. Parece surreal. Dentro de cinco anos, as máquinas 3D farão órgãos com material genético. Esse é o mundo que se propõe a dar mais tempo de vida com qualidade para as pessoas. Porém os humanos não vão deixar de ser humanos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.