19/12/2014 - 20:00
A imagem é para consumo interno. Durante vários dias do mês de novembro passado, quem entrava na sede da Sucocítrico Cutrale, em Araraquara, no interior de São Paulo, pôde ver o registro de um momento raro exposto no monitor de TV da recepção da empresa. Na tela, José Luís Cutrale posava ao lado dos filhos Júnior e José Henrique, tendo como cenário a Nascar Square, na cidade de Charlotte, nos Estados Unidos. Atrás deles, o prédio que sedia a administração da Chiquita Brands, centenária produtora e processadora de bananas e alimentos in natura.
Junto à foto, um lacônico comunicado interno informava que o bilionário grupo comandado pelo trio de brasileiros havia acabado de adquirir a gigante americana. Para o padrão Cutrale, pode-se entender a imagem como um incomum arrobo de exposição de um homem obcecado pela discrição, talvez justificado pela grandeza do fato por trás do clique. A transação, avaliada em US$ 1,3 bilhão, praticamente redefine os negócios da família e fortalece a imagem do chamado rei do suco de laranja como um dos mais tenazes empresários brasileiros.
A estratégia que o levou a uma vitória que muitos consideravam impossível rendeu a José Luís Cutrale o prêmio da DINHEIRO de EMPREENDEDOR DO ANO EM 2014. Foram quase seis meses dedicados a arquitetar a oferta que balançaria as estruturas de outro negócio bilionário. Para adquirir a Chiquita, Cutrale precisou convencer os acionistas do grupo americano a desistir de uma fusão, já em trâmites finais de aprovação, com o irlandês Fyffes, que criaria a maior empresa de bananas do mundo. Contou, nessa operação, com um importante trunfo financeiro: a sociedade com o banqueiro Joseph Safra, que possui uma fortuna estimada de US$ 16 bilhões.
Mais que o poder financeiro, Safra é outro integrante da primeira linha de empresários brasileiros e, assim como Cutrale, um fervoroso adepto do estilo low profile. E investiu no negócio alguns de seus mais valiosos capitais: a paciência, a perseverança, o foco no objetivo e a influência internacional. Em agosto passado, ao fazer a primeira oferta (US$ 13 por ação da Chiquita, prêmio de 29% sobre a cotação da época), Cutrale foi repudiado por um relatório do conselho de administração da empresa americana. Então, já tinha na gaveta o número mágico: 15.
Iniciou ali um processo de convencimento dos acionistas, combinado com novas propostas, um pouco mais elevadas. E usou de seu prestígio internacional para demonstrar que não era um predador, mas um investidor respeitado e com interlocução nas grandes companhias de bebidas do mundo e até na Casa Branca. “Com essas credenciais, muita conversa e o preço certo, era questão de tempo”, revelou à DINHEIRO um executivo que já negociou com os Cutrale. “Quando eles entram em uma negociação como essa, sabem onde querem chegar, o quanto querem pagar e não desistem tão facilmente.”
No fim de outubro passado, o número mágico mostrou-se acertado. Com US$ 15 por ação na mesa, aguardou a decisão da Chiquita de romper com a Fyffes e, dias depois, dar o sim ao bilionário brasileiro. Desde então, estabeleceu-se uma ponte entre Araraquara e Charlotte. Executivos da Cutrale circulam cada vez com mais naturalidade pelos corredores do Chiquita Center, sob a liderança de Júnior, o mais velho dos filhos de José Luís. Morador da Flórida, onde a companhia brasileira já mantém operações, Júnior foi destacado para conhecer a fundo a estrutura da empresa adquirida e esmiuçar as possíveis sinergias entre os dois grupos.
O plano inicial dos Cutrale é transferir para a Chiquita o know how em originação de produtos e aprender com os americanos a fazer marketing junto aos novos mercados que terão de explorar. Com negócios em 90 países e produtores de um em cada três copos de suco de laranja bebidos no mundo, os Cutrale vendem diretamente a indústrias, que engarrafam e levam ao mercado de consumo. As frutas e verduras da Chiquita, in natura, seguem o caminho direto e chegam em 70 países – no ano passado, a receita foi de US$ 3,1 bilhões. Com elas, a Cutrale torna-se menos dependente de um produto que hoje enfrenta grande concorrência em um mercado em queda.
E ganha portfólio para se apresentar como um produtor de alimentos saudáveis, ingressando em um segmento em franca expansão. Outra missão importante de Júnior é dissipar rumores e temores que se alastraram entre os 20 mil funcionários da Chiquita. Logo após o anúncio da venda para os brasileiros, jornais de Charlotte especulavam uma possível transferência da sede para outra cidade, eventualmente para a Flórida. Dias depois, anunciaram aliviados que a administração da companhia seria mantida lá. O Charlotte Business Journal chegou a citar uma fonte ligada à dupla Cutrale-Safra, não identificada, para tranquilizar seus leitores.
“Reconhecemos que entre os pontos fortes da Chiquita está o time altamente talentoso e engajado de Charlotte”, teria dito essa fonte. Parece certo, porém, que haverá enxugamento nas equipes, mas feito com critério e foco nos resultados, como é estilo do grupo brasileiro. José Luís costuma escolher com muito cuidado seus executivos e reconhecer generosamente a eficiência e a produtividade. Outra certeza em relação ao futuro da Chiquita é o fechamento de seu capital. A oferta feita pelos Cutrale foi pública e teve quase 80% de adesão voluntária dos acionistas.
O grupo brasileiro tem em seu DNA a centralização das decisões mais estratégicas no núcleo familiar. José Luís, aos 74 anos, continua dando a última palavra, embora cada vez mais Júnior e José Henrique falem por ele. A transição de poder no grupo tem sido tranquila como a fala do patriarca. Da mesma forma como a manutenção dos valores da família, sobretudo o da discrição. Ao permitir que sua imagem fosse exposta na tela da recepção da companhia, Cutrale parecia saber que, mesmo em tempos de redes sociais tão ativas e vazamentos de privacidade, a foto, diferentemente de seu nome e marca, não sairia dali para ganhar o mundo.
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Leia o Especial “Empreendedores do ano 2014”:
- Quinteto inspirador
- Frederico Curado
- André Esteves
- Artur Grynbaum
- Antonio Carlos Valente