As sobrancelhas arqueadas de José Luiz Gandini, presidente do grupo Kia Motors no Brasil, tornam seu semblante severo, que pode intimidar os desavisados. Seus quase dois metros de altura e os trajes impecáveis reforçam ainda mais um estereótipo sisudo. Ledo engano. Dois minutos de conversa com esse descendente de italianos, que nasceu em 1957 em Itu, no interior paulista, já entrega o sotaque da região, e o sorriso fácil. Na rotina do trabalho, porém, o empresário mantém o ritmo acelerado e a adrenalina em alta. A primeira tarefa de Gandini quando chega ao escritório, por volta das 8 da manhã, é abrir o e-mail do seu diretor de vendas para saber quantos carros da marca foram emplacados no dia anterior, e quantos a concorrência vendeu. Em seguida, delega as tarefas para os seus pares, com o objetivo de manter a folgada liderança da empresa coreana em venda de carros importados no Brasil – a Kia detém mais da metade do mercado entre as marcas que ainda não produzem no País. Serão 80 mil unidades comercializadas em 2011, quase 50% a mais do que no ano passado. “Quero aumentar, cada vez mais, minha participação de mercado”, diz o empresário, eleito Empreendedor do Ano na indústria, pela revista DINHEIRO.

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Neste ano, o desafio é ainda maior, diante do aumento de 30 pontos porcentuais no imposto de importação, que entra em vigor na próxima semana. A medida, anunciada há três meses, fez Gandini bater de frente com o governo federal, no papel de presidente da Associação Brasileira das Importadoras de Veículos (Abeiva). O empresário ganhou projeção nacional ao contestar, em público, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no dia 15 de setembro. Naquele dia, o ministro convocou a imprensa, em Brasília, para anunciar o aumento da alíquota. Gandini, que se encontrava na capital em busca de detalhes sobre o assunto, nem titubeou. Seguiu para o local marcado e sentou-se na área reservada aos jornalistas. Durante a coletiva, ouviu Mantega explicar que o governo ia aumentar a alíquota para os importadores com o objetivo de estimular a produção local de veículos. 

 

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Gandini, com a mulher, Leila Schuster

 

“Era um tiro de canhão para matar pardal”, afirma. Gandini pediu a palavra e perguntou a Mantega: “Ministro, o senhor sabia que os associados da Abeiva só representam 5,9% do mercado?” Não houve conversa. Nem era o lugar adequado. Mas Gandini já havia dado seu recado. Ao final da coletiva, os jornalistas repercutiram sua posição em todo o País. O episódio revela o lado atrevido do ilustre cidadão ituano. Gandini não logrou reverter o aumento do IPI, mas o barulho que promoveu lhe garantiu o apoio de políticos do DEM, que obtiveram na Justiça o adiamento da medida por 90 dias. Assim, os associados da Abeiva ganhavam tempo para se adaptar. Como presidente da Kia, o empresário procurou uma alternativa para não repassar o aumento integral do imposto ao consumidor. Diminuiu despesas de comercialização e negociou com a matriz coreana e os concessionários para que todos reduzissem um pouco a margem de lucro.

 

 Dessa forma, o aumento do preço dos veículos da Kia ficará entre 13% e 18%. A articulação rápida com toda a cadeia é fruto de uma parceria que começou em 1992, quando Gandini apostou na marca pouco conhecida por aqui, que vendia utilitários, como a picape Ceres, ou a van Besta. O relacionamento com a Kia, porém, foi marcado por altos e baixos. Nesse período, Gandini viu a matriz coreana ficar à beira da falência em 1997, ser estatizada em seguida, até ser privatizada, em 1999, quando foi adquirida pela Hyundai. “Com todas as mudanças, nunca me passou pela cabeça desistir”, diz Gandini. Ele não jogou a toalha, mas muitos dos seus concessionários, sim. Os novos donos da Kia mudaram o mix de produtos, o que não agradou as revendas. Saíam os utilitários e entravam carros mais luxuosos.

 

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Gandini defendeu a posição da abeiva em público e ganhou projeção nacional

 

As mudanças foram paulatinas até que a antiga vedete de vendas, a van Besta, deixou de ser produzida, em 2004. Naquele ano, Gandini tentou convencer as revendas a investir em novas instalações para atender a um novo tipo de cliente. Foram dois anos de corpo a corpo com os parceiros. Mas não houve jeito. De 100 concessionárias, apenas 33 ficaram. “Foram os piores anos da Kia no País”, afirma. Quem ficou ao lado do empresário, porém, não se arrepende. “Ele é extremamente correto, além de ter talento nato para as vendas”, diz Jefferson Furstenay, da concessionária Sun Motors, de Porto Alegre. De fato, de lá para cá, as vendas da Kia seguiram em rota ascendente. E a rede voltou a crescer, chegando às atuais 160 revendas. “Se o Gandini quiser vender pipoca  eu vou com ele”, afirma Furstenay. 

 

O lado empreendedor, diz Gandini, está em seu DNA. Seu pai, José Carlos Gandini, aos 14 anos já revelava tino para os negócios. Abandonou os estudos para tocar o posto de gasolina da família, e aprendeu cedo o valor do trabalho. Em pouco tempo, se tornava um dos empresários mais bem-sucedidos de Itu, com revendas de veículos e tratores, além de postos de combustíveis. Gandini era o primogênito de três irmãos. E nessa condição, foi emancipado, ainda com 16 anos, para assumir uma concessionária de tratores. Seu pai acabava de abrir uma revenda em Goiás, e deixou o filho no comando da loja de Itu. Antes de ir, deu-lhe um aviso bem prático: “Se você quebrar o negócio da família, o azar é seu.” Gandini entendeu o recado e em pouco tempo ganhava prêmios pelo bom desempenho nas vendas. Casado, pela segunda vez, com a ex-miss Brasil Leila Schuster, Gandini é pai de Gustavo, 16 anos, e Maria Laura, 12, do primeiro casamento. 

 

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Objetos de desejo: as 160 revendas da Kia devem vender 80 mil carros neste ano,

garantindo mais de 50% do mercado de importados no País

 

E reproduz na família a experiência adquirida com o patriarca José Carlos. “Meu filho já trabalha comigo, cuidando do Facebook e do Twitter da Kia”, diz, orgulhoso. Mais um Gandini empreendedor a caminho… O empresário ainda acalenta o sonho de ter uma fábrica da Kia por aqui. Mas isso depende do imbróglio na Justiça brasileira sobre a dívida da antiga controladora da marca no País, a Ásia Motors do Brasil (AMB), que recebeu incentivos para importar veículos com a promessa de construir uma fábrica na Bahia, algo que não aconteceu pelos problemas com a matriz nos anos 1990. A Kia tinha 51% das ações da AMB, mas eram os sócios locais que exerciam o comando. O governo brasileiro cobra o ressarcimento dos incentivos, no valor de R$ 1,7 bilhão. No fim de novembro, o Tribunal Regional Federal (TRF) deu ganho de causa à Kia. Ou seja, o sonho de Gandini pode estar menos distante.