20/10/2020 - 15:12
José Mujica, ex-presidente uruguaio de 85 anos, retirou-se da política ativa nesta terça-feira (20), após pegar em armas, passar por duras condições carcerárias e posteriormente ingressar no sistema político, onde exibiu um tremendo poder de sedução com uma mensagem de austeridade e humanidade que causou uma profunda impressão no mundo.
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“Tenho minha cota de defeitos. Sou apaixonado. Mas no meu jardim não cultivo o ódio há décadas. Aprendi uma dura lição que a vida me deu: o ódio acaba sendo estúpido porque nos faz perder a objetividade diante das coisas. O ódio é cego, como o amor, mas o amor é criativo e o ódio nos destrói”, disse ele em um breve discurso de despedida no Parlamento, depois de agradecer a vários legisladores.
Assim, ele deixa a política ativa, embora tenha esclarecido que continuará a aconselhar seus correligionários cada vez que for convocado.
Nascido em uma área operária de Montevidéu, trabalhou durante a juventude como florista para ajudar nas finanças da família após a morte prematura de seu pai.
Testemunha das lutas operárias dos anos 1950, quando o Uruguai dava seus últimos suspiros como a “Suíça da América”, Mujica foi membro do Partido Nacional e, posteriormente, inspirado pela revolução cubana, optou pela ação armada em um país em democracia.
Em meados da década de 1960 ingressou no Movimento de Libertação Nacional MLN-Tupamaros, uma guerrilha urbana e responsável por diversos roubos, sequestros e assassinatos, até sua derrota em 1972, antes da ditadura que se instalou em 1973 até 1985.
– Das armas à política –
Mujica comandava uma das “colunas” ou grupos semiautônomos que formavam o MLN. Uma das ações mais importantes em que participou foi a chamada “tomada de Pando”, cidade 35 km a leste de Montevidéu que os Tupamaros invadiram em 8 de outubro de 1969. O episódio resultou na morte de um civil, um policial e três guerrilheiros.
Menos de um ano depois, ele quase perdeu a vida em um confronto com policiais enquanto preparava o assalto a uma rica família de Montevidéu em um bar.
Segundo as versões, Mujica recebeu seis ou sete tiros e foi salvo por um milagre para acabar na prisão, de onde escaparia em 1971 junto com outros 110 presos em uma das maiores fugas da história, por meio de um túnel meticulosamente preparado, que foi batizado como “O abuso”.
Recapturado em 1972, passou a ingressar na lista dos nove “reféns” da ditadura, os chefes do MLN que foram submetidos a condições especialmente duras de prisão pelos militares, no âmbito de um regime que torturava brutalmente opositores presos.
Com o retorno da democracia em 1985, ele foi libertado da prisão depois da aprovação de uma lei de anistia para presos políticos. Mujica se encarregou de comunicar aos uruguaios que o MLN estava depondo as armas.
“Eu não sigo o caminho do ódio, nem mesmo (para) aqueles que nos perseguiram. O ódio não se constrói”, disse na época.
Consolidou sua união com Lucía Topolanski, atual senadora e também integrante do MLN, e ambos se estabeleceram em uma fazenda a meia hora do centro de Montevidéu, local que se tornaria parada obrigatória para visitantes ilustres.
Ele lutou para que o MLN se juntasse à coalizão de esquerda Frente Ampla (FA) e criou o Movimento de Participação Popular (MPP), chegando à Câmara dos Deputados com as eleições de 1994 e ao Senado com as de 1999.
Ministro da Pecuária durante o primeiro governo de Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020), a importância de Mujica na FA cresceu junto com sua capilaridade eleitoral, até que foi eleito presidente em 2009.
– Mujica Rockstar –
Mujica chegou à presidência (2010-2015) sendo um dos políticos mais populares e ao mesmo tempo mais resistentes do país devido ao seu passado guerrilheiro.
Alheio a protocolos, ele continuou a viver em sua fazenda longe dos luxos do poder e dirigindo seu próprio carro. Sua projeção internacional cresceu exponencialmente.
“Não viemos ao planeta para nos desenvolver sós. Viemos ao planeta para sermos felizes. Porque a vida é curta e estamos partindo. E nenhum bem vale a vida”, disse ele na Cúpula Rio+20 em 2012.
Ali Mujica foi alçado ao estrelato internacional e sua fama não parou de crescer. No Uruguai, ele apoiou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a regulamentação do mercado de maconha.
Seu governo foi, no entanto, atormentado por fracassos: não cumpriu sua promessa de reformar a educação, fechou a companhia aérea nacional e a estatal ficou com um buraco em suas finanças. A economia, entretanto, cresceu.
Nesta terça-feira, deixou um recado aos jovens: “Ter sucesso na vida não é vencer. Ter sucesso na vida é levantar-se e recomeçar sempre que se cai”.