A Justiça Federal no Rio Grande do Sul condenou a Fundação Palmares a pagar uma indenização de R$ 50 mil por danos morais ao historiador, jornalista e professor universitário Deivison Campos.

A tese de mestrado dele foi citada em um relatório redigido pelo então presidente da fundação, Sérgio Camargo, para justificar a retirada de obras clássicas do acervo da entidade.

Títulos escritos por Aldo Rebelo, Antonio Gramsci, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Eric Hobsbawm, Karl Marx, Max Weber e Marilena Chauí, entre muitos outros, foram banidos da biblioteca. Posteriormente, a Justiça proibiu a censura do acervo.

O relatório, intitulado ‘Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista’, acusava os livros de “sexualização de crianças, ideologia de gênero, pornografia e erotismo, manuais de guerrilha, manuais de greve, manuais de revolução, bandidolatria e bizarrias”.

A juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro, da 2.ª Vara Federal de Porto Alegre, concluiu que a tese de mestrado do historiador foi “descontextualizada” e usada com “imprudência”.

“O ilícito fica ainda mais evidente quando percebe-se que a tese do autor é a única fonte técnica científica utilizada para fundamentar o relatório produzido pela Fundação ré, fazendo com que tal menção ganhe a relevância e proporção defendida pela parte autora e impõe-se reconhecer em juízo como capaz de efetivamente produzir o alegado dano a sua moral, especialmente pela repercussão na mídia nacional que deu notoriedade ao documento”, diz um trecho da decisão.

A juíza acolheu integralmente o pedido do historiador, representado pela advogada Luana Pereira da Costa, que destaca que a ação foi movida contra a gestão anterior. “Esperamos que algo assim nunca mais se repita na Fundação Palmares”, afirma Luana.

Além do pagamento, a fundação terá que publicar uma nota de esclarecimento, escrita por Campos, em seu site. O relatório também deverá ser editado para retirar o trecho da dissertação do pesquisador.

A dissertação de mestrado de Deivison Campos fala sobre o papel do Grupo Palmares de Porto Alegre na constituição da data de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como alternativa ao dia 13 de maio, quando é celebrada a abolição da escravidão no Brasil. A ideia defendida pelo autor é que a nova data nasce como um marco político para contrapor a noção de uma abolição conquistada ao imaginário anterior, de um benefício concedido.

O trecho citado no relatório da Sérgio Camargo foi retirado do resumo da dissertação. Nele, Campos afirma que o Grupo Palmares adota uma “postura e um discurso subversivo que coloca em cheque conceitos estruturantes da sociedade brasileira como democracia racial, identidade e cultura nacional”. O parágrafo é usado para atribuir ao movimento a pecha de “datado, de mentalidade revolucionária e marxista”.

Ao Estadão, o pesquisador afirma que a decisão “fica como um documento que aponta a irresponsabilidade do governo e da gestão passada com as memórias e patrimônios afro-brasileiros”.

“Recusa igualmente a tentativa de ataque à memória de Oliveira Silveira e da importância do Grupo Palmares que está na origem desse entendimento de que as políticas públicas para as populações negras são conquistas dos negros, seja a Abolição, sejam as diferentes políticas afirmativas”, afirma.

O historiador afirma ainda que a Fundação Palmares precisa ser tratada como um órgão de Estado e “protegida de políticas governamentais indevidas e irresponsáveis”. “A fim de que cumpra sua missão de guardiã do patrimônio afro de acordo com a construção histórica dos negros e não de acordo com o entendimento de alguns indivíduos, como ocorreu nos últimos quatro anos.”

COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUANA PEREIRA DA COSTA, QUE DEFENDE DEIVISON CAMPOS

“Essa decisão não impacta somente o autor; ela restaura a verdade sobre o legado de Oliveira Silveira e da Fundação Palmares. A concessão do pedido de nota pública é o mais importante, porque garante a reparação mais integral possível dos danos causados ao autor, que teve sua obra descontextualizada e distorcida.”