11/03/2015 - 17:00
A operação Lava Jato, que domina as manchetes desde o ano passado, chega a uma nova fase, com nomes de políticos apresentados ao Supremo Tribunal Federal. Especula-se que na lista estejam o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Para o advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, se a Suprema Corte proceder da mesma forma com que agiu no caso do mensalão, o Brasil só tem a perder. “Julgar olhando para a arquibancada não é sinônimo de democracia”, afirma. Dias criticou, em um artigo recente, a decisão do STF de manter sua cliente, a banqueira Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, presa em regime fechado, ao passo que outros envolvidos no escândalo, como José Dirceu, estão em prisão domiciliar. Em entrevista à DINHEIRO, ele falou sobre o que considera erros no julgamento do mensalão, revelou que alguns de seus clientes devem aparecer na lista da Lava Jato e afirmou que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi descuidado ao se encontrar secretamente com advogados de empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras.
DINHEIRO – O senhor publicou um artigo no jornal Folha de S. Paulo criticando a atuação do STF no julgamento do mensalão. Advogados, em geral, evitam fazer críticas diretas e abertas ao Judiciário, ainda mais ao Supremo. Por que escreveu esse artigo?
JOSÉ CARLOS DIAS – Muitas pessoas da área me disseram que não fui hábil nessa atitude, que um advogado jamais deve se indispor com juízes, ainda mais quando estamos falando da corte mais importante do País. Porém, eu não penso dessa maneira. Pela primeira vez, em cinquenta anos de advocacia, fiz um desabafo contra o STF.
DINHEIRO – Qual o motivo desse desabafo?
DIAS – Considero que é meu dever dizer o que penso, ainda mais porque eles também erram e eu tenho o direito e o dever de me expressar. O Supremo errou no caso da minha cliente, principalmente tratando-se de um caso em que não cabe mais recurso. Meu desabafo substitui o recurso. Sou eu dizendo à opinião pública o que penso a respeito desse grave erro judiciário que foi praticado na condenação dos réus não-políticos do mensalão.
DINHEIRO – A publicação desse desabafo pode trazer alguma consequência para o senhor ou para a sua cliente, a banqueira Kátia Rabello?
DIAS – Nenhum. Isso ocorreria se eu tivesse difamado, caluniado ou usado de injúria contra qualquer um dos ministros ou contra a corte como instituição. Aí, sim, caberia um processo contra mim. Mas eu tenho a consciência de que usei o direito à crítica que está inserido no direito democrático de expressar meu pensamento.
DINHEIRO – O senhor consultou a sua cliente antes de publicar o artigo?
DIAS – Eu não a consultei. Ela deve ter lido o que escrevi no jornal. Estou prestes a visitá-la e só então vou saber qual foi sua reação e o que ela pensa a respeito. Mas o que fiz foi cumprir meu dever como advogado, manifestando minha posição em defesa dos interesses da minha cliente.
DINHEIRO – As provas demonstram de maneira inegável a participação do Banco Rural no mensalão. Por que o senhor considera que sua cliente foi condenada injustamente?
DIAS – A senhora Kátia Rabello assumiu a presidência do banco em circunstâncias absolutamente inesperadas. O banco era presidido por sua irmã Junia Rabello, que dividia as funções executivas com o então vice-presidente, José Augusto Dumont. Era ele quem mantinha contato com o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do esquema. A sra. Júnia morreu em um trágico acidente de helicóptero e, poucos meses depois, o sr. Dumont morreu em um acidente de carro. O pai de Kátia, o sr. Sabino Rabello, assumiu a presidência do banco e, logo em seguida, também faleceu. Nenhum dos atos e operações relacionadas a empréstimos para Marcos Valério e suas empresas tiveram qualquer participação de Kátia.
DINHEIRO – Mas ela não assinou os documentos de cessão e de renovação do empréstimo, após assumir a presidência do banco? Isso não configura uma responsabilidade dela, ainda mais como presidente estatutária do banco?
DIAS – Ela apenas assinou uma renovação de empréstimo ao Partido dos Trabalhadores. Estamos falando de concessão de empréstimo, saques efetuados e outras operações apresentadas legalmente pelo Banco Rural. Foi com base nisso, nessas operações corriqueiras a qualquer banco, que minha cliente foi acusada de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
DINHEIRO – Por que o senhor considera que houve um problema na definição dos delitos? Qual foi o problema jurídico?
DIAS – As mesmas ações recebem três adjetivos: gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Se ela tivesse sido condenada por uma gestão temerária, por ter feito operações de alto risco que acabaram levando o banco à ruína, seria algo mais aceitável. Agora, em nenhum momento a acusação encontrou qualquer indício de que houve uma gestão fraudulenta por parte da sra. Kátia Rabello em relação à concessão de empréstimos pelo Banco Rural.
DINHEIRO – Por que, então, ela foi condenada a mais de quatorze anos de prisão em regime fechado?
DIAS – Minha cliente foi vítima de uma exposição excessiva na mídia. Eu tenho uma postura muito reservada, e acredito que a Justiça deve ser executada de forma fechada. A Suprema Corte americana, por exemplo, não expõe seus julgamentos, mesmo que os Estados Unidos sejam um país extremamente democrático e que leva suas instituições democráticas muito a sério. Os julgamentos não são televisionados.
DINHEIRO – Mas como fica a transparência do Judiciário, nesse caso?
DIAS – Os juízes têm que praticar seus atos de ofício de maneira reservada, com a presença apenas de advogados e do Ministério Público, e somente depois disso tornar pública a decisão. Quando os debates são televisionados e acompanhados simultaneamente pela nação, os juízes perdem o senso de atuar de forma absolutamente técnica e com humildade. Julgar olhando para a arquibancada não é sinônimo de democracia e não garante uma decisão justa.
DINHEIRO – Mas isso não foi uma decisão da Justiça? Adianta criticar?
DIAS - Como ficar em silêncio se estou convencido de que os senhores ministros erraram em prejuízo de uma cidadã que foi equiparada a delinquente perigosa, como uma latrocida, uma autora de homicídio hediondo? Como silenciar vendo nos jornais que todos os políticos condenados no referido processo já estão em regime semiaberto ou em prisão domiciliar, enquanto minha cliente permanece em regime fechado? Ela não oferece maior risco à sociedade do que políticos corruptos que foram condenados e cujas penas já progrediram.
DINHEIRO – Suas críticas são dirigidas diretamente ao ex-ministro Joaquim Barbosa?
DIAS – Ele prejudicou bastante a minha cliente. O ministro Joaquim Barbosa se exacerbou na adjetivação. Não critico o julgamento dado aos políticos. Apenas cobro que não tenha havido o mesmo respeito para com aqueles que não são políticos e, na minha opinião, receberam penas desproporcionais.
DINHEIRO – A sua cliente tem reclamado de situações precárias na cadeia?
DIAS – Ela vive nas mesmas condições precárias em que vivem todas as presas brasileiras. Ela não está se queixando de forma exclusiva. A situação é ruim para ela, assim como é para as outras. O sistema penitenciário brasileiro é péssimo e não apenas para quem tem ou não tem dinheiro, mas no geral. Quando fui Secretário de Justiça, no governo Franco Montoro, procurei desenvolver um trabalho de humanização prisional, mas de lá para cá a situação piorou muito.
DINHEIRO – O senhor pode dar um exemplo?
DIAS – O sistema prisional brasileiro é marcado pela violência, tanto dentro quanto no entorno dos presídios. Basta ver o tratamento a que são submetidos os parentes de presos que vão visita-los. A situação é mais grave no caso das mulheres, que sofrem uma revista íntima humilhante por ocasião das visitas.
DINHEIRO – O que o senhor espera da atuação do STF no caso do petrolão, os julgamentos que poderão decorrer da investigação da Lava Jato? O senhor avalia que poderá haver, novamente, julgamentos com o Supremo olhando para a arquibancada?
DIAS – Não quero falar sobre isso porque meu escritório deverá ter clientes envolvidos nesse caso.
DINHEIRO – São políticos ou empresários?
DIAS – Ambos. Provavelmente terei dois ou três casos.
DINHEIRO – Recentemente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se envolveu em uma polêmica ao se reunir com advogados de empreiteiros da Lava-Jato. Quando ministro, o senhor aprovava este tipo de prática?
DIAS – Quando eu fui ministro, nunca me recusei a receber um advogado em meu gabinete. No entanto, se algum caso tivesse a mesma visibilidade de uma Lava Jato, eu sempre fazia questão da presença de assessores. No caso do ministro Cardozo, ele poderia ter convocado o diretor da Polícia Federal para participar da reunião com os advogados dos empreiteiros. Não estou fazendo uma critica ao ministro Cardozo, mas acho que ele poderia ter se resguardado.