Após uma decisão de política monetário que não foi unânime na sua última reunião, o Federal Reserve (Fed) deve então iniciar o ciclo de corte de juros nos EUA ainda em setembro. Ao menos, é o que a esmagadora maior parte do mercado espera.

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De acordo com a ferramenta de monitoramento do CME Group, há 99% de chance de um corte de juros de 0,25 ponto percentual (p.p.) pelo Fed na próxima reunião – cenário que se concretizou após dados do mercado de trabalho e após o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, dizer que há ‘uma boa possibilidade’ de redução de 50p.p..

Além disso, o último índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu menos que o previsto pelos analistas na variação anual.

“Tivemos um contexto de combinação de fatores: a inflação de julho permite inferir que ‘desinflação’ é consistente com preços subindo em ritmo mais lento, revisões para baixo no mercado de trabalho, com desemprego mais alto, e ainda sinais públicos de autoridades, como o do secretário do Tesouro, defendendo até um corte maior. O FedWatch só traduz o preço dos contratos futuros, e eles já embutem esse corte como tendência”, comenta Glauber Mota, CEO da Revolut no Brasil.

Em um cenário em que a manutenção dos Fed Funds – atualmente em uma banda de 4,25% a 4,50% – no mesmo patamar até o fim do ano é praticamente nula, o executivo frisa que além de inflação e atividade, o que deve fazer preço até o fim do ano é a evolução do mercado de trabalho, especialmente se vierem mais revisões negativas de Payroll – como ocorreu na última leitura, também sinalizando para um corte na reunião de setembro.

Além disso, o mercado também deve monitorar o impacto das tarifas sobre preços, as condições financeiras, olhando bolsa, crédito e dólar, e claro, as sinalizações do próprio Fed.

Tales Barros, líder de renda variável da W1 Capital, avalia que as declarações recentes do chair do Fed, Jerome Powell, citando que a inflação pode estar controlada, também corrobora um cenário de flexibilização da política monetária.

Especialistas do BTG Pactual esperam corte semente em dezembro, com manutenção pelas próximas três reuniões, apesar de citarem que ‘aumentou significativamente a possibilidade do ciclo ser iniciado em setembro’.

“Embora o Fed tenha aberto a porta para um possível corte de juros em setembro, Powell deixou claro que tal movimento exigiria um enfraquecimento adicional do mercado de trabalho ou evidências mais convincentes de que a inflação está se movendo de forma sustentável em direção à meta de 2%. Além disso, seu tom sugere que o caminho à frente não inclui uma série de cortes, mas sim uma normalização gradual rumo a uma postura neutra”.

Gustavo Sung, Economista-chefe da Suno Research, também sustenta uma projeção mais conservadora, com um Fed que inicie cortes em outubro, com 0,25p.p., e realize um outro corte de igual magnitude em dezembro.

“Temos que chamar atenção para o fato de que o Powell e o Bostic argumentaram que a taxa de desemprego que é o ponto mais importante, e atualmente ela está em 4,2%, que é condizente. Apesar do Payroll, o desemprego está em um patamar relativamente aceitável, além da atividade mostrar uma desaceleração que não é acentuada, mostrando uma economia resiliente.”

Cenário de corte deve beneficiar Brasil

Em um cenário de flexibilização de política monetária, o Brasil deve colher bons frutos, dado o aumento do diferencial de juros em relação aos EUA – o que pode impulsionar uma melhora no câmbio, além de mais capital estrangeiro e, consequentemente, novas altas no Ibovespa.

Quando o Fed reduz a taxa básica de juros americana, os investidores passam a receber menos retorno em ativos dolarizados – como títulos do Tesouro americano. Esse cenário tende a enfraquecer o dólar em relação a outras moedas e reduz o atrativo de investimentos nos EUA, direcionando capital para mercados emergentes.

Apesar disso, não é necessariamente uma relação mecânica.

“Se o Fed começar a cortar juros em setembro, isso tende a ser positivo na margem para emergentes com diferencial de juros alto como o Brasil. Pode ajudar o real, melhorar o apetite por risco e favorecer a bolsa, especialmente setores domésticos. Digo ‘na margem’ pois não é também um fator isolado e o efeito não deve ser automático: fiscal, trajetória da Selic, conta-corrente e fluxos também pesam muito na equação, sem falar de insegurança jurídica”, explica Mota, CEO da Revolut.

“Estes tempos têm sido voláteis recentemente. Em outras palavras, pode ser um vento de cauda externo, com condicionantes e desafios domésticos. Como diriam meus colegas matemáticos, o cenário externo é ‘condição necessária mas não suficiente’, para colher benefícios relevantes por aqui”, completa.

Barros, da W1 Capital, frisa que o diferencial estrutural de juros dos Estados Unidos ante o Brasil torna os ativos daqui mais atrativos.

“Isso acaba deixando o cenário mais atrativo para o investidor estrangeiro que busca um rendimento com uma volatilidade um pouco menor, principalmente na renda fixa e na renda variável com um desconto um pouco mais atrativo”, avalia.

“No entanto, o impacto que ele tem de ser um pouco mais mitigado por fatores locais, como o controle de inflação, uma política monetária do próprio Banco Central que ainda precisa manter um tanto quanto mais restritiva frente a essa inflação. Mas, em resumo, o diferencial de juros tende a favorecer o Brasil”, conclui.

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Demissão de Powell é improvável

Desde que assumiu a Casa Branca, Donald Trump tem direcionado ataques sucessivos ao chair do Fed, que tem seu mandato findo em maio de 2026. Os ataques do republicano à autonomia da instituição tem preocupado o mercado.

George Saravelos, chefe global de estratégia cambial do Deutsche Bank, enviou um relatório a clientes dizendo que os preços de mercado ainda refletem uma chance pequena de Powell ser destituído, e que esse risco poderia estar sendo subestimado.

Apesar das ameaças claras de demissão, de fato, o mercado tem se preocupado pouco com a hipótese.

Sung, da Suno, destaca que desde o século passado a suprema corte separou a autonomia entre a autoridade monetária americana e o poder executivo, o que o faz pensar que ‘uma demissão é muito difícil’.

“A principio tem um arcabouço legal forte. O Powell vem sofrendo ataques, mas acho que não tem risco de ele ser demitido. Seria um efeito muito grande para os mercados. O risco que monitoramos é o Trump anunciar o próximo presidente antes do padrão histórico. Na hora que você escolhe o presidente, ele vai ficar matutando, e isso vai gerar ruídos de comunicação. O risco é esse, de o Trump anunciar o próximo presidente logo e ele começar a dar pitaco sobre os juros.”