O número é o mesmo: a inflação avançou 0,38% em julho e bateu a meta de 4,5% nos últimos 12 meses, cinco meses antes do previsto pelo governo e pelo Banco Central. Esse é o fato. A forma como cada um dos protagonistas da política econômica e monetária do Brasil o encaram, bem, isso é variável.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, emplaca a narrativa dos panos quentes. Usa argumentos matemáticos para explicar como os preços vão se acomodar para baixo nos próximos meses, cita a melhora do ambiente externo e pede cautela com as especulações no mercado financeiro.

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Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central e já em ritmo de saída, adota outro olhar sob o mesmo número. Não nega a possibilidade de subir os juros para segurar os preços, diz que a avaliação do BC é qualitativa, e não quantitativa, e não é contaminada por pressão — nem popular nem do mercado. Com as duas versões contadas, vale aquela dada por quem bate o martelo e, nesse caso, é o presidente do BC. “Não hesitaremos em elevar a taxa de juros, se assim for apropriado. Nossa missão, enquanto Banco Central, é prezar pelo controle de preços, não há política ou pressão ideológica nisso”, disse Campos Neto em audiência na Câmara.

Ainda que a opinião de Haddad vá de encontro à do presidente do BC, a estratégia do governo, neste momento, não será mais o ataque público. Entre junho e julho Lula subiu o tom das críticas à condução da política monetária, e o resultado foi forte instabilidade no mercado financeiro, em especial da bolsa de valores e do dólar. Agora, a postura é outra. Com a aproximação do fim do mandato de Campos Neto, o governo gostaria de evitar um aumento na taxa Selic na próxima reunião do Copom, marcada para os dias 17 e 18 de setembro. Para isso, a equipe econômica deve encontrar soluções para ajudar a manter a inflação dentro da meta. Algumas alternativas estudadas, mas ainda não definidas, envolvem o uso da Conab na compra de alimentos, revisão da tarifa de energia e avaliação de cenários para amortecer eventuais oscilações positivas no preço do petróleo.

A informação sobre a meta foi reforçada no Boletim Focus, elaborado pelo Banco Central semanalmente com as expectativas de agentes do mercado. Na edição de segunda-feira (19) houve o primeiro sinal de que se espera a inflação superando a projeção inicial. Isso exigiria que o presidente do BC fizesse uma carta explicando os motivos do estouro da meta. Em seus anos à frente da autoridade monetária, Campos Neto já fez isso pelo menos duas vezes.

Para a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo, há chance entre 60% e 70% de o IPCA superar o teto da meta. O cenário-base dela já contempla um alívio de 0,1 ponto porcentual no IPCA devido à antecipação de recursos da Eletrobras para quitar as contas Covid e de Escassez Hídrica. “Não sabemos como o Ministério de Minas e Energia e a Aneel vão contabilizar essa medida e, se não der certo, isso terá um impacto de 0,1 ponto para cima na nossa projeção”, ela explica.

4,5%
é o teto da meta de inflação medida pelo IPCA para 2024, cifra batida cinco meses antes do previsto inicialmente

70%
é a chance de o Brasil não conseguir manter a inflação dentro da meta de 3% em 2024, segundo estimativa da Warren Investimentos

0,38%
foi o avanço do IPCA em julho, puxado pela alta no preço dos alimentos e reajustes da indústria e serviços

Na LCA Consultores, a projeção também foi revista para cima. Segundo Fábio Romão, a empresa já subiu a régua da inflação para este ano de 4,20% para 4,40%, devido à desvalorização do real e à resiliência do mercado de trabalho. Incorporando esses dois fatores, ele espera que os bens industrializados terminem o ano com alta de 3,3% (revisada de 2,5% antes) e os serviços, subindo 4,6%. “Há pressão de fatores que justificam esse aumento. Entre eles o aumento do imposto de cigarro, o mercado de trabalho apertado e o comportamento do câmbio”, diz Romão, que ressaltou a importância de colocar a energia nesta variável. “Se a bandeira [tarifária] for amarela, há um impacto de 0,08 ponto percentual na projeção.”

Novo comando

Diante da briga de narrativas, o mercado fica atento aos passos de Gabriel Galípolo, principal cotado para assumir a presidência do BC a partir de janeiro de 2025. Atualmente ele é diretor de Política Monetária da instituição e, apesar de ser a potencial escolha de Lula, tem dado recados diretos – e que podem incomodar a cúpula do governo. “Todos diretores [do BC] estão dispostos a fazer o que for necessário para cumprir a meta [de inflação].”

De acordo com ele, em qualquer cenário, fica mantido o plano da autoridade monetária em perseguir uma inflação de 3%. Haddad, por sua vez, segue com o discurso de que a régua da meta não é mais adequada, e que um teto de inflação na casa dos 4,5% em um ano não caracteriza descontrole de preços. Uma disputa de narrativa que, até aqui, deu vitória para Campos Neto, mas pode ganhar outro rumo assim que Lula decidir quem comandará o BC ano que vem.