Para especialistas, ações emergências no Rio Grande do Sul são importantes, mas fundamental é pensar em medidas de longo prazo para mitigar impactos das mudanças climáticas e proteger populações vulneráveis.As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no início de maio deixaram um rastro de destruição. As piores consequências, porém, devem ser sentidas pelos grupos sociais mais vulnerabilizados. De acordo com especialistas, eventos extremos como esse aprofundam desigualdades sociais anteriores à tragédia e, sem políticas para combatê-las, será impossível alcançar a justiça climática no país.

“As populações mais vulnerabilizadas conseguem contar apenas com os abrigos que estão ainda em uma situação de bastante necessidade, de doação, de investimentos públicos, que que não chegam na velocidade que precisam chegar, as pessoas têm dificuldade de se alimentar, de ter acesso a produtos de higiene. Esse é um exemplo claro desse impacto desigual”, diz a gerente da Oxfam Brasil, Maitê Gauto.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), em parceria com o IBGE, monitora a incidência de eventos climáticos no Brasil e constatou que 8,2 milhões de pessoas vivem em áreas de risco para deslizamentos, inundações e enxurradas. Cerca de 26,1% deles moram em áreas sem acesso a saneamento básico adequado.

“A justiça climática, ligada ao racismo ambiental, alerta sobre cuidado para olhar para esses grupos mais vulneráveis e pensar sobre adaptação climática, e entender, a partir da pesquisa científica, como tirar as pessoas desses lugares de risco e evitar mortes e perdas”, explica Juliane Souza, membro do coletivo Pretas B.

O conceito de justiça climática remonta à década de 1990, quando grupos de ambientalistas denunciavam os prejuízos da indústria do petróleo. Por isso, o termo carrega a noção de combate à mudança climática a partir da responsabilização de agentes que contribuíram para o cenário de desastre e alerta para a desigualdade dos impactos desses eventos.

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente considera a justiça climática um “eixo transversal do novo Plano Clima”, afirmando que a descarbonização da economia deve incorporar “uma transição justa que impulsione o desenvolvimento sustentável, enfrente as desigualdades e promova a resiliência do país”. O ministério recomenda que ações de adaptação corrijam também deficiências estruturais histórica para evitar, além de perdas e danos, o agravamento das desigualdades.

Ações emergenciais

Com relação à tragédia no Rio Grande do Sul, os governos federal e estadual têm anunciado uma série de medidas para socorrer as famílias gaúchas. Entre as ações anunciadas estão o pagamento de um Auxílio Reconstrução que será liberado em uma parcela única de R$ 5,1 mil, e a possível construção de quatro cidades temporárias para os desabrigados. Cerca de 70% deles estão concentrados em abrigos da região metropolitana de Porto Alegre.

Para o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, as ações são positivas do ponto de vista de emergência, mas não levam em consideração medidas de longo prazo. Ele diz que ações de prevenção integram a promoção da justiça climática pois, com o mapeamento da população vulnerável, é possível contornar os impactos do evento extremo.

Gauto também reconhece que as ações emergenciais são essenciais para mitigar os estragos, mas que as políticas de adaptação climática e transição energética precisam ser revisadas para considerar o combate às desigualdades estruturais. “Se não, nunca vamos viver cenário de justiça climática”.

Litigância climática

Sobre o desastre no Rio Grande do Sul, Souza diz que “ninguém foi pego de surpresa” pois as medidas de prevenção são negligenciadas no país. “Quando tem esse componente, será que não é desastre ambiental, e sim um crime político? Precisamos refletir”. Ela reforça que o Brasil tem uma legislação ambiental robusta, mas que essa é descumprida. “Só olham para isso quando a situação já aconteceu”.

Gauto defende a incorporação do conceito de justiça climática pelo Judiciário para resguardar os direitos da população afetada pelos eventos extremos. “Tem que atuar, exigir que o município, o estado ou a União garantam as condições necessárias para que as populações, de maneira geral, mas principalmente, as mais vulneráveis, consigam reconstruir as suas vidas e não deixar ninguém para trás. Precisamos construir agora as respostas que vão ser efetivas em um futuro”.

No Brasil, os casos de litigância climática, que são as ações judiciais movidas após denúncias de violações ambientais, estão em alta. Em 2013, apenas cinco processos desse tipo estavam em tramitação, segundo o monitoramento de pesquisadores da PUC-Rio. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quantidade de ações cresceu, e agora somam 82.

Possíveis saídas

No Brasil, não há um modelo que sirva de padrão para justiça climática. Contudo, há experiências de respostas às mudanças climáticas em regiões de periferia que podem servir de inspiração para essas políticas, diz Rodrigo Jesus. “Se construir um banco de soluções, teremos um grande acervo”.

Já Juliane Souza afirma que, para enfrentar a mudança climática, é preciso avaliar os problemas ambientais do país, como o desmatamento, e também rever o modelo de negócios baseado na extração de recursos naturais. “A indústria responsável pela emissão de gás carbônico tem que se reinventar. O processo de mudança é lento, mas tem a ver com uma economia de desenvolvimento sustentável”.