Um artigo publicado recentemente no jornal Folha de S. Paulo com o título “Justiça climática sim, racismo ambiental não” conclui que racismo ambiental não é um bom nome, uma vez que cria confusões e obscurece o que realmente importa, a revoltante desigualdade que torna o Brasil um país tão difícil de entender. O texto aponta, também, que os pobres já são e serão cada vez mais as maiores vítimas do aquecimento global.

O termo racismo ambiental é razoavelmente novo no Brasil, assim como antirracismo, mas são termos já antigos no exterior. Um bom exemplo é recordar-se que Martin Luther King conduziu a marcha pelos direitos civis, o que dificilmente seria compreendido no Brasil. Em regra, direitos civis no Brasil, ou direitos humanos, não são lidos como temas que tratem de racismo e discriminação. Conceitos como justiça social e ambiental começaram recentemente a se popularizar, mas são termos globalmente utilizados e compreendidos. Inclusive falar de racismo sem falar de Justiça Social soa um tanto estranho.

Benjamin Franklin Chavis Jr. definiu, na década de 1980, após um caso de contaminação na Carolina do Norte, em que empresas escolhiam territórios onde viviam populações negras empobrecidas para despejar dejetos químicos, o racismo ambiental como a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.

Obviamente quando se está falando de racismo ambiental remete-se por vezes ao processo de formação, ocupação, acesso e manutenção dos territórios. As mudanças climáticas apenas escancaram o problema, uma vez que as desigualdades não brotam do nada e não são um processo natural.

Ao observar o processo de formação, por exemplo, da cidade de São Paulo, é obrigatório que se considere os efeitos, no mínimo, do pós-escravidão, a Lei da Vadiagem, entre outros elementos. A tal revoltante desigualdade, por vezes, é um guarda-chuva bonito para temas indigestos. Desigualdade e racismo não são antagônicos, são sinergistas.

Apontar discriminação, racismo, machismo, LGBTfobia é falar da assombrosa desigualdade brasileira que tem cor.

Além disso, o discurso encorpado das mudanças climáticas é razoavelmente recente, mas as populações vulneráveis sofrem há décadas no Brasil, por exemplo, com a falta de saneamento básico. Basta olhar as regiões e quem sofre com essa ausência deliberada de políticas públicas, que se torna evidente a omissão intencional, localizada e racializada. É bem verdade que o Brasil avançou nesse tema, mas falta muito.

As famosas enchentes e secas são suportadas e conhecidas há décadas, entretanto, a catástrofe não está mais limitando-se às regiões empobrecidas, mas a rincões de riqueza. O autor do artigo pontua que furacões não escolhem alvos, mas os barrancos, encostas e palafitas brasileiras parecem que escolhem seus moradores. Além disso, muito menos imprevisível que furacões são os desbarrancamentos rotineiros, anuais e sabidos nos meses de verão.

Em resumo, sem excluir, obviamente, as pessoas não negras que vivem também nessas mesmas condições, o racismo ambiental refere-se e põe foco a pessoas que pertencem a um grupo racializado e encontram em regra como opção de moradia, locais afastados dos grandes centros, precários e sem estrutura sanitária, expondo essa população a ambientes críticos. A negligência da saúde ambiental e saneamento básico da população negra das periferias e favelas do Brasil é considerada uma forma institucionalizada de racismo ambiental.

Raphael Vicente é Diretor Geral da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Advogado, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor e diretor Geral da Universidade Zumbi dos Palmares