DINHEIRO ? O sr. assumiu prometendo maior celeridade nos processos. Qual é o prazo médio de tramitação hoje e qual é a meta?

ARI PARGENDLER ? O processo demora de acordo com a complexidade. Há casos simples, mas há casos mais complexos. Infelizmente, a sociedade gera um número enorme de litígios.

 

 

DINHEIRO ? Tem uma meta?


PARGENDLER ? Temos um planejamento estratégico. Um dos pontos diz que até 2014 devemos reduzir em 30% o número de agravos regimentais, que são recursos contra a decisão do relator. Mas isso não depende de nós. As partes não recorrem porque a decisão é boa ou ruim. A parte fica sempre insatisfeita quando perde. Como se diz, uma Justiça tardia não é Justiça. Mas uma Justiça sem qualidade também não é Justiça.

 

 

DINHEIRO ? O sr. também disse que ia trabalhar pela qualidade. Ela não é satisfatória hoje? O que precisa mudar?


PARGENDLER ? Há um fenômeno que não existia quando eu era juiz de primeiro grau, nem de segundo grau, nem quando cheguei ao Tribunal. Com a grande quantidade de processos, que vão crescendo em ritmo geométrico, os juízes de primeiro grau, os de segundo e também os daqui tiveram que recorrer à ?terceirização?. Quando eu digo que temas repetidos passam pela análise prévia do assessor, estamos terceirizando. Esse número é tão grande que o ministro dá uma olhada na decisão e vê que ela está conforme. Mas pode acontecer de o assessor que leu os autos ter tido uma má percepção e é ele quem acaba julgando a causa. Estamos diante de uma grave crise no Judiciário. Temos que racionalizar. Temos que dar preferência para ações coletivas, de paradigmas que acelerem o processo e ajudem os juízes a se orientar. Já foram criados os juizados especiais, para que as partes tivessem uma rápida solução. Mas o sucesso foi tão grande que se tornou um grande problema, porque em alguns lugares esses juizados têm mais processos do que a Justiça comum. Quando a Justiça funciona, o apelo é maior. Não desafogou, pelo contrário. 

 

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“As leis tributárias no Brasil não são simples e dão origem a inúmeros litígios”

Painel eletrônico do impostômetro, em SP

 

 

DINHEIRO ? E como fazer para que os juízes deem a sentença pessoalmente?


PARGENDLER ? No STJ, entram muitas causas que chegam aqui quando não há o que decidir. Já foram decididas. A ação do STJ deveria se limitar a questões federais relevantes, somente para dirimir dúvidas em relação à lei. Por exemplo, um caso simples em que uma empresa se diz credora da outra. Chega aqui, mas não deveria chegar. Aqui chegam muitos casos de indenização por danos morais. Não deveria chegar, porque o tribunal já fixou jurisprudência de que somente casos em que há indenização irrisória ou abusiva é que o tribunal poderia corrigir. No entanto, as partes vêm discutir aqui indenizações de R$ 5 mil, R$ 6 mil. Esses recursos servem para melhorar as estatísticas. Se o juiz é avaliado pelo número de processos que ele julga, é melhor dar mais sentenças, mesmo que elas sejam uma repetição de temas já julgados. Um juiz que deu um monte de sentenças repetidas, é visto como ?produtivo?, enquanto outro que deu sentenças mais complexas teve produtividade menor.

 

 

DINHEIRO ? Existe uma percepção na sociedade de que há muitos recursos, e de que isso leva à impunidade. É possível mudar?


PARGENDLER ? A lógica diria que um maior número de recursos melhoraria a decisão, porque é fruto de uma análise mais demorada, que fez a crítica das decisões anteriores. Pela lógica, a última decisão deveria ser a melhor. Mas nem sempre essa lógica deve ser observada. E eu pergunto: como fica quando os tribunais têm que se valer de assessores? Se falta qualidade nesta decisão, por efeito de uma terceirização, o sistema deixa de funcionar. Então para que um recurso vai para um tribunal superior, se quem vai examinar esse recurso é um assessor? 

 

 

DINHEIRO ? O que está ao seu alcance para mudar isso?


PARGENDLER ? Eu não sei como diminuir o número de processos na primeira instância. Na segunda fase da reforma do sistema judiciário, que não foi aprovada pelo Congresso, o STJ teria o poder de definir as causas que poderiam ser acusadas. Hoje isso não existe. Também não temos no STJ a súmula vinculante, como existe no STF. Precisaríamos mudar a Constituição. No caso dos processos repetitivos, existe uma orientação de que se observe a decisão tomada, mas não é obrigatório. Tudo isso contribui para a lentidão da Justiça.

 

 

DINHEIRO ? Quantos processos aguardam julgamento?


PARGENDLER ? Temos 208 mil processos pendentes, mas estamos cada vez mais reduzindo o estoque. Este ano, até julho, 130 mil foram distribuídos aos ministros, e 134 mil foram julgados. Desde a instalação do STJ, em 1989, 3 milhões de processos já deram entrada, e 2,79 milhões foram julgados. 

 

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“Processo novo que entra no tribunal é digitalizado. E isso vai agilizar as decisões”

Pilhas de processos em tribunais de primeira instância

 

 

DINHEIRO ? A demora na tramitação dos processos custa bilhões à economia brasileira. Isso não afeta a competitividade? 


PARGENDLER ? Muito, isso é um custo Brasil dos maiores que existem. Hoje já há uma evidência de que a economia tem uma íntima relação com o direito.  Qualquer investimento empresarial deve contar com um mínimo de segurança jurídica. Sem isso, fica difícil que o País tenha um bom desenvolvimento econômico.

 

 

DINHEIRO ? Numa comparação internacional, de que maneira isso afeta a competitividade do Brasil?


PARGENDLER ? Em todos os lugares que eu viajei, ou já conversei com juízes, a Justiça é lenta e isso é muito criticado. Ao contrário do que nós pensamos, o Brasil tem um dos melhores sistemas judiciários do mundo, em termos institucionais. Os juízes aqui gozam de garantias que poucos países do mundo têm, com vencimentos compatíveis com suas responsabilidades. Estamos muito mais adiantados do que os nossos vizinhos. Mas, no confronto  com a Europa, aí nós vamos perder.

 

 

DINHEIRO ? Qual é o grau de segurança jurídica no Brasil?


PARGENDLER ? Nossa situação precisa melhorar muito. Casos realmente muito importantes demoram no STJ e demoram também no Supremo. A raiz disso está no número elevado de processos. Institucionalmente, podemos dizer que estamos na vanguarda. O grau da nossa efetividade judicial é pequeno, comparado com os recursos institucionais que nós temos.

 

 

DINHEIRO ? O sr. é tido como um juiz contrário ao uso dos tribunais para postergação de pagamento de dívidas. Pretende fazer alguma mudança de procedimento neste sentido?


PARGENDLER ? A minha atuação como presidente está na área administrativa. A atuação jurisdicional é de cada ministro. Eu vou procurar dar aos ministros do tribunal todos os recursos materiais e humanos para que eles possam desempenhar bem a função.

 

 

DINHEIRO ? O Brasil precisa de uma reforma tributária? Uma simplificação das leis poderia reduzir o número de processos empresariais na área?


PARGENDLER ? A reforma tributária, com mudança de tributos, é uma questão política. A minha experiência me diz que, quando houver esta reforma, num primeiro momento vai aumentar o número de ações, porque, quando temos uma legislação, já há jurisprudência consolidada. Então o Judiciário terá sua situação agravada.

 

 

DINHEIRO ? Mas não há espaço para uma simplificação da legislação tributária?


PARGENDLER ? Com certeza sim. O melhor livro de legislação tributária que já se escreveu no Brasil fala em manicômio judiciário. Podemos falar também em manicômio legislativo. As leis tributárias não são simples. Elas dão margem a inúmeros litígios. Evidentemente, se houvesse um maior apuro na elaboração dessas leis, nós teríamos um dinamismo tributário maior.

 

 

DINHEIRO ? O sr. pretende fazer mudanças administrativas? A digitalização, por exemplo, já alcançou que porcentagem dos processos em tramitação?


PARGENDLER ? O tribunal está com um novo paradigma, que é o processo eletrônico, mas isso ainda não se esgotou.  É um processo longo, que vai se desdobrar também na área administrativa. Vamos fazer redução de custos em todas as áreas. O serviço público, de maneira geral, gasta mal, e nós vamos enfrentar isso no detalhe. A nossa preocupação é administrar como um bom pai de família, economizando tostões. 

 

 

DINHEIRO ? O que o sr. pensa do direito alternativo, dos que defendem a interpretação das leis de acordo com a justiça social?


PARGENDLER ? Não existe direito alternativo. O que pode existir é Justiça alternativa, que é sempre um desastre. Hoje já não tem força nenhuma. As leis são a nossa garantia. Um juiz tem que seguir a lei. Ela representa os valores da sociedade, e esses valores são ditados pelo Poder Legislativo.