A Justiça de São Paulo reconheceu a existência de fraude à execução em uma operação financeira envolvendo a Pantera Alimentos, empresa em recuperação judicial, e o fundo RDF, que adquiriu seus direitos creditórios (FIDCs). A decisão, proferida no último dia 16 de julho pela 9ª Vara Cível da capital, declarou ineficazes as cessões de recebíveis feitas após o início de um processo de execução movido pela Forte Securitizadora (Fortesec), credora da Pantera em um débito de R$ 45 milhões, segundo documentos obtidos pela reportagem.

Trata-se de uma operação em que o fundo comprou valores que a empresa tinha a receber no futuro, como parcelas de vendas a prazo, boletos e duplicatas. Em vez de esperar o pagamento, a empresa antecipa esse dinheiro vendendo seus créditos ao fundo com um desconto. Assim, ela recebe à vista e melhora seu caixa. Já os investidores do FIDC lucram quando esses valores são pagos pelos devedores.

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“É notório que a cessão de créditos fora efetuada enquanto tramitava ação de execução, com a citação válida da Pantera”, escreveu o juiz Valdir da Silva Queiroz Junior. Segundo a sentença, o fundo RDF não comprovou ter adotado as cautelas exigidas por lei para garantir a boa-fé na aquisição dos ativos de R$ 14,2 milhões, operação feita quando a Pantera já apresentava sinais evidentes de falência, com passivo superior a R$ 48 milhões.

Fraude à execução é configurada quando o devedor transfere bens ou direitos a terceiros para impedir que o credor receba o valor devido. No caso, a Fortesec acusou a Pantera de alienar recebíveis a fundos como o RDF para contornar bloqueios judiciais que atingiriam diretamente os recursos a serem usados no pagamento da dívida.

As cessões de crédito foram formalizadas por meio de contratos genéricos, com a especificação dos títulos ocorrendo apenas em aditivos posteriores. Os pagamentos com deságio foram feitos depois do ajuizamento da ação executiva, em setembro de 2022. A Pantera, especializada na distribuição de grãos, cereais e farináceos, ingressou em recuperação judicial no fim daquele ano.

A disputa tem como pano de fundo uma operação de financiamento estruturada via Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), emitidos pela Fortesec a partir de duas Cédulas de Produto Rural Financeiras (CPRFs) firmadas com a Pantera. A empresa, com sede em Itu (SP), captou recursos junto a investidores com a promessa de quitar os títulos com o faturamento de grandes clientes, como Walmart, Tenda Atacado e Sapore.

Esses recebíveis compunham a garantia da operação. Segundo a Fortesec, os valores pagos por essas redes deveriam ter sido direcionados a uma conta vinculada e controlada pela securitizadora. No entanto, os recursos foram desviados pela própria Pantera para outras contas ou utilizados em operações paralelas.

Ao constatar a inadimplência e inconsistências nos repasses, a Fortesec acionou a Justiça e obteve decisões de bloqueio de contas bancárias da empresa, incluindo uma conta vinculada à operação do fundo FIDC Solar, movimentada pela fintech Grafeno. Após a instituição financeira alegar “erro de sistema” e tentar se desvincular do episódio, a Fortesec passou a levantar suspeitas de fraude à execução por meio da cessão de créditos a terceiros, com o objetivo de esvaziar o patrimônio da devedora.

Relatórios anexados ao processo indicam que, entre 2020 e 2023, a Pantera faturou R$ 26,5 milhões com o Grupo Big, mas repassou apenas R$ 8,3 milhões aos investidores da estrutura montada pela Fortesec. Também foram identificadas transferências diretas de recursos da empresa para os sócios Vitor e Osni Luccats, sem qualquer justificativa contábil ou contratual.

A sentença também destaca que, além da ação movida pela Fortesec, a Pantera é alvo de mais de 20 processos de execução e cobrança em andamento, que somavam R$ 39,2 milhões. Dados extraídos da Receita Federal revelam que, ao fim de 2021, a companhia já registrava patrimônio líquido negativo de R$ 33,2 milhões e prejuízo acumulado de R$ 17,2 milhões.

Diante dessas evidências, a administradora judicial recomendou o afastamento dos sócios da empresa. O Ministério Público endossou a recomendação e pediu a abertura de inquérito por suspeitas de falsidade documental, desvio de garantias e uso indevido de recursos da companhia.

Com o reconhecimento da fraude, o juiz declarou nulas todas as cessões de crédito firmadas entre a Pantera e o RDF após 19 de setembro de 2022, data de distribuição da ação executiva, e determinou que o fundo arque com as custas e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.

O caso é mais um capítulo de uma disputa complexa que envolve a Pantera, a Fortesec e outras entidades do mercado financeiro. Procurada, a Fortesec informou que não comenta processos em andamento. Em nota enviada à Dinheiro, o sócio da Pantera, Vitor Luccats, afirmou que os esclarecimentos “estão nos autos do processo” e que a empresa move uma arbitragem contra a Fortesec, sob confidencialidade, na Câmara de Arbitragem Empresarial (Camarb). Ele também declarou que a Pantera “tem buscado transparência e idoneidade para solucionar todas as suas pendências”.