25/01/2002 - 8:00
Quando a Brahma e a Antarctica anunciaram a criação da Ambev, a Kaiser mobilizou todas suas forças para tentar impedir que o casamento se consumasse. O raciocínio da empresa era de que uma concorrente com os músculos industriais e financeiros da Ambev passaria como um trator por cima de qualquer cervejaria no mercado. Pois bem, dois anos depois da fusão, o negócio não foi tão desastroso para a Kaiser quanto seus próprios executivos supunham. A companhia está longe de recuperar a participação de mercado que já teve um dia (de 16,4% em 1997), mas também não chegou a perder espaço. Em 2001, sua fatia ficou em 12,1%, quase o mesmo patamar do ano anterior. Mas, ao mesmo tempo, aumentou o faturamento de R$ 1,3 bilhão para R$ 1,4 bilhão, embora o volume de vendas tenha crescido apenas 3,5%. Ou seja, os preços de suas cervejas subiram ao longo de 2001. A elevação foi de 16%. ?Conseguimos posicionar nosso produto no mesmo nível da Brahma e da Antarctica, sem perder participação de mercado?, diz Augusto César Parada, diretor-superintendente da Kaiser.
Por isso, Parada acredita que sua empresa esteja pronta para uma nova investida. ?A Ambev não conseguiu estancar a queda histórica da Brahma e da Antarctica?, diz ele. ?Isso nos permite vislumbrar que, em algum tempo, deixaremos as duas para trás.? Trata-se de uma previsão otimista, na qual, como diz a piada envolvendo Garrincha, ?só falta combinar com o adversário?. Um primeiro round, porém, já foi vencido. A Kaiser ultrapassou a Antarctica, dona de 11,4% do mercado, e assumiu a terceira colocação. À sua frente, estão dois produtos Ambev: a Brahma, com 21,4%, e a Skol, líder absoluta com 31,8%.
O plano estratégico desenhado pela Kaiser prevê que, em cinco anos, sua fatia atingirá 21% a 22%, o que lhe garantiria a vice-liderança. O caminho para chegar a esse patamar começou a ser trilhado logo após a aprovação da união entre Brahma e Antarctica pelo Cade. A partir dali, a empresa passou por uma profunda remodelação. Dos seis executivos que formavam a diretoria, apenas um, o próprio Parada, permaneceu na companhia, promovido a diretor- superintendente. O marketing também foi inteiramente revisto. ?Assumimos uma atitude mais agressiva?, diz Parada. ?A Kaiser tinha uma atitude muito comportada em um mercado dominado pela agressividade do pessoal oriundo da Brahma?, diz um especialista em marketing.
Para virar o jogo, Parada reservou R$ 180 milhões como verba de marketing para este ano, um recorde em sua história. Parte do dinheiro vai para a Rede Globo na forma de patrocínio para a transmissão do Carnaval do Rio de Janeiro. A Kaiser também arrematou o direito de venda de cervejas no Sambódromo. Para matar sua sede os foliões consumirão Santa Cerva e Summer Draft, duas marcas da Kaiser. ?Queremos vincular nosso nome a eventos grandiosos?, diz Rodrigo Aguiar, gerente de comunicação institucional. Neste verão, por exemplo, um barco inteiramente pintado com motivos da Kaiser navega ao longo do litoral brasileiro, com promoção de atividades esportivas durante o dia e festas à noite. Do réveillon ao Carnaval, o Kaiser Boat está visitando dez diferentes cidades, do Nordeste ao Sul do País.
É uma tentativa de divulgar a marca em todo o território brasileiro e, assim, combater uma das maiores dificuldades da Kaiser na ampliação de sua presença no mercado. A cervejaria alterna participações avassaladoras em determinadas regiões com a absoluta ausência em outras praças. Em Curitiba, por exemplo, 43% das cervejas vendidas levam o rótulo da empresa. Na Grande São Paulo, com 28%, está encostada na líder Brahma, dona de 30,7%. Em compensação, no Rio, a Kaiser tem o seu calcanhar-de-Aquiles. Ali, ela não existe ? literalmente. A rejeição é tão forte que a empresa resolveu tirar a marca do mercado. Em seu lugar, colocou uma marca específica para os cariocas, a Santa Cerva. Lançada em agosto de 2001, sua participação já atingiu 3,5%. Até o final do ano, diz Parada, esse número deverá dobrar. ?Vamos voltar ao mercado carioca com a Kaiser, mas não sabemos quando nem como?, diz Parada. ?Nunca atingiremos uma presença nacional sem termos uma boa posição no Rio de Janeiro.?
A oscilação em diferentes regiões é fruto de falhas na distribuição, admite ele. A entrega dos produtos da Kaiser é feita pelas revendas da Coca-Cola, uma das redes de distribuição mais eficientes e capilarizadas do Brasil. O que, então, explica a falta de penetração da cerveja? ?Nem toda a rede estava comprometida com nosso produto?, responde Parada. Suas cervejas só chegam a 50% dos pontos de venda no País. A Ambev tem uma cobertura de 65% a 70%. Nesse capítulo, o surgimento do gigantesco concorrente foi positivo. Assustados com o possível avanço do Guaraná Antarctica, os revendedores Coca viram na cerveja uma forma de fortalecer sua posição. Por isso, a Kaiser espera aumentar sua abrangência para 53%. Detalhe: cada ponto percentual equivale a 30 mil pontos de venda. A cobertura nacional é um forte argumento para os possíveis compradores da empresa. Os próprios executivos admitem que, a qualquer momento, a empresa, hoje controlada por um grupo de revendedores da Coca-Cola, pode mudar de mãos. A mais séria candidata é a holandesa Heineken, dona de 15% do capital. É um negócio atraente. O Brasil é o quarto maior mercado de cerveja do mundo, e as vendas da Kaiser correspondem a todo o consumo anual da bebida na Argentina ? antes da crise do país vizinho. Parada, porém, prefere não falar sobre o assunto. ?Os vendedores e os possíveis compradores são meus patrões hoje?, diz ele. ?Então prefiro ficar quieto.?