26/04/2012 - 21:00
Não é exagero dizer que mesmo antes de ser eleito presidente do Paraguai no domingo 21, com 45,9% dos votos, Horacio Cartes já era o homem mais poderoso do país. Milionário e dono de 25 empresas, que vão de fábricas de cigarros e bebidas a bancos, ele também comanda uma das maiores equipes paraguaias de futebol, o Club Libertad. Apesar do prestígio, Cartes é conhecido por figurar em listas bem menos nobres. Ele já foi alvo de investigações por narcotráfico, lavagem de dinheiro e contrabando de cigarros, inclusive para o Brasil. Esse lado B de suas atividades seria o motivo pelo qual a presidenta Dilma Rousseff ignorou solenemente dois pedidos de audiências solicitados pelo então candidato, durante a campanha eleitoral, no início deste ano.
Cartes, sucessor do ex-bispo Lugo: ”Vamos sentar e trabalhar
com o Brasil, não contra o Brasil”
Um relatório preparado pela Souza Cruz e entregue à Dilma, no ano passado, acusava-o de praticar concorrência desleal no Brasil ao exportar o produto ilegalmente. O Paraguai produz 60 bilhões de unidades de cigarros por ano, 70% dos quais atravessam a fronteira brasileira sob a forma de contrabando, de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Ironicamente, como presidente, Cartes terá de lidar com o combate ao contrabando, o que deve aumentar sua coleção de polêmicas, que já vem de longa data. Em 1985, por exemplo, ele chegou a ficar preso por 60 dias, acusado de evasão de divisas.
O presidente eleito alega que se tratou de uma prisão política, algo comum na ditadura do general Alfredo Stroessner, que comandou o país entre 1954 e 1989, lembrando que nunca foi condenado. “Naquela época, as pessoas iam presas até por um cheque sem fundos, diferentemente de hoje, em que, antes da prisão, há direito à defesa”, defendeu-se dois dias depois da eleição. Cartes era dono de uma casa de câmbio nos anos 1980. Em 2000, porém, outro episódio viria a manchar a sua reputação. Um pequeno avião, de registro brasileiro, carregado com cocaína e maconha, foi encontrado em uma de suas fazendas. Quatro anos depois, a CPI da Pirataria, no Congresso brasileiro, apontou que a Tabesa, uma de suas empresas de tabaco, fazia contrabando de cigarros para o Brasil.
Cartes foi citado pelas embaixadas americanas em Assunção e Buenos Aires como narcotraficante da tríplice fronteira entre Paraguai, Argentina e Brasil. Seu banco, o Amambay, teria feito lavagem de dinheiro. “Se 1% do que dizem fosse verdade, não teria entrado na política”, afirmou ele. Apesar do currículo incômodo, a presidenta Dilma telefonou para o presidente eleito na segunda-feira 22, para cumprimentá-lo pela vitória. A política de boa vizinhança é aconselhável, uma vez que são grandes os interesses ligando Brasil e Paraguai. A começar pela sociedade na usina de Itaipu, que fornece 17,3% da energia consumida no País.
Brasiguaios e Itaipu: produtores brasileiros fizeram do país um grande exportador
de soja. Vem de lá 17% da eletricidade do Brasil
A participação paraguaia no Mercosul, suspensa desde o impeachment do presidente Fernando Lugo, há dez meses, deve ser retomada a partir da posse de Cartes, em agosto. “Vamos sentar e trabalhar com o Brasil, e não contra o Brasil”, disse o eleito. As exportações brasileiras para o Paraguai somaram US$ 2,6 bilhões, no ano passado, com superávit de US$ 1,6 bilhão. Os brasiguaios, brasileiros que migraram para o Paraguai nos anos 1970, são responsáveis por ter ajudado a transformar o país da guarânia no quarto maior exportador mundial de soja. A integração produtiva entre os países tem crescido.
Diversos fabricantes brasileiros de mão de obra intensiva começam a atravessar a fronteira. O país tem uma das menores cargas tributárias da América Latina, de 12%, quase um terço da brasileira. “O Paraguai tem também uma energia mais barata”, diz Thomaz Zanotto, diretor-adjunto de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Entre as empresas que fizeram esse movimento estão a Penalty, de artigos esportivos, a Bella Janela, de cortinas, a Marseg, de calçados industriais, controlada pelo Grupo Bertin, e a fabricante de autopeças japonesa Yazaki, que trocou o norte do Paraná pelo país vizinho.
“Só nesta semana recebi três ligações de empresas interessadas em se mudar para o Paraguai’, diz Wagner Weber, presidente do Centro Empresarial Brasil-Paraguai. O especialista em América Latina Alberto Pfeifer acredita que o pragmatismo empresarial de Cartes tende a atrair mais investimentos para o país. “O Paraguai volta a um caminho de consenso depois da confrontação que marcou o período presidencial de Lugo”, afirma. Cartes quer mais. “As indústrias brasileiras estão dando exatamente o remédio para as nossas enfermidades, a falta de emprego e de capacitação”, diz.