C om o fim do carnaval, o Brasil voltou ao samba de uma nota só tocado à exaustão nos últimos dois anos. Outras notas vão entrar, como dizia Tom Jobim, mas a base é uma só: o aumento de impostos e o corte de investimentos estão na lista de medidas amargas para sair da crise econômica. “É claro que o governo precisa tributar, estamos vivendo uma situação em que há necessidade de arrecadação e temos uma das menores taxas de imposto de renda do mundo”, diz Denise Pavarina, presidente da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). “Temos mais é que nos adaptar”, afirma.

É exatamente isso que investidores de alta renda têm tentado fazer ao antever o impacto, no seu patrimônio, do aumento dos impostos sobre ganhos de capital. A nova regulamentação foi aprovada na Câmara dos Deputados, na quarta-feira 3, e chegou ao Senado no dia seguinte, ainda sem data para entrar na pauta de votações. O texto do relator, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), define que a pessoa física que lucrar até R$ 5 milhões com a venda de bens e direitos continuará sendo tributada em 15%, como ocorre hoje.

No entanto, conforme o lucro cresce, as alíquotas aumentam. Para ganhos entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, haverá uma incidência de 17,5%. Ganhos entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões terão de pagar 20%, e, acima de R$ 30 milhões, a mordida sobe para 22,5%. A isenção para quem vender um imóvel e comprar outro em seis meses continua valendo até agora. O Leão, porém, poderia ter cravado suas presas ainda mais fundo no bolso dos endinheirados se a proposta original do governo tivesse sido aprovada.

A idéia do Ministério da Fazenda era tributar em 20% os ganhos sobre capital de pessoas físicas que lucrassem mais de R$ 1 milhão. Essa taxa saltaria para 30% quando os ganhos excedessem R$ 20 milhões. “A proposta em tramitação teve as alíquotas reduzidas, pois se percebeu que a arrecadação seria pequena em relação ao impacto que iria gerar”, afirma Denise. Os deputados não se arriscam a prever qual o volume de recursos que o projeto aprovado pela Câmara poderá levantar. Propostas de aumentar impostos surgem periodicamente em momentos de crise.

Não por acaso, o Ministério da Fazenda bate na tecla de ressuscitar a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), que incide sobre quase todas as operações bancárias e vigorou durante 11 anos. A fome do governo aumentou ao longo de 2015, à medida que os indicadores econômicos foram piorando, até carimbar um déficit primário histórico de R$ 111 bilhões das contas públicas. Em estimativas preliminares, o governo espera levantar R$ 1,8 bilhão com as novas alíquotas do imposto sobre ganhos de capital. Porém, a oposição questiona seus efeitos colaterais.

“Esse projeto vai reduzir ainda mais os investimentos em um momento de crise econômica”, disse o deputado Pauderney Avelino (AM), líder do DEM. A preocupação faz sentido. A incidência mais freqüente do imposto sobre ganhos de capital ocorre na venda de imóveis. No entanto, outros eventos, como a abertura de capital de uma empresa na Bolsa, também podem sujeitar os vendedores das ações a essa tributação. Em 2016, poucas companhias devem abrir capital — uma delas é a Caixa Seguridade, que pode realizar seu IPO no segundo semestre, depois de alguns adiamentos.

Essas operações, chamadas usualmente de eventos de liquidez, são importantes para a constituição de patrimônio, e o aumento da tributação pode esfriar esse tipo de desembolso. “O importante é ter calma nesse momento”, diz Natália Zimmermann, superintendente de private banking do Santander. Segundo ela, o cliente precisa olhar a gestão patrimonial como um todo, já que o custo de consertar decisões tomadas às pressas pode ser maior do que o de pagar uma alíquota maior. “Percebemos, porém, que alguns investidores já constituíram fundos fechados e doaram as cotas para os filhos, por temerem tributação sobre herança, e outros aceleraram a transição do comando de suas companhias”, conta.

Mauro Rached Rached, responsável pela área de gestão de fortunas do BNP Paribas, diz que, nos últimos dias, o discurso de seus clientes mudou. “Até três anos atrás, era comum os empresários prepararem suas empresas para serem vendidas ou para incorporar concorrentes”, diz ele. “Agora, com a possibilidade de terem de pagar mais imposto, eles estão mudando o foco para a perpetuação patrimonial.” Rached, porém, adverte que uma alíquota maior não inviabiliza investimentos de longo prazo que geram ganhos de capital.

A alta do imposto sobre ganhos de capital vem num momento em que o governo parece ter recuado da decisão de cobrar imposto sobre as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI). A tributação chegou a fazer parte do relatório da MP 694, mas na nova versão, votada na semana retrasada, todas as medidas relativas ao mercado financeiro foram deixadas de fora. A equipe econômica deve voltar a essa questão mais para frente. Espera-se que, nesse momento, a música de Tom Jobim não seja “Insensatez”.