06/08/2025 - 17:08
Ajuda humanitária lançada de aviões é pouca e não chega igualmente a todos os palestinos. Escassez gera disputa desesperada por alimentos e pressão para Israel autorizar mais comboios terrestres.Diante do agravamento da crise de fome em Gaza, Israel autorizou que vários países realizassem lançamentos aéreos de alimentos no território palestino. Aviões dos Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Egito, Alemanha, Bélgica e Canadá lançaram 120 fardos de ajuda na segunda-feira (04/08), segundo as Forças de Defesa de Israel (FDI).
No dia seguinte, o governo israelense anunciou que autorizaria parcialmente a entrada de mercadorias para comércio em Gaza, por meio de fornecedores locais, com o objetivo de reduzir a dependência da ajuda humanitária.
Mas palestinos e organizações humanitárias relatam que o que hoje chega ao enclave devastado pela guerra, seja por via aérea ou terreste, não é capaz de conter a crise alimentar nem ser distribuído igualmente entre a população.
“Lançamentos aéreos custam pelo menos 100 vezes mais do que caminhões. Um caminhão carrega o dobro do que um avião”, disse o comissário-geral da Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados Palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini.
Disputa por alimentos
Segundo autoridades palestinas e da ONU, Gaza precisa de cerca de 600 caminhões de ajuda por dia para atender às necessidades humanitárias.
“O que cai do céu só chega a quem consegue brigar com os outros”, disse Diaa al-Asaad, pai de seis filhos, deslocado em Gaza, que conversou por telefone com a DW. “Precisamos que a ajuda seja distribuída de forma justa para toda a população, e não desse jeito.”
Segundo al-Asaad, muitos dos pontos de onde os pacotes vêm sendo lançados são de difícil acesso, uma vez que estão frequentemente próximos ou dentro de áreas militarizadas controladas por Israel, chamadas de “zonas vermelhas”.
“A solução não é jogar comida em cima da gente. As pessoas precisam de acesso normal e digno à comida — não como animais correndo atrás da presa na selva”, disse, por sua vez, Majed Ziad, morador do campo de refugiados de Nuseirat.
O Exército israelense também anunciou na semana passada pausas táticas no conflito e corredores humanitários para comboios de ajuda em três regiões de Gaza.
Desafios por terra
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), os comboios terrestres enfrentam atrasos e riscos. Um comboio recente teria demorado 18 horas para viajar apenas 24 quilômetros.
Caminhões de ajuda frequentemente não alcançam o destino planejado por conta de saques realizados tanto por moradores desesperados quanto por revendedores do mercado ilegal.
Israel responsabilizou repetidamente o Hamas pelos desvios, inclusive para justificar o corte do fornecimento de ajuda no início de março. O grupo islâmico é considerado terrorista por União Europeia (UE), Alemanha, Estados Unidos e outros.
Dalia al-Affifi, mãe de dois filhos, relata que a maior parte da ajuda não chega à população comum. Os preços de itens básicos, como farinha, dispararam — atingindo entre 100 e 120 shekels (cerca de R$ 145 a R$ 170) por quilo —, o que está fora do alcance de muitas famílias.
Ela não consegue competir com os jovens que correm atrás dos caminhões e tem medo de mandar alguém da família no seu lugar. “Tentei conseguir farinha, mas foi impossível. Consegui apenas algumas latas de feijão e grão-de-bico. Eu simplesmente preciso de comida.”
Agravamento humanitário
Os mais de 2 milhões de habitantes de Gaza enfrentam escassez extrema. A produção local de alimentos foi quase toda destruída pelos ataques israelenses.
Desde o início da guerra, especialistas vêm alertando que o enclave está à beira da fome generalizada. O quadro se agravou em julho, segundo agências especializadas.
A Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar (IPC), apoiada pela ONU, alertou que “o pior cenário de fome está se concretizando”.
Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou aumento acentuado nas mortes de crianças causadas por desnutrição no mês passado.
Após sofrer pressão internacional em resposta ao bloqueio imposto em março, o governo israelense retomaria com limitações a entrega de ajuda em maio. A distribuição de alimentos, entretanto, foi transferida para locais gerenciados pela controversa Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada pelos Estados Unidos e Israel. No entanto, a distribuição nos poucos pontos tem sido marcada por caos e centenas de pessoas já foram mortas nesses locais, segundo autoridades de Gaza ligadas ao Hamas.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chegou a negar que haja fome generalizada em Gaza, contrariando as evidências apresentadas por múltiplas fontes no território palestino. O governo israelense refuta as acusações de que estaria provocando fome intencionalmente.
Mais rotas terrestres necessárias
Para grupos humanitários, os lançamentos aéreos são uma medida extrema, utilizada apenas como último recurso quando há risco alto demais no solo.
Durante uma visita recente a Israel e aos Territórios Palestinos Ocupados, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, reconheceu as limitações.
Ele pediu que Israel abra passagens terrestres para garantir distribuição eficaz da ajuda, para além da quantidade limitada de caminhões que entram hoje em Gaza.
“A rota terrestre é essencial”, afirmou. “O governo israelense tem o dever de permitir rapidamente a passagem segura de ajuda humanitária e médica em quantidade suficiente, para evitar mortes em massa por fome.”
Desde outubro de 2023, quando a guerra começou, autoridades de saúde locais controladas pelo Hamas relatam mais de 60 mil mortos, com muitos outros corpos ainda soterrados nos escombros. Essas autoridades não distinguem entre civis e combatentes, embora a maioria das vítimas seja de mulheres e crianças.
Colaborou Heloísa Traiano.