24/05/2000 - 7:00
O Brasil é o primeiro país a ser beneficiado pela recente fusão de mais de US$ 6 bilhões da Alcoa Inc. com a Reynolds Metals. A operação alterou a composição acionária da Latasa, maior fabricante de latas de alumínio do mercado brasileiro, e levou novos ares à companhia. Desde 1997, ela vinha colecionando prejuízos, que somam mais de R$ 140 milhões, acumulando dívidas (hoje beirando os R$ 500 milhões) e tentando contornar a crise aberta com o anúncio da Reynolds, em 1997, de se retirar do negócio. Em reuniões nas duas últimas semanas, os executivos da gigante do alumínio já adiantaram aos dirigentes da Latasa que programam investir na reciclagem de garrafas plásticas do tipo PET (polietileno tereftalato), aproveitando a estrutura industrial da empresa brasileira, dona de uma das mais modernas tecnologias na área. ?Há uma grande sinergia a ser explorada?, anima-se o presidente da Latasa, José Carlos Martins. Apesar da boa disposição da Alcoa e da Latasa, nenhuma das empresas envolvidas adiantou detalhes do negócio. ?Estamos estudando o desenvolvimento do sistema?, explica o diretor de reciclagem da Latasa, José Roberto Giosa.
Como, na prática, a megafusão dá à Alcoa poderes de sócia majoritária, a empresa desembarca na Latasa com uma participação de 35%, que pertencia antes à Reynolds. As outras fatias do bolo acionário são do Bradesco (dono de 40%) e do JP Morgan (12%). O restante ? 13% ? está pulverizado nas mãos de acionistas minoritários. A Alcoa (faturamento no Brasil de R$ 2,5 bilhões) quer viabilizar o projeto de reciclagem das embalagens plásticas a partir da otimização do parque industrial da Latasa, hoje abatido por uma capacidade ociosa de 30%. ?As linhas de produção paralisadas podem voltar à ativa a qualquer momento?, avisa Martins. O caminho é promissor, reconhece o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Embalagens de PET, Alfredo Sette. ?Esse é um mercado emergente?, ressalta. Em 1999, o volume de garrafas recicladas totalizou 50 mil toneladas, significando uma expansão de 30% em comparação com o ano anterior. O plástico reaproveitado tem inúmeras aplicações. Ele se transforma em fio têxtil, cordas, enchimento para travesseiros e edredons e até garrafas para material de limpeza e agrotóxicos. Sua aplicação só não pode se estender a alimentos, por exigência do Ministério da Saúde. Para os próximos meses, porém, o setor de PET deve ganhar um estímulo valioso. Empresas como Rhodia-ster, Amcor-Injepet e Sipa estão desenvolvendo tecnologia para o engarrafamento de cerveja nas embalagens de polietileno. ?O grande desafio é criar uma garrafa plástica que mantenha as propriedades da bebida e que não a encareça?, observa Marcos Mesquita Coelho, superintendente do Sindicato Nacional da Indústria das Cervejarias. ?Se a indústria conseguir chegar a esse produto, haverá um espaço crescente para ele entre as embalagens descartáveis, como é o caso das latas?, acrescenta.
Mudanças. Toda essa agitação em torno do tema reciclagem é um alento para a Latasa. ?Traz perspectivas positivas para a empresa?, festeja Martins. Ele tem bons motivos para comemorar. Desde julho do ano passado, o executivo conduz um austero programa de reestruturação. Sua missão: fazer com que a fragilizada fabricante reagisse e voltasse a se reposicionar no mercado. Não foi uma tarefa fácil. A companhia, que reinou absoluta no mercado brasileiro por cinco anos, foi profundamente abalada pela chegada em 1996 das concorrentes (a American National Can, a Ball e a Crown Cork) e pelas incertezas geradas com a decisão da Reynolds, anunciada no ano seguinte, de se retirar do negócio. ?Isso nos deixou muito enfraquecidos?, desabafa Giosa. Para tirar a companhia da paralisia, o presidente da Latasa partiu para a luta. Ajustou a produção, alongou o perfil do endividamento e reduziu custos. Os resultados do primeiro trimestre deste ano sinalizam o êxito das decisões: pela primeira vez, nos últimos dois anos, a empresa apresenta um balancete no azul. O período foi fechado com lucro de R$ 14,9 milhões, contra um prejuízo de R$ 120 milhões em 1999.
O desempenho da Latasa tem sido acompanhado por um espectador muito especial, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias. Ex-vice-presidente do Bradesco, ele foi um dos maiores críticos da conturbada administração da Latasa entre 1996 e 1999 e defensor severo de uma intervenção do banco na empresa. A indicação de Martins pelo Bradesco é resultado disso. Em recente encontro casual com o presidente da companhia, Tápias revelou conhecer detalhes da atuação da companhia e confessou interesse por um programa que estimule a reciclagem no País. O assunto, porém, não é novo na pasta. Em 1998, o então ministro José Botafogo Gonçalves assinou a portaria nº 92 criando um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar proposta para o Programa Brasileiro de Reciclagem. A idéia não avançou, apesar de, neste ano, ter emergido com os debates do governo e da indústria automotiva sobre renovação da frota brasileira. De qualquer jeito, em 1999, 73% das latas de alumínio produzidas foram reaproveitadas no País. O índice é resultado da iniciativa de empresas como a Latasa, que enxergam no processo razões econômicas e sociais. A fabricação de produtos a partir de material reciclado garante economia de energia e, portanto, redução de custos. No âmbito social, o ganho pode ser medido pelo número de pessoas sem emprego beneficiadas pela coleta das populares latinhas: são mais de 150 mil que vivem exclusivamente dessa atividade.