27/07/2018 - 21:52
A força-tarefa da Operação Lava Jato, em São Paulo, denunciou à Justiça Federal nesta sexta-feira, 27, o ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande Lourenço – preso pela Operação Pedra no Caminho desde junho – por supostos desvios nas obras do trecho Norte do Rodoanel. Além de Laurence, que foi secretário de Logística e Transportes do Governo Alckmin (PSDB), outros 13 investigados são acusados por crimes de fraude à licitação, falsidade ideológica e organização criminosa.
O Ministério Público Federal também requereu que seja aberto um inquérito em separado para apurar corrupção e crimes financeiros. Laurence Casagrande Lourenço nega qualquer irregularidade.
Inicialmente, a Pedra no Caminho havia calculado prejuízos de R$ 600 milhões. A denúncia aponta que acréscimos indevidos geraram impacto financeiro de R$ 480 milhões, que correspondem ao superfaturamento por meio da manipulação proposital de quantitativos nos contratos.
A acusação mira fraudes nas licitações dos lotes 1, 2 e 3 do trecho norte do Rodoanel. Oito denunciados são ligados à Dersa e quatro são funcionários de construtoras responsáveis pelos lotes – OAS, Mendes Júnior e Isolux. Todos foram alvos da Operação Pedra no Caminho, deflagrada em 21 de junho.
A denúncia aponta que o esquema “operou fraudes no trecho norte do Rodoanel entre outubro de 2014 até a deflagração da operação”. As obras tiveram aporte de recursos federais por meio do convênio 04/99, firmado pelo DNIT, pela Dersa, pelo Estado de São Paulo e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Segundo a Procuradoria da República, os crimes começaram com a celebração de Termos Aditivos ao Contrato n. 4.349/2013, firmado com a OAS no Lote 2, em outubro de 2014. O aditivo previa a inclusão de serviços de remoção de matacões (rochas) a céu aberto, o que acabou estendido também para os lotes 1, 3, 4 e 5 da obra.
A denúncia aponta que Laurence Casagrande Lourenço elevou “arbitrariamente” valores da obra do trecho norte do Rodoanel e também adequou “novas planilhas de preços e serviços sem justificativa”.
O Ministério Público Federal afirma que “a investigação não encontrou indícios de irregularidades no lote 6”, mas há indícios de fraudes nos lotes 4 e 5, que são objeto de uma apuração conjunta da Procuradoria com Polícia Federal, Controladoria-geral da União e Tribunal de Contas da União.
Os investigadores afirmam que os aditivos se baseavam na “presença inesperada” dos matacões que precisavam ser removidos. A Procuradoria aponta que, desde o projeto básico do Rodoanel, já se sabia que o trecho norte passaria pela rochosa Serra da Cantareira e que a questão geológica era prevista.
O projeto básico se lastreava em pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP, que há 60 anos estuda a região do empreendimento. A remoção dos matacões, portanto, já era um custo que compunha os preços previstos para cada lote.
Os acréscimos indevidos geraram impacto financeiro calculado pelo Ministério Público Federal em torno de R$ 480 milhões, que correspondem ao superfaturamento por meio da manipulação proposital de quantitativos nos contratos. Na denúncia, a Procuradoria requereu que este valor seja o mínimo para reparação. Segundo o Tribunal de Contas da União, somente os aditivos contratuais geraram um prejuízo de R$ 235 milhões aos cofres públicos.
Também foram denunciados por associação criminosa os ex-engenheiros fiscais dos lotes 4 e 5, Adriano Francisco Bianconcini Trassi e Hélio Roberto Correa, respectivamente, por terem encaminhado pedidos de composição dos preços dos consórcios responsáveis por estes dois trechos: Construcap-Copasa e Acciona Infraestructuras.
Como funcionava o esquema
A Lava Jato aponta que o esquema, para atender as solicitações das construtoras, os engenheiros fiscais recomendavam sem ressalvas a aprovação das propostas de ajustes indevidos para o gestor do contrato, que também dava seu aval e encaminhava as propostas de aditivos para aprovação da diretoria colegiada, composta por Laurence Casagrande, Pedro da Silva, Silvia Aranega e Benjamim Venâncio.
O núcleo financeiro da organização criminosa é objeto de investigação ainda em andamento. Foram identificadas movimentações realizadas por laranjas em contas de passagem, mediante estratégias de ocultação da origem desses valores obtidos criminosamente.
De acordo com o Ministério Público Federal, as fraudes nos contratos dos lotes 1, 2 e 3, se deram com a participação de 12 dos 14 denunciados. A denúncia aponta que os acusados violaram dispositivos da lei de licitações: art. 92 (possibilitar vantagem ao contratado por meio de modificação ou prorrogação de contrato sem autorização legal ou no edital da licitação) e o art. 96, incisos I e V (fraudar licitação por meio de superfaturamento, onerando os cofres públicos).
As fraudes se deram por meio de superfaturamentos que foram lastreados em cinco aditivos contratuais nos lotes 1, 2 e 3, assinados entre outubro de 2014 e setembro de 2015, e celebrados com aparência de regularidade do ponto de vista contábil, para não atrair a fiscalização do BID.
Os aditivos incluíram novos serviços, como desmonte de rochas, explosões e escavação para terraplanagem, por exemplo, sob a justificativa de que as condições encontradas nas obras eram mais severas que as previstas na época da licitação. Apesar de a Dersa ter sido alertada em maio de 2016, por meio de um relatório do IPT, de que a presença de matacões e blocos de rocha naquele ambiente geológico era previsível, a empresa seguiu pagando pela remoção de rochas até fevereiro de 2017.
Apenas com serviços relacionados aos matacões, nos lotes de 1 a 5, a Dersa desembolsou quase R$ 132 milhões. O superfaturamento dos contratos era disfarçado por uma prática conhecida como “jogo de planilhas”, que consiste na redução de itens dos contratos para que os valores acrescidos não chamem a atenção. É com este jogo que as construtoras obtêm lucros exorbitantes nas obras, segundo a denúncia, pois assim recuperam os descontos ofertados para ganhar a licitação.
Os investigadores registram que, nos lotes 2 e 3, a OAS contratou, em abril de 2016, por R$ 54 milhões, a empresa Toniolo Busnello para a execução da escavação de dois túneis. Tal terceirização, embora vedada nos editais de pré-qualificação e da licitação, foi permitida pela diretoria da Dersa. A autorização e o pagamento da subcontratação foram feitos um ano depois, por meio de resoluções da diretoria da empresa.
A denúncia imputa a 9 dos 14 denunciados o crime de falsidade ideológica. No lote 1 (Consórcio Mendes Júnior / Isolux / Corsan) foi inserida declaração falsa na planilha de serviços e preços ao se reduzirem as quantidades de execução de concreto projetado. A farsa foi montada para evitar “impacto financeiro” e impedir objeção do BID.
No lote 2 (OAS) foram reduzidos itens de concreto para túneis também para diminuir o valor do contrato e evitar objeção do banco que financiou a obra.
Além da denúncia, a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo pede a abertura de novos inquéritos policiais para apurar especificamente os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, além dos relacionados às fraudes licitatórias nos lotes 4 e 5 do Rodoanel Norte. No mesmo documento, o Ministério Público Federal requereu que os funcionários da Dersa sejam afastados de funções públicas que ainda eventualmente ocupem com o objetivo de evitar que voltem a cometer crimes.
A procuradora da força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo Anamara Osório Silva afirmou, nesta sexta-feira, 27, que uma organização criminosa está enraizada na Dersa há mais de 10 anos. As declarações foram feitas à imprensa no momento em que ela compareceu à Justiça Federal para protocolar a denúncia.
Defesas
Em nota, o ex-governador Geraldo Alckmin afirmou que espera que, respeitado o amplo direito de defesa, Justiça seja feita.
A DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S/A reitera que “juntamente com o Governo do Estado é a maior interessada na elucidação do caso. Havendo qualquer eventual prejuízo ao erário público, o Estado adotará as medidas cabíveis, como já agiu em outras ocasiões”.
O advogado Daniel Bialski, que defende Pedro Paulo Dantas do Amaral Campos, afirmou: “A denúncia apresentada pelo MPF é inepta. Além de abusar de ilações, vendo ilicitude aonde não há, em sua grande parte relaciona Pedro Paulo em fatos ocorridos em época em que NÃO EXERCIA qualquer função na obra. A defesa vai explorar esses equívocos para mostrar o abuso dessa acusação e buscar a rejeição da peça acusatória”.
Já o criminalista Eduardo Carnelós, defensor de Laurence Casagrande Lourenço, divulgou a seguinte nota:
“A defesa de Laurence Casagrande acabou de ter conhecimento da denúncia. Não a comentará em detalhes, pois fará isso no processo, embora ela já fosse esperada, como o foi a decisão de indiciamento, pois nem a Polícia Federal nem o Ministério Público Federal pretenderam apurar os fatos, mas construir uma tese acusatória a partir de premissas falsas e distorcidas e que serviram à deflagração da operação, com a prisão de Laurence.
Mantê-lo preso, aliás, interessa aos acusadores, mesmo sem motivo jurídico, porque isso cerceia – ou quase impede – o exercício da defesa dele, que fica privado do acesso aos documentos com os quais poderia demonstrar a inconsistência das acusações.
É importante, porém, que a opinião pública perceba que o caso de Laurence é muito diferente de outros que vieram à tona nos últimos anos por meio de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Está preso o homem errado.
O cerne da investigação são aditivos contratuais relativos à construção do trecho norte do Rodoanel. O principal deles diz respeito a imensas rochas encontradas no caminho (chamadas matacões), cuja retirada as empresas alegam que não estava prevista em contrato.
As empresas diziam – e dizem ainda – que haviam sido contratadas para promover a retirada de material chamado de 3ª categoria, que envolveria terra e pedras, mas não rochas daquelas dimensões encontradas. É fundamental destacar que, conforme admitem as regras do BID, que financiou a obra, a licitação foi feita apenas com o projeto básico, e o projeto executivo ficou pronto muito tempo depois, o que pode mesmo levar a diferenças de quantidades e qualidades de serviços a serem realizados. (…)”
Também em nota, o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, que defende Pedro da Silva, afirmou: “A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal narra uma versão dos fatos que não tem amparo na própria realidade documental do Dersa. Não houve nenhum tipo de vício ou de fraude no procedimento licitatório do Rodoanel ou qualquer obra do Dersa.
A defesa nega veementemente as acusações.
Tenho absoluta convicção que, uma vez iniciado o processo, quando as pessoas se debruçarem sobre ele, vai ficar muito clara a inocência do Pedro”.
O advogado Cássio Cubero também se manifestou. “Com a denuncia será oportunizada a defesa que demonstrará a inocência do Sr Pedro. Não há prova de qualquer vantagem ilícita, apenas ilações técnicas trazidas pela acusação que não tem expertise para tanto”.