24/01/2014 - 6:30
Na tarde da quinta-feira 23, a agenda de Alex Ibrahim, vice-presidente da Bolsa de Nova York, a Nyse, registrava duas teleconferências com diretores financeiros de empresas brasileiras. Enquanto um deles iria discutir a possibilidade de listar as ações de sua empresa na Nyse, o outro queria conversar sobre uma possível oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), nos Estados Unidos. Reuniões em português têm sido cada vez mais frequentes no dia a dia de Ibrahim desde o fim de dezembro, quando o Ministério da Fazenda retirou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) dos American Depositary Receipts (ADRs) ? papéis negociados no mercado americano que representam ações de empresas não americanas.
Com jeitinho brasileiro: o Brasil é o segundo país com mais ADRs listados na Nyse, só perdendo
para a China. Mas o apetite por papéis brasileiros é muito maior
É que, sem essa taxa e com a melhora do humor dos investidores e do câmbio, os ADRs podem voltar a ser uma opção para companhias abertas brasileiras levantarem recursos e aumentarem a liquidez de suas ações, além de proporcionarem mais uma alternativa para os investidores. Hoje, o Brasil possui 30 recibos como esses listados na Nyse que movimentam um volume maior do que todas as ações na BM&FBovespa juntas. O giro é tão grande que, dos dez ADRs mais negociados na bolsa americana, que movimentam diariamente 17 milhões de papéis, cinco são brasileiros (veja quadro ao final da reportagem).
?Existe uma janela de oportunidade para novas emissões até junho, antes da Copa do Mundo, que só vai voltar a se abrir depois das eleições?, diz Ibrahim. É por isso que está prevista a listagem de duas companhias já no próximo mês, assim que a Securities and Exchange Commission (SEC), o xerife do mercado dos Estados Unidos, aprovar os pedidos. Ao que tudo indica, uma delas será a da BB Seguridade, que, no ano passado, abriu capital e levantou R$ 11,4 bilhões. Em outubro, a empresa de seguros do Banco do Brasil aprovou emissão de ADRs nível 1 e, com ajuda do Deutsche Bank, deu entrada no processo no Exterior.
Marcelo Labuto, presidente da BB Seguridade: conselho de administração
aprovou a emissão de ADR nível 1, em outubro
Também estão em compasso de espera as três companhias que anunciaram listagem, em 2013, mas decidiram adiar a oferta de ações nos dois países. É o caso da Votorantim Cimentos, Azul Linhas Aéreas e Queiroz Galvão Óleo e Gás. O Santander Brasil foi a última companhia brasileira a levantar recursos por meio de ADR, ainda em 2009. Os papéis da BrasilAgro foram listados na Nyse em 2012, mas sem captar recursos novos. Para Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa, esse suposto desinteresse das companhias pelo mercado americano ? dado o jejum de operações ? se explica pela facilidade de acesso ao Brasil.
?Hoje, 46% do nosso mercado está nas mãos dos estrangeiros, então não existe a necessidade de se listar no Exterior?, afirma. Outro motivo é o fato de menos companhias buscarem o mercado de capitais brasileiro. Um dos termômetros é a quantidade de IPOs realizados nos últimos anos. ?As ofertas que não foram adiadas saíram, na maioria das vezes, abaixo da faixa indicativa de preço e a liquidez foi pequena?, afirma Ibrahim. Para o presidente da BM&FBovespa, existe um enorme potencial para aberturas de capital em 2014. ?No entanto, este será um ano de desafios?, diz. ?Se levantarmos um volume financeiro igual ao de 2013, será muito bom?, recordando os R$ 23,2 bilhões captados entre ofertas iniciais e subsequentes.
Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa: “Hoje, 46% do nosso
mercado está nas mãos dos estrangeiros”
Se no Brasil esse volume foi obtido com muito suor (e graças à BB Seguridade), nos Estados Unidos a situação foi bem diferente: 2013 foi um ano para entrar para a história. Somente na Nyse foram realizados 157 IPOs, que somaram US$ 59 bilhões. Os ADRs da TIM surfaram nessa onda. Os papéis tiveram a maior valorização entre as companhias brasileiras, com 37,5%, seguidos pelos da Braskem, com 33,7%, e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com 17,7%. Em 2014, no entanto, a lanterninha do mercado assumiu a liderança. A Oi é a primeira colocada na corrida, com uma alta de 15,1%, depois de amargar queda de 53,1%, em 2013.
Para o investidor brasileiro, a retomada do interesse pelos ADRs é um bom sinal, porque significa novas oportunidades de aplicações e até de arbitragem. Nessa operação, o investidor compara os preços dos ativos no Brasil e no Exterior, assim como os custos de corretagem e a diferença cambial. Se houver discrepância, ele compra papéis no país em que estiver mais barato e vende no lugar em que estiver mais caro. Por isso a retirada do IOF é tão importante. Antes da queda da taxa, quem quisesse comprar um ADR teria de acrescentar 1,5% de imposto ao preço final. Sem essa exigência, fica mais fácil fazer comparações. ?Os valores passaram a ser mais compatíveis, ou seja, ficaram mais baratos no Brasil?, explica Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo.
Alex Ibrahim, vice-presidente da Nyse: “Existe uma janela
de oportunidade para novas emissões até junho”
A história do vaivém do imposto começa em 2009, quando o governo brasileiro decidiu taxar a entrada de capital estrangeiro, temendo uma enxurrada de recursos. Com isso, colocou um pedágio de 1,5% para investimentos em renda variável. Para não criar discrepâncias, a Receita também tributou as novas emissões de ADRs na mesma proporção. Em 2011, quando a crise internacional reduziu o risco de uma inundação de dólares, o governo suspendeu a medida a fim de atrair capital para a bolsa brasileira. Contudo, apenas no fim de 2013 o imposto foi zerado para os papéis emitidos lá fora. ?O objetivo da medida é adequar a regulamentação tributária atualmente em vigor no País?, diz o Ministério em um comunicado.
?Naquele momento, a medida visava ao fortalecimento do mercado de capitais brasileiro.? Passado o temor de uma invasão de estrangeiros, agora as fronteiras foram abertas. ?Devemos ver maior número de arbitragens e de emissões de ADRs, já que muitos fundos só podem investir em papéis listados nos Estados Unidos?, diz José Hudson, diretor da principal corretora mexicana GBM. Os investidores que têm interesse em fazer esse tipo de operação precisam ter uma conta numa corretora ou num banco que tenha acesso ao mercado americano, e os recursos têm de ser enviados para fora por meio de operações de câmbio registradas e controladas pelo BC.
Os ADRs, claro, têm de ser declarados no Imposto de Renda. É bom lembrar que nem todos os ADRs são negociados diretamente na bolsa dos Estados Unidos. Por Wall Street, só passam aqueles que atingiram o terceiro nível de exigências, que é o equivalente a uma abertura de capital no Exterior. No nível 1, por exemplo, os papéis são colocados em negociação conforme a demanda dos investidores e são comprados e vendidos no mercado balcão. O nível 2, por sua vez, é uma transição dos dois outros patamares e prepara a companhia para uma oferta inicial de ações, já que a empresa passa a ter maiores obrigações com a SEC.