DINHEIRO ? Por que o dólar disparou, se tanta gente no mercado avalia que a moeda brasileira está muito mais desvalorizada do que deveria?
LUIZ CEZAR FERNANDES ?
Tipicamente, o Brasil está sendo vítima de um movimento especulativo no mercado de câmbio. Quando isso acontece, o primeiro lance é feito pelos operadores, nas mesas de câmbio dos bancos. São as pessoas com mais sensibilidade, que estão no mercado e que têm na mão o termômetro da economia. Esses caras fazem o primeiro movimento de corrida pelo dólar. A partir daí, passa a existir um envolvimento generalizado dos investidores. Falo do público em geral. É gente que tem alguns dólares, no Brasil ou no exterior, e que começa a se preocupar e a pensar em se proteger. Hoje, o Brasil já está nesse estágio. É uma nova corrida, num movimento de formiguinhas. Individualmente, cada um remete um pouco, mas quando se soma tudo o que essa gente manda para fora, dá um volume considerável. É o que está acontecendo agora.

DINHEIRO ? Mas por que tanta procura pelo dólar num preço tão alto?
FERNANDES ?
Esse tipo de investidor não tem noção de preço. O operador de um banco sabe o valor máximo até onde ir. As pessoas comuns, que entram depois nessa corrida, tentam se defender sem fazer contas. É esse o grande problema do mercado de câmbio. A direção do dólar, para um lado ou outro, só é dada quando o que eu chamo de formiguinha começa a operar, de uma forma que nem sempre é racional.

DINHEIRO ? Mas o dólar também subiu por razões estruturais, como o grande déficit externo e a escassez de financiamento externo para a
economia, não?
FERNANDES ?
Acho que é importante qualificar o que aconteceu. Quando o dólar passou de R$ 2,30 para R$ 2,50 e ficou algumas semanas nesse nível, a razão foi o movimento dos operadores nos bancos. Claro que, por trás disso, está a escassez de financiamento externo. Nessa alta, há um componente meio irracional, que é o comportamento das multinacionais que buscam proteção a qualquer preço. Quem não fizer o chamado hedge corre o risco de perder a cabeça. A ordem vem diretamente das matrizes. Isso ajudou a puxar o dólar a R$ 2,70. Mas essa onda das multinacionais acabou. Agora, é o cara que viu o dólar a R$ 1,80 e não fez nada, viu a R$ 2,30 e também não fez nada, e passa a acreditar que pode perder ainda mais. É a corrida das formiguinhas.

DINHEIRO ? É o sujeito que, se não entrar na corrida, acha que será mais uma vez o trouxa…
FERNANDES ?
E que acaba sendo o trouxa. Agora, é preciso reverter a expectativa das pessoas que estão comprando dólares e remetendo dinheiro para fora. Lançar títulos cambiais não adianta muito, porque não é isso o que esse investidor procura. Ele quer moeda. Para a multinacional e para os bancos internacionais, o papel cambial até cai bem, mas não é esse o caso. Qual seria a solução? Os Estados Unidos acabam de anunciar que vão entrar em todos os paraísos fiscais e abrir as contas em que haja algum tipo de suspeita. Movimentar o dinheiro de um investidor nesses paraísos ficou bem complicado para os bancos. Por isso, eu vejo uma oportunidade para a repatriação dos recursos.

DINHEIRO ? A atuação dos Estados Unidos nos paraísos fiscais não estaria focada apenas nas contas dos terroristas?
FERNANDES ?
O que os Estados Unidos estão fazendo é a invasão dos paraísos fiscais, de qualquer maneira. Por isso, o governo americano está brigando com os grandes bancos, que tentam, de alguma forma, preservar o sigilo. A primeira etapa dessa guerra já ficou clara. É a corrida atrás do dinheiro. Mas o que acontece em função disso? Todos os países resolveram trocar figurinhas. Se uma pessoa tem uma conta em Grand Cayman e o governo americano acha interessante, a Receita Federal vai acabar tendo conhecimento disso. Aquela conta que estava lá quietinha pode, de repente, entrar na relação do governo brasileiro. O investidor que mandou US$ 20 mil ou US$ 200 mil para o exterior, de repente, será surpreendido por uma conta que não tinha a menor importância. Obviamente, os bancos vão tentar constituir mecanismos para proteger seus clientes, mas acho que é melhor legalizar esse dinheiro.

DINHEIRO ? Como isso seria feito?
FERNANDES ?
Uma alternativa seria a Receita cobrar apenas 5% de todos aqueles que quisessem repatriar recursos para o Brasil. Seria um imposto pago no ingresso dos dólares. Para trás, a Receita daria isenção total. Quem trouxesse US$ 20 mil ou US$ 200 mil, seja lá que quantia, pagaria 5% e teria um passado de anistia.

DINHEIRO ? Em quanto se estima o capital evadido por brasileiros?
FERNANDES ?
Os bancos internacionais estimam que o dinheiro dos brasileiros lá fora fique entre US$ 30 bilhões e US$ 60 bilhões. É um volume até pequeno em relação à Argentina, em que se calcula algo próximo a US$ 130 bilhões.

DINHEIRO ? Por que há essa discrepância?
FERNANDES
? A evasão de divisas na Argentina vem desde o século passado.
É um processo que já pegou umas três
ou quatro gerações de argentinos.
No Brasil, isso começou nos anos 80,
com a estagnação da economia. O imposto de 5% no reingresso nem seria a única alternativa. É uma proposta para quem quer gerar caixa. Mas se a intenção é reduzir a dívida externa, o governo poderia sugerir que os investidores recomprassem títulos no exterior, dando a eles reais no Brasil. Evidente que, nesse caso, o governo deveria exigir algum
desconto para punir de alguma forma quem expatriou
divisas. Eu, pessoalmente, acho que o governo poderia jogar
com as duas moedas.

DINHEIRO ? Mas isso não significa perdoar também os supostos US$ 200 milhões que o ex-prefeito Paulo Maluf teria nas ilhas Jersey? Ou perdoar quem mandou recursos ilegalmente para fora do País?
FERNANDES ?
Mas é isso mesmo. Lá fora, existem recursos, basicamente, que são fruto de burla fiscal. O suposto dinheiro de corrupção dificilmente virá, até porque um político não pode assumir que tem grandes quantias no exterior. Mas isso não é o grosso. A grande maioria é o pingadinho mesmo. Quando eu sugiro essa anistia fiscal, eu estou preocupado com o empresário que tem um dinheirinho ou um caixa dois lá fora. É um capital que pode ser legalizado. O foco não é a corrupção, um negócio em que cinco ou seis caras têm dinheiro substantivo. Somado é menos do que o pingadinho do caixa dois de milhares de pessoas. Eu gostaria de trazer de volta o empresário, o médico ou o profissional liberal que, em algum momento, mandou dinheiro para o exterior e hoje tem receio em reingressar.

DINHEIRO ? Se existem, de fato, US$ 60 bilhões lá fora, é praticamente a necessidade de financiamento externo do País em um ano. Isso estabilizaria o mercado de câmbio?
FERNANDES ?
Acho que esse dinheiro todo não viria. Mas repatriar 20% disso já é algo bem relevante. Ajudaria na travessia de um período complicado para a economia brasileira. É uma medida de inteligência fiscal, com impactos muito positivos na área cambial.

DINHEIRO ? E a aposta do governo, de apenas insistir em promover as exportações?
FERNANDES ?
Fiz uma aposta com um amigo de que, com o
dólar a R$ 2,80, as exportações seriam menores do que com a moeda americana a R$ 2,30. Nenhum exportador enxerga esse câmbio como algo estável e duradouro. Além disso, o mercado mundial se fechou e o Brasil não tem muito o que exportar. São necessários alguns anos para efetivamente orientar as empresas brasileiras para o mercado externo.

DINHEIRO ? Muitos economistas passaram a defender a centralização de câmbio, como uma alternativa para segurar o dólar. É uma boa alternativa?
FERNANDES ?
Quando o Brasil fez isso no passado, acabou criando uma movimentação maior por fora, no mercado paralelo, do que por dentro. O governo perdeu o controle da situação. Acho que é muito mais interessante estar com o termômetro na mão e saber a temperatura do que, simplesmente, quebrar o termômetro.

DINHEIRO ? Voltando à anistia, não seria difícil legitimar essa ação perante a opinião pública? A proposta poderia ser comparada a um programa como o Refis, em que a Receita, de certa forma, também perdoou o passado?
FERNANDES ?
O Refis foi um programa em que a Receita decidiu reprogramar dívidas confessas das empresas, que estavam lá direitinho nos livros. Não era burla fiscal, propriamente. Foi inteligente porque as empresas que não pagavam nada passaram a transferir 1% do faturamento para a Receita. Mas o Refis não pegou o caixa dois que, ao que parece, é o que o secretário Everardo Maciel está procurando, com o cruzamento dos dados da CPMF. Esse é um imposto que o Fernando Henrique já deveria ter retirado das bolsas de valores há muito tempo para tentar reverter as expectativas negativas em relação ao Brasil. Daria um bom efeito psicológico no mercado.

DINHEIRO ? Esse cruzamento de dados da CPMF não teria também assustado alguns empresários e investidores?
FERNANDES ?
Certamente. Como as pessoas e empresas não conseguem casar a movimentação financeira com as suas declarações, a CPMF hoje é o maior arrecadador de caixa dois. Mas também é o maior incentivo para que um empresário mande seu dinheiro para fora do País. É um estímulo para o sujeito expatriar dinheiro. Quando a gente coloca no mesmo saco a CPMF, a determinação da Receita em instaurar mais processos e a própria instabilidade no Brasil e no mundo, criou-se uma corrida do ouro em relação ao dólar. É preciso, agora, tentar inverter essa tendência. O Brasil sempre teve medo de fazer isso no passado por achar que, no ano seguinte, os empresários aumentariam o caixa dois, esperando um novo perdão. Temia-se criar o precedente. Agora, o governo pode usar o argumento adequado. De um lado, os EUA querem abrir os paraísos fiscais. De outro, o governo brasileiro tem a CPMF. Dá para atingir o coração do sonegador. Agora, é só criar incentivos para que as pessoas repatriem esse dinheiro.

DINHEIRO ? Mas se a Receita já tem a faca e o queijo na mão, por que conceder um perdão?
FERNANDES ?
É uma faca, como dizia o Vicente Matheus, do Corinthians, de dois legumes. É tanta gente que a Receita pode ser incapaz de processar essas informações.

DINHEIRO ? Sendo um grande empresário, o sr. não teme ser acusado de legislar em causa própria?
FERNANDES ?
Não, até porque todo o meu dinheiro está no Brasil, declarado, de forma totalmente legal.