Uma norma no Peru que proíbe empresas que admitirem atos de corrupção de trabalhar com o Estado, caso da Odebrecht, pode desestimular outras companhias a reconhecerem irregularidades para não ficar de fora de projetos de infraestrutura importantes para a economia do país.

A Odebrecht admitiu em um pré-acordo judicial ter pago 29 milhões de dólares em propinas no Peru para vencer a licitação de obras públicas. Enquanto no Brasil e nos Estados Unidos pôde continuar participando de obras públicas após ser multada e processada, o governo de Pedro Pablo Kuczynski foi mais drástico.

Um decreto de fevereiro passado do Poder Executivo impede que firmas envolvidas em corrupção, no Peru ou no exterior, façam contratos com o Estado, que costuma ser o maior cliente de muitas companhias.

A regra foi celebrada por políticos e cidadãos, que têm protestado contra a empreiteira. De acordo com a nova lei, nada pode ser vendido, nem transferido sem autorização do Estado, porque antes é preciso garantir uma reparação civil, ainda em cálculo. A Odebrecht tem no Peru ativos da ordem de 2,5 bilhões de dólares.

– Limita as confissões –

Depois da Odebrecht, nenhuma outra empresa supostamente envolvida em corrupção teve se aproximou da Justiça do Peru. Para algumas autoridades, a norma pode estar tendo um efeito contrário ao desejado.

“É importante refletir sobre esta norma, porque uma empresa é mais que seus sócios, ela também envolve seus funcionários, seus fornecedores, seus consorciados e a própria sociedade”, argumenta o defensor público Walter Gutiérrez, em entrevista coletiva para a imprensa estrangeira.

“Isso de maneira alguma quer dizer que não paguem multas, nem que quem cometeu delitos deixará de assumir suas responsabilidades penais. Mas essa medida nos preocupa porque pode deter o fluxo de informação, e gerar problemas para a investigação”, acrescentou.

No mundo, empresas como a Volkswagen têm reconhecido irregularidades, purgado suas culpas e seguem operando, lembra Gutiérrez. Ele mencionou “um software que serve para acompanhar a lavagem de dinheiro, utilizado por muitos países na Europa e nos Estados Unidos, pertence a IBM, que também foi sancionada por corrupção (na Argentina)”.

O próprio juiz Sergio Moro afirma que o comportamento das empresas que reconheceram delitos, “deve ser estimulado”, e pediu para que não sancionem essas mais severamente do que a aquelas que não fecharam acordos, pois isso pode desincentivá-las.

– Danos colaterais –

A Odebrecht reduziu seu quadro de funcionários no Peru de 20.000 para 4.000 trabalhadores no último ano. O embargo de suas contas gerou uma ruptura da rede de pagamentos com dívidas de cerca de 450 milhões de dólares a 700 fornecedores.

“A corrupção tem que acabar e os responsáveis têm que ir para a prisão. Mas ninguém prevê o problema social. Os executivos envolvidos já estão pagando, por que nós trabalhadores temos que sofrer?”, questiona César Sarria, gerente de Comunicações, em nome dos trabalhadores da construtora.

O que começou como uma norma exemplificadora atinge agora as empresas peruanas que trabalharam em consórcio com a brasileira. A Procuradoria considera que as peruanas Graña y Montero, J.J Camet e Ingenieros Civiles e Contratistas Generales sabiam do pagamento de 20 milhões de dólares feito ao então presidente Alejandro Toledo para vencer a licitação da rodovia interoceânica, que une Peru e Brasil.

A Graña, maior construtora do país, viu suas finanças afetadas. Lamentou que os peruanos “se sentiram enganados pela empresa”, de 28.000 trabalhadores, e encarregou investigações internas, mas não admite culpa.

As construtoras hoje são vitais para o Peru. A reconstrução por inundações por causa do “El Niño Costeiro” demandará um investimento de até 9 bilhões de dólares, segundo o governo.

“Mais do que proibir, peço a essas empresas (envolvidas com a Odebrecht) a não participar nos processos (de licitação) durante a reconstrução”, disse o presidente do Conselho de Ministros, Fernando Zavala.

A poderosa oposição fujimorista, controlada pelo Congresso, pretende modificar o decreto do Executivo para que também fiquem impedidas de contratar com o Estado empresas investigadas, antes da condenação.

Vários projetos estão parados, à espera de clareza. O ramo da construção se contraiu 3,81% em março. “Vamos sair de um setor parado para procurar emprego”, diz Sarria.