09/03/2001 - 7:00
Podem chamá-lo de última esperança, última chance, até último tango. Ricardo López Murphy, o novo ministro da Economia argentino, é tudo isso. Se ele não fizer o país crescer nos próximos meses, o vizinho e sócio principal do Mercosul entrará em convulsão. Depois de 31 meses de recessão e 14 meses de governo de Fernando de la Rúa, a Argentina está à beira de um colapso ? mais pobre, mais endividada, mais desarvorada do que nunca. O momento equivale, na história do Brasil, àquele terrível janeiro de 1999, quando Armínio Fraga assumiu o Banco Central.
Se a desvalorização da moeda se aprofundasse, se a inflação sobreviesse e o Plano Real naufragasse, a presidência de Fernando Henrique teria pouco menos que acabado. Murphy, de 49 anos, que assumiu na semana passada em lugar de Jose Luís Machinea, é o Fraga deles. É maior, mais gordo, mais temperamental e, provavelmente, mais fundamentalista, mas tem a mesma responsabilidade. Se o plano de ajuste neoliberal que ele está costurando não der certo, De la Rúa será posto em formol político e alguém mais irá assumir o poder de fato. ?Ele vai ter algum tempo de tranqüilidade; depois, ninguém sabe?, prevê o ministro da Fazenda, Pedro Malan. Na Argentina, se diz coisa pior. ?Já houve uma blindagem e não haverá outra?, resume o economista Juan Bour, referindo-se ao empréstimo de US$ 40 bilhões que a Argentina ganhou do FMI no mês passado. ?Esta é a última oportunidade.?
Circula na praça uma piada tétrica, que tem por mote o sobrenome do novo ministro: se a conhecida Lei de Murphy diz que tudo que pode dar errado dará, e o plano de Murphy é a última esperança da Argentina, quais são as chances do país? Descontada a galhofa, a situação é mesmo paradoxal. Neoliberal fervoroso, Murphy, que deixou o Ministério da Defesa, pretende debelar a recessão com uma dose extra de ortodoxia econômica, o mesmo remédio que a Argentina toma há 10 anos. Vai cortar gastos do Estado, eliminar subsídios e reduzir impostos, exatamente o contrário do que prescrevem os manuais de economia. ?Se queriam reativar a economia, escolheram a pessoa errada?, ironiza Ricardo Echeverria, economista da consultoria Ecolatina, de Buenos Aires. O mesmo Echeverria, porém, faz questão de dizer que De la Rúa não tinha alternativa: ?Ele escolheu um ortodoxo para acalmar a City e os empresários. É a última chance desse governo?.
Sem possibilidade de mexer na taxa de câmbio, com as políticas fiscais e monetárias emasculadas pela lei de convertibilidade, não adiantava chamar um keynesiano para criar políticas públicas de reativação. Toda a esperança do presidente se resume a ?fazer a lição de casa?, ganhar a confiança do mercado e atrair investimentos externos, torcendo para que eles tirem o país do atoleiro. E o ºque os mercados pensam foi exposto com rara crueza por Drausio Giacomelli, um executivo do JP Morgan. ?O dinheiro dos investidores vem do governo, do pagamento dos juros da dívida pública. É só isso que interessa?, disse ele ao jornal Valor Econômico. ?O que as pessoas não vêem é que os recursos para o pagamento dos juros da dívida vêm do superávit fiscal do governo.? O Fundo Monetário e os analistas bancários, coincidentemente, aplaudiram de pé a indicação de Murphy. Resta saber se a política que compraz os bancos serve também à retomada do crescimento. O economista brasileiro Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, jura que não. Ele compara a Argentina de hoje à Alemanha do final dos anos 20, que tentou por cinco anos reconquistar a confiança do mercado ajustando para baixo uma economia em recessão cada vez mais profunda. ?Não funcionou lá e não vai funcionar na Argentina?, prevê Belluzzo. Se assim for, há um homem preparado para recolher os restos do naufrágio: Domingo Cavallo. O ex-ministro da Economia e pai da convertibilidade foi convidado por De la Rúa para compor com Murphy, assumindo o Banco Central. Até o fechamento desta edição, o ambicioso candidato a presidente não tinha respondido, mas tudo indicava que iria recusar. Com a Lei de Murphy no horizonte, é melhor não ter nada a ver com Murphy.