08/08/2014 - 20:00
Diariamente, mais de 30 mil pessoas visitam – e, claro, fotografam – a Torre Eiffel, em Paris, um dos cartões-postais mais atraentes e fascinantes do mundo. Basta estar lá, ou em qualquer outra atração turística pelos cinco continentes, para encontrar centenas e mais centenas de pessoas tirando fotos com seus smartphones, que estão cada vez mais tecnológicos. Aplicativos como o Instagram, por exemplo, exaltam a facilidade de conseguir flagrantes de boa qualidade com o telefone móvel, que dispensa ajuste no foco ou na velocidade do obturador.
Basta adicionar um de seus filtros ou mexer no brilho e na saturação daquele clique e, voilà, nasce uma bela fotografia. Nesse cenário cada vez mais modernoso, pode parecer estranho que alguém esteja disposto a pagar até R$ 120 mil por uma câmera fotográfica. Pois, acredite, há um público seleto que não vê nada de estranho nisso. E não se trata de fotógrafos profissionais – são médicos, advogados, executivos ou empresários que se dedicam à fotografia nas horas vagas. Sorte da Leica, a tradicional fabricante alemã de câmeras, com faturamento anual estimado em mais de US$ 300 milhões, que comemora 100 anos de existência em 2014.
“Quantas empresas de tecnologia são capazes de sobreviver ao tempo e celebrar um centenário hoje em dia?”, indaga Alfred Schopf, presidente mundial, em entrevista à DINHEIRO. O otimismo é evidente diante de um crescimento anual constante e que, em 2011, chegou a 60%, de acordo com a revista americana Businessweek. Mas não foi sempre assim. A marca chegou à beira da falência em 2004, quando as câmeras digitais se popularizaram no mercado e a Leica, por sua vez, se mantinha analógica.
Segundo Henrique Lorca, professor de fotografia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a empresa dormiu no ponto quando as companhias japonesas avançavam no processo de digitalização da fotografia. “Mesmo tendo uma marca conceituada e com uma bela história por trás, ninguém pode se dar o luxo de parar no tempo, ainda mais sendo do setor de tecnologia”, afirma Lorca. Diante da crise, um de seus maiores acionistas na época, a companhia de investimentos austríaca ACM, assumiu o controle e apostou na ressurreição da marca.
“Já estudávamos a digitalização da fotografia desde 1996, só que não tínhamos capital para bancar o processo de modernização”, afirma Schopf. “Tudo mudou quando recebemos investimentos e pudemos colocar nossos esforços em criar uma tecnologia à altura da marca.” Em 2009, a Leica deu a volta por cima e passou a produzir mais de 300 mil câmeras por ano – que não são para qualquer bolso, diga-se. No Brasil, elas podem ser encontradas por preços que vão de R$ 5 mil, o modelo compacto, a R$ 120 mil, a versão S, a mais cara de seu portfólio premium.
“A Leica é, hoje, a Louis Vuitton da fotografia”, afirma o professor Lorca, da ESPM. Uma Leica pode chegar a somas estratosféricas. Foi o caso de um modelo vintage, criado pela empresa alemã em 1923, leiloado pela bagatela de US$ 2,8 milhões em 2011, o que lhe conferiu o recorde de câmera fotográfica mais cara do mundo. Mas, se durante os anos 1940 e 1950, com a fundação da agência parisiense de fotojornalismo Magnum, a Leica foi imortalizada como câmera predileta de gênios como o francês Henri Cartier-Bresson e o húngaro Robert Capa, hoje são poucos os profissionais que optam pela marca no dia a dia do trabalho.
“Tanto no Brasil quanto no resto do mundo a Leica é usada por entusiastas que praticam a fotografia como um hobby, e não como profissão”, diz Luiz Marinho, representante oficial da marca no País, que opera uma butique no shopping de alto padrão Cidade Jardim, na zona sul da capital paulista. “É a mesma coisa que acontece no golfe, por exemplo: o consumidor não é um Tiger Woods, mas, ainda assim, escolhe o melhor taco, a melhor bola e o melhor campo para praticar o esporte.” Segundo Marinho, o fã da Leica é o mesmo dos carros de luxo da alemã Porsche ou de roupas da grife italiana Ermenegildo Zegna.
“Não é um cliente que busca ostentação, mas sim uma qualidade impecável”, diz. Nada que impeça a empresa de ainda associar sua marca aos nomes lendários da fotografia. No vídeo em comemoração ao centenário, por exemplo, aparecem fotos que marcaram história na fotografia, como o “instante decisivo” de Bresson, que, por sua vez, costumava dizer que a Leica era como uma extensão de seu próprio olho, e retratos de guerra de Capa, ambos cofundadores da Magnum. “Sem dúvida, eles ajudaram a criar o que chamamos de ‘mito Leica’, com suas fotos icônicas”, diz o CEO da empresa.
“A simbiose entre as empresas é tanta que ainda hoje fazemos parcerias, como projetos culturais, exibições e livros.” Outra parceria que tem dado resultado para a Leica é com marcas de moda, como a francesa Hermès e a britânica Paul Smith, com suas câmeras voltadas para um design mais arrojado. Quem também colaborou com a empresa foi o inglês Jonathan Ive, o badalado vice-presidente de design da Apple. Também têm ocorrido investimentos em produtos que homenageiam o centenário e conquistam colecionadores, que adoram uma edição limitada.
Tudo isso sem deixar de lado a tecnologia de suas câmeras, que chegam a ser submetidas a 60 controles de qualidade nas fábricas de Famalicão, em Portugal, e Wetzlar, na Alemanha, e são distribuídas por uma rede de 185 butiques ao redor do mundo (dez delas são lojas-conceito). Até 2016, deverão ser 400 lojas, entre as quais 30 de grande porte que servirão também como ponto de encontro de entusiastas da marca. Nesse time, figuram atrizes e atores de Hollywood, como Dakota Fanning e Brad Pitt, e músicos, como Seal e Miley Cyrus. Mesmo fotógrafos profissionais, como o badalado brasileiro Bob Wolfenson, optam pela marca nos momentos autorais. “Mais do que fotos profissionais, a Leica proporciona fotos que são uma declaração de amor à fotografia”, diz Marinho.